Em 2021, o valor das fusões e aquisições de empresas ultrapassou 5 trilhões (ou 5 bilhões) de dólares pela primeira vez na história mundial, segundo a plataforma de informações de mercado Dealogic. Dessa forma, bateu o recorde anterior de 4,42 bilhões de dólares em 2007, anterior à crise financeira que devastou a economia mundial naquele ano.
Analistas destacam duas razões para explicar o fenômeno. Um deles é o enorme fluxo de capital e as altas avaliações que alimentaram esse frenesi de compra e venda de empresas. Outro é o instrumento conhecido como empresa de aquisição com vocação específica (ou SPAC, na sigla em inglês), que consiste em captar recursos financeiros e se comprometer com investidores a adquirir uma empresa em curto prazo. A pandemia havia deprimido esse tipo de operação durante 2020, mas o consumo de vingança que se desencadeou no final de 2021 entre os cidadãos comuns parecia se estender também ao campo financeiro, como indicam esses números.
“A força dos mercados de ações é um fator chave para fusões e aquisições. Quando os preços das ações estão altos, geralmente correspondem a uma perspectiva econômica positiva e alta confiança da administração”, disse Tom Miles, codiretor de fusões e aquisições para as Américas do Morgan Stanley. Claro, ele estava promovendo seu próprio negócio.
No entanto, como explicou mais de uma vez o libanês Nassim Nicholas Taleb, ensaísta e pesquisador do acaso e das finanças, além de criador da categoria cisne negro, aplicável a fenômenos imprevistos, inesperados e inexplicáveis, a força dos mercados é um mito que desmorona com a primeira brisa. Em livros como “Jogando a pele, a sorte existe?” o Antifragile sustenta com sólidos argumentos a ideia de que muitas das molas financeiras, longe de serem devidas a previsões econômicas sustentáveis e precisas de especialistas, assessores e investidores, são simplesmente momentos de sorte de “idiotas de sorte” (como ele os chama), apresentados como magos financeiros, cujos métodos são tentados a replicar quando na verdade não existe nenhum método.
A verdade é que o festival de fusões e aquisições de 2021 remete a uma questão moral: como isso beneficiou uma humanidade em que a desigualdade só aumenta, gerando uma pandemia de desconforto e ressentimento coletivo? populismos certos estão preparados e quantidades crescentes de violência estão prestes a explodir?
Em seu ensaio intitulado “A riqueza de poucos beneficia a todos nós?”, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), pensador incontornável para entender esses tempos, descreve os fundos de investimento como simples caracarás (pássaro), especuladores que não geram empregos nem riquezas.
Já em 1998, em outro de seus livros “Globalização: suas consequências humanas”, Bauman dizia que essas empresas, cuja compra e venda ávida e permanente é a base do capitalismo financeiro, não têm proprietários visíveis, o que elimina qualquer ideia de responsabilidade de suas ações. , e, em suma, eles também não podem ser localizados, pois suas bases mudam, aparecem e desaparecem com uma velocidade muito maior do que as leis, regulamentos e as consequências de sua negligência. O registro das aquisições e fusões é o produto, em suma, da passagem definitiva do capitalismo produtivo e industrial (que incluía a coexistência do capital e do trabalho) para o capitalismo financeiro, em que se perde o sentido do trabalho, buscam-se lucros rápidos sem permanência, pertencimento ou legados à comunidade. E assim, acentua-se a inércia da desigualdade que, como aponta Bauman, faz com que os ricos enriqueçam ainda mais sua riqueza e os pobres os empobreçam ainda mais sua pobreza.
Uma pandemia oportuna também pode colocar as empresas farmacêuticas entre as que lideraram o mercado de fusões e aquisições. Nesse setor, cada nova cepa de coronavírus, longe de ser temida, é comemorada.
*Por Sergio Sinay – Escritor e jornalista.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.