“A voz nunca me deixou na mão”, diz o dublador Isaac Bardavid

No Dia Mundial da Voz, o veterano ator, dublador e poeta Isaac Bardavid, de 90 anos, reconhece a importância de sua voz como instrumento de trabalho. “Ela nunca me deixou na mão. Sempre foi minha companheira inseparável”, ressalta. O artista, que fez sucesso na  televisão interpretando o tirano feitor Seu Francisco, da novela Escrava Isaura (1976), também marcou gerações brasileiras por sua inconfundível voz emprestada ao Wolverine, personagem que ganhou bastante espaço em desenhos animados e no cinema. 

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São 24 anos de dublagem do mutante, que é a mais memorável entre as mais de 40 mil dublagens que já fez. Mas há espaço para falar de outras interpretações, como o Esqueleto de He-Man e o apressado e atrapalhado Tigrão, do desenho Ursinho Pooh. “Foi muito difícil [dublar o Tigrão] e eu o dublei por mais de dez, 15 anos”.

Em isolamento na casa da filha mais velha, Isaac e a família mantêm uma rotina festiva enquanto cumprem o distanciamento social. Sem esconder os problemas auditivos e com uma voz que não envelhece, Isaac participou de uma conversa virtual com a Agência Brasil auxiliado pelo neto. Leia a entrevista completa. Mas antes, um recado do “Wolverine:”

Agência Brasil: São 18 anos do Dia Mundial da Voz neste 16 de abril. O que o senhor faz, aos 90 anos, para cuidar da sua voz e manter essa mesma entonação e timbre até hoje?

Isaac Bardavid: Você quer uma resposta honesta, né? Eu não fiz nada. A natureza me presenteou com essa voz que todo mundo acha que é magnífica. Eu acho minha voz muito comum, igual a milhares de outras que eu ouço por aí afora. Mas quis a minha sorte que ela, a partir de certas dublagens que eu fiz, tivesse uma repercussão inesperada pra mim.

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Agência Brasil: Mas em algum momento do trabalho do senhor, como ator, dublador e poeta, a voz já te pregou alguma peça que te prejudicou? Ou realmente ela tem sido sua companheira o tempo todo?

Isaac Bardavid: Não, que eu me recorde, não. Ela nunca me deixou na mão. Ela sempre foi minha companheira inseparável. É evidente que houve fases em que eu tive um pouco mais de pigarro, um pouco menos. Eu estava mais afônico, menos afônico. Isso acontece com qualquer um. Via de regra, minha voz nunca me abandonou, sempre esteve do meu lado, fiel.

Agência Brasil: O tipo da sua voz, inconfundível, te ajudou na sua jornada como ator ou dublador?

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Isaac Bardavid: Ao longo da minha carreira, dependendo do ator que eu duble ou interprete no teatro, eu tento sempre modificar a minha voz. Por exemplo, na dublagem eu já fiz até voz de mulher. Acredite. Ao contrário do que se pensa, não é a voz que me ajudou. Foram os personagens que me ajudaram a interpretar de acordo com o caráter de cada um, digamos assim. 

Isaac Bardavid x Wolverine

Agência Brasil: Como o senhor lida com o fato de ser inevitavelmente associado aos personagens que faz? Ocorre algum “divã” ou terapia entre os personagens e o Isaac? 

Isaac Bardavid: (risos) Eu acho tudo muito engraçado e muito estranho. Atualmente, todo mundo me associa ao Wolverine. Há 20, 30 anos me associavam ao Esqueleto. Nos anos 60, me associavam a uma série chamada Bonanza, onde eu dublava o filho mais velho, o Adam Cartwright.  Eu acho isso um fenômeno perfeitamente normal e natural.  O Wolverine é, possivelmente, a última coisa de grande sucesso que eu dublei. Porque eu dublei o Wolverine durante 24 anos, desde a época do desenho (X-Men). Hoje me associam ao Wolverine. Mas como eu disse, a coisa vai se esbatendo com o tempo. E daqui a cinco, sete anos, o Wolverine vai cair no esquecimento como todos os outros personagens. O tempo não perdoa.

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Agência Brasil: O título de uma entrevista que o senhor concedeu em 2014 dizia que você não é imortal como o Wolverine, mas a sua voz é. Concorda com isso? 

Isaac Bardavid: Sim. A minha voz é imortal na medida em que seja imortal a lembrança do Wolverine (e de outros personagens). Porque a minha voz está associada ao Wolverine pra sempre. Ainda se ouvirá falar do Wolverine. E consequentemente, se ouvirá falar da minha voz. Mas o dia que isso terminar, terminou. 

Agência Brasil: Falando um pouco desse ciclo entre apagamento e surgimento de vozes, como é que o senhor vê a nova geração de dubladores? 

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Isaac Bardavid: Com a maior simpatia possível. Nós temos na praça excelentes dubladores. E há quem faça o Wolverine de maneira irretocável. Não tenha dúvida. Porque não foi a minha voz que fez sucesso, foi a figura do Wolverine. É claro que eu tive algum mérito nisso. Mas qualquer outro dublador com alguma sensibilidade – e nós temos muitos que tem – se fizessem o Wolverine, fariam o mesmo sucesso. 

Agência Brasil: Há algum dublador dessa nova leva que o senhor admira?

Isaac Bardavid: Tem um dublador que eu admiro profundamente que se chama Márcio Simões (voz do Patolino e do Frajola). Tem o Guilherme Briggs (a voz do Superman), o Mauro Ramos (voz do Shrek). Tem o Alexandre Moreno (voz do Pinky, de Pinky e o Cérebro). Tem aos montes. E seria muito difícil pra mim citar todos que eu admiro. 

Agência Brasil: E para esses dubladores, em geral, que dica daria a eles? A mesma receita de naturalidade que o senhor seguiu ou algum outro cuidado? 

Isaac Bardavid : Eu não tenho como dar a eles dica nenhuma. É seguir em frente dando o melhor de si porque todo o trabalho que você faz, você tem que dar o melhor daquilo que você tem e sempre com muito prazer. A minha dica seria: faça o trabalho de vocês com prazer porque você transmite isso nas suas interpretações. Não façam de má vontade ou não façam de fazer por fazer. Façam entregando-se, fazendo com muita alegria e prazer aquilo que você faz.

Porque é muito divertido dublar, sabia? Mesmo aquelas dublagens mais complicadas, mais difíceis. É sempre com grande prazer que você as faz e quando você termina a alegria de ter feito é muito grande. 

Agência Brasil: Algum papel que chamou mais atenção na sua trajetória pela complexidade? 

Isaac Bardavid: Como dificuldade eu vou citar o Tigrão [do desenho animado Ursinho Pooh]. Foi ele, na minha opinião. E eu já dublei entre 40 e 45 mil filmes, não é pouco. Foi muito difícil e eu o dublei por mais de dez, 15 anos. 

Agência Brasil: O que tornava o Tigrão tão difícil?

Isaac Bardavid – Porque ele fala muito depressa, com a língua entre os dentes. E, de vez em quando ele soltava um “uhuu!”. Ele tinha uma risada agudíssima, intercalada entre as frases. Eu considero o dublador do Tigrão original, o americano, um gênio. Muito difícil! Ele falava com a língua entre os dentes, sibilando os ‘s’ e cuspindo de vez em quando. Tudo isso para falar com a ligeireza que ele falava, dificulta demais a sua interpretação.

 

Dia Mundial da Voz: como dubladores criam novas identidades vocais

 

Reconhecimento do dublador e artista

Agência Brasil: Dá-se uma importância muito maior aos dubladores de animação de fora do Brasil do que aqui. Por quê?

Isaac Bardavid: Com certeza. Não só importância, eles enriquecem. Dublador nos Estados Unidos enriquece. Eu dublei durante 62 anos e não sou um homem rico. Eu vivo daquilo que eu faço ainda hoje. A diferença é essa e é brutal. 

Agência Brasil: O senhor aposentou ou continua ainda trabalhando com dublagem de vez em quando?

Isaac Bardavid – Não, eu sou aposentado há 40 anos. Mas, na dublagem, propriamente não. Eu tenho feito algumas locuções, aqui e ali.

Eu ainda trabalho porque a minha voz permanece por enquanto. Ela permanece intacta, né?

Agência Brasil: Recentemente, o senhor lançou um livro. É uma espécie de autobiografia versada?

Isaac Bardavid: Não, não. É um livro de poemas. Um livro de sonetos. Alguns dizem que eu sou poeta. Eu não sou poeta, eu sou um cronista que escreve em forma de soneto. Porque eu escrevo sobre as coisas do dia a dia. Minhas palavras não são rebuscadas, não são palavras de cunho poético. São palavras do dia a dia. 

Agência Brasil: Quando o senhor escreveu os sonetos, pensou que as pessoas deveriam lê-los imaginando a voz do Isaac Bardavid?

Isaac Bardavid: Essa pergunta não tem resposta. As pessoas não leem com vozes. As pessoas leem mentalmente (risos). Na verdade, eu gravei 80 sonetos e eles andam aí pelo YouTube. Então, muitos podem acessar a minha voz com um ou outro soneto, mas eu não creio que eles tenham lido visualizando a minha voz. 

*com produção de Simone Magalhães
 

(Agência Brasil)

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