As primeiras discussões de alto nível entre Rússia e Ucrânia na Turquia reviveram uma esperança fugaz de uma solução negociada, mas analistas estimam que as armas terão a última palavra na resolução do conflito.
Patrocinadas pelo ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Cavusoglu, as duas horas de negociações na quinta-feira entre os ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Ucrânia, Sergey Lavrov e Dmytro Kuleba, terminaram sem avanços além da vontade de ambos em continuar o diálogo.
Ninguém esperava um “milagre”, mas “é preciso começar”, disse o ministro turco em Antália, citando a perspectiva de uma cúpula presidencial entre o russo Vladimir Putin e o ucraniano Volodimir Zelensky.
Zelensky destacou uma mudança na “abordagem” da Rússia durante as últimas negociações e garantiu que Moscou não se limita mais a “dar ultimatos”. De fato, ele disse estar “feliz por receber um sinal da Rússia” depois que o líder russo disse ter visto “passos positivos” nas negociações.
Depois de mais de duas semanas de guerra sem Moscou traduzir sua superioridade militar em vantagem significativa, “nem a Rússia nem a Ucrânia estão atualmente prontas para o engajamento”, diz Oleg Ignatov, analista de Rússia do International Crisis Group.
“Ambos os campos consideram o cenário militar como o cenário principal: a Ucrânia não está perdendo a guerra e a Rússia não está ganhando”, resume. “Nesta situação, os combates vão continuar” e “tudo vai depender do que acontecer no terreno”, prevê.
Em um contexto em que até a abertura de corredores humanitários causa polêmica, “é difícil discutir uma resolução do conflito, seja ele qual for, nem mesmo um cessar-fogo”, diz Natia Seskuria, pesquisadora georgiana do Royal United Services Institute em Londres.
“Nesta situação, a Rússia está tentando alcançar seus objetivos finais na Ucrânia e, se puder forçar os ucranianos a aceitar seus termos na mesa de negociações, conseguirá o que deseja. Mas, caso contrário, a guerra continuará”, diz ele.
“Excluir ocidentais”
“Há muita mitologia sobre a diplomacia, mas a diplomacia nunca é uma alternativa ao equilíbrio de forças”, diz Michel Duclos, ex-embaixador francês na Síria. A Rússia mostra “uma concepção de diplomacia que consiste em fazer o outro ceder e isso é uma diplomacia de ultimato”, afirma. “Estamos numa fase em que os russos dão uma de cal e outra de areia, mas continuam na aproximação do ultimato”, acrescenta.
Do ponto de vista da Rússia, negociações como as que aconteceram em Antália buscam “alcançar o moral dos ucranianos, criar um pouco de confusão tanto para o mundo quanto para os ucranianos”, avalia o ex-diplomata.
Para Natia Seskuria, a Rússia, cujo ministro das Relações Exteriores garantiu em Antália que não atacaram a Ucrânia, também está tentando convencer a opinião pública de que não há alternativas ao uso da força. “A Rússia procura um pretexto para poder dizer que tentou a diplomacia, mas que a diplomacia falhou porque a Ucrânia rejeitou as suas exigências” e “justifica assim futuras ações militares”, estima este especialista.
Mesmo assim, esse tipo de reunião permite que ambas as partes calibrem suas forças, ressalta Oleg Ignatov. “A Ucrânia espera poder parar a operação militar russa por meios diplomáticos”, enquanto a Rússia “quer entender qual é a posição ucraniana”.
Eles cumprem uma “função de teste”, concorda Michel Duclos. “Os ucranianos precisam saber exatamente onde estão os russos”, explica.
É até viável que Moscou estabeleça um formato de negociação comparável ao processo de Astana idealizado para a Síria, que reuniu Rússia, Irã e Turquia, três potências envolvidas mais ou menos diretamente no conflito, explica o ex-embaixador francês.
Aos olhos de Moscou, essa fórmula teria “a vantagem de dar a impressão de que há um processo de paz e também excluiria os ocidentais”, acredita.
AFP
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.