As relações movidas por redes sociais

O surgimento das plataformas sociais tornou a nossa vida social inseparável do digital. A Internet condiciona a forma como nos relacionamos com os outros

As relações movidas por redes sociais
(Crédito: Pixabay)

Como investigar a articulação entre as relações interpessoais e as redes sociais, como nos relacionamos com esses artefatos e como são movidas nossas relações uns com os outros por meio deles. Não porque essas formas sejam menos “reais” do que as interações presenciais, mas porque inauguram novas possibilidades de estarmos copresentes numa superfície digital, com todas as dificuldades de utilizar a categoria de “presença” nas telecomunicações, onde os corpos físicos dos participantes estão ausentes por definição.

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Que formas de estar presente nos oferecem os aparelhos de comunicação pessoal? Que conexões estabelecemos a partir desses dispositivos sem fio, móveis, interativos e conectados? Eles moldam as relações sociais de alguma forma? Em uma conferência, um palestrante apontou que diante de certa polêmica no Facebook, alguns envolvidos optaram por “se omitir” (não se manifestar, “chamar-se ao silêncio”, não “participar”) e outros “deram a cara a tapas” nas redes. O que significa “dar a cara” nesses ambientes conectados?

O nível interativo não é uma dimensão de análise que se agrega “por último” às narrativas textuais/visuais, mas que as atravessa em um cruzamento contínuo. Tenho interesse em descrever o cenário comunicativo regulado pelas possibilidades e restrições que a arquitetura do Facebook nos oferece, levando em consideração que os usuários podem ou não efetivar as propostas da interface. O contrário seria cair em um determinismo tecnológico, atribuir ao dispositivo a capacidade de determinar práticas sociais.

É claro que cada usuário, empresa, Fan Page, poderá articular estratégias específicas a partir das mesmas possibilidades. No entanto, não é menos verdade que todos compartilham as mesmas possibilidades de contato e os mecanismos implícitos inscritos na arquitetura.

Então, estudar as formas de enunciação na plataforma nada mais é do que estudar a forma como o se constrói o espaço de contato a partir da retórica proposta pela rede social. Toda plataforma de

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comunicação interpessoal propõe uma tríade interativa a partir de uma publicação: “curtir”, “comentar”, “compartilhar”. Uma matriz básica de interação, de inscrição da alteridade, que configura o que chamarei de “cadeia metonímica do agrado”, que tende a reforçar laços entre contatos e ampliar as redes sociais de circulação do visível, configurando cenas no presente, um streaming de conteúdo gerado pelos próprios usuários que tende a gerar interações e conteúdos novos.

São novas formas de presença online, que as tecnologias comunicam gerando peças de informação, rastros da nossa presença conectada. O horário da nossa última conexão, a confirmação de leitura de uma mensagem, se curtimos, comentamos, compartilhamos, respondemos a uma postagem na qual fomos marcados ou mencionados.

“São novas formas de retorizar as interações online, possibilidades de nosso corpo digital que penetram (e moldam) nossos vínculos e conversas no mundo offline.

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Esse maranhado de reações no espaço digital não pode ser pensado fora do seu entrelaçamento com o mundo offline, seja porque se refere a ele, seja porque envolve a comunicação de pessoa a pessoa. Como diz Fontcuberta, Alonso Quijano não teria enlouquecido hoje devorando romances de cavalaria, mas diante das telas caleidoscópicas, “que abrem um mundo duplo e simétrico como aquele que Alicia descobriu ao cruzar o espelho, um mundo paralelo em que podemos viver e nos aventurar”. É verdade, sim, mas também é um mundo sujeito a suas próprias dinâmicas, elementos regulatórios e marcos normativos.

O sujeito conectado é um terminal sempre acessível, vinculado a um dispositivo que o localiza e por onde lhe falam onde quer que estiver. Se o celular for para pessoas conectadas que estão em trânsito, a ansiedade é o outro lado da moeda da vida no 4G, seu reverso. Onde quer que se vá, carrega-se junto uma rede de conexões, tal como o caracol carrega a sua casa, e “uma impressão de que o vínculo pode ser ativado a qualquer momento e que, portanto, pode-se experimentar o envolvimento do outro a qualquer momento”.

Refletir sobre o celular é refletir também sobre o nosso corpo, pois estamos metonimicamente vinculados (por contiguidade) ao dispositivo técnico. O celular é uma tecnologia corporal. Se, na comunicação mediada, o corpo físico está ausente, resta, então, investigar as possibilidades desse outro corpo para o contato. Por isso nos relacionamos por encaminhamentos indiciais, rastros das nossas trajetórias no espaço e no tempo, de um corpo significante, um “corpo redescoberto” cuja “camada metonímica de produção de sentido” assume a forma de uma rede intersomática de laços de complementaridade, uma rede que é constituída por encaminhamentos baseados na regra de contiguidade. Em última análise, a questão é como nos constituímos à distância como um corpo ausente que se faz presente e significa coisas para o outro (…)

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Quem gosta de mim? Scolari argumenta que a base do consumo da internet e das interfaces digitais é o “clicar”. O hipertexto a ser consumido deve ser percorrido clicando. No caso do botão “Curtir”, o usuário não apenas declara a adesão a uma publicação. O ato de “consumir” um conteúdo digital alheio é encaminhado ao próprio corpo. Por meio desse joinha, é o seu olhar legitimador o que adquire presença. Você abandona a sua condição de voyeur e se torna um leitor efetivo que deixa rastros da sua presença conectada. É a primeira forma de manifestar a presença, de afastar a ausência e a distância, de marcar o seu passo. É a unidade que funda o vínculo de uma conexão: um corpo que oferece, um olho que olha e ao confirmar que olha, partilham o mesmo espaço.

O Facebook, ao inventar o “Curtir”, inaugurou essa nova forma de se inscrever no conteúdo do outro. O ícone do joinha tornou-se a sinédoque do Facebook, uma parte que expressava o site para significá-lo, a recuperação gestual de um sinal para expressar aprovação. O “Curtir” também é o primeiro operador de popularidade. Até o Twitter substituiu os “favs” (favoritos) em novembro de 2015, o que nos permitiu marcar as publicações com uma estrela para poder acessá-las posteriormente, substituindo-as por um coração e o texto “Curtir” ou “Like”. Se para a empresa a estrela era confusa, o coração é um ícone indiscutível. “Você pode gostar de muitas coisas, mas nem tudo pode ser o seu favorito. O coração, por outro lado, é um símbolo universal que ressoa em todos os idiomas, culturas e fusos horários”. O coração é então escolhido pela facilidade de expressar emoção, de se tornar significativo e “transparente” para novos usuários. Já havia sido adotado pelo Instagram como botão de “Curtir”, e é o símbolo em aplicativos de namoro, como o Tinder, para selecionar contatos potenciais: é a forma de dar o sim, abrir o acesso para que haja “match” e para poder coincidir com o outro (gostamos um do outro).

O “Curtir” é uma operação positiva, sem operadores negativos. Liga-me afetivamente a quem o profere. Pode significar que se leu um comentário, ou indicar concordância com uma negação (eu também não gosto), mas é sempre um operador afirmativo, de empatia, sem possibilidade de ironia, de significar o contrário do que quer expressar. Mas o que significa pode ser muito variado, dependendo do significado que os usuários atribuem a ele: sedução, desejo de chamar a atenção, interesse, vontade de mostrar uma presença constante. Fortalece os laços em vez de atacar, os amigos, por definição, se apoiam. Estende a cadeia de amizade, ao vincular um usuário a um conteúdo e, por extensão, à pessoa que o profere. É um gesto de carinho, que permite até que o usuário se aproxime de um contato que não conhece no mundo offline, tornando visível o seu interesse, sem ter que passar pela instância do comentário. É um primeiro gesto que expressa: “você está aí, me vê”, “eu estou aqui, te vejo”. É um primeiro operador de reunião. O “Curtir” não tem retorno dentro da mesma operação, só pode ser devolvido pelo like em outra publicação, como reciprocidade no tempo. O “curto que você me curta” só pode ser comunicado como um pingue-pongue. É uma doação que gera a obrigação moral de ser devolvida. Um indicador para localizar a relação eu/outro em diferentes escalas do par simetria-assimetria. Se nos curtirmos mutuamente, seremos “amigos”, senão serei seu “seguidor”. Trocamos “Curtidas” porque é a moeda de troca nessa economia de likes. Como uma operação bastante passiva – o usuário não produz conteúdo, apenas os apoia – torna-se uma unidade mínima de atividade. A passagem ao comentário é uma ampliação do contato que permite introduzir uma marca subjetiva na apreciação. Claro, no predomínio do icônico, o polegar ficou pequeno. Como nas versões dos Irmãos Grimm, a Polegarzinha é inquieta: ela viaja, corre, se envolve em aventuras e andanças.

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Assim, o “Curtir” acarretou um repertório de reações que usam o coração e o rosto como suporte para expressar sentimentos (“Adoro”, “Me dá raiva”, “Me diverte”, “Me surpreende”, “Me entristece”). Estas são “Curtidas” modalizadas que funcionam como grau zero de um primeiro comentário. O “Me dá raiva” e “Me entristece” não introduzem mudanças na lógica do “Curtir”; são operadores de empatia diante de algo negativo: também (me entristece), também (me dá raiva). O que não existe é uma opção tecnológica de fratura, de discordância: “para mim não” (discordância de conteúdo afirmativo), “para mim sim” (discordância de conteúdo negativo).

Como operador de concórdia, apenas é possível desfazer (“Não curto mais”), mas, neste caso, a plataforma opta por invisibilizar a operação. Não o notifica nem o mostra, é o usuário que deve rastrear esse desapego. A opção “Não curto”, ao contrário do YouTube, onde podemos “baixar o polegar” ao conteúdo, não está disponível. Poderia ser um problema entre amigos ou seguidores ao expressar descontentamento e, sobretudo, entre usuários insatisfeitos com marcas, Fan Pages, empresas, organizações ou candidatos políticos. Acima de tudo, porque o “Curtir” é a pedra de toque do modelo de negócio da plataforma. “Somos o que clicamos” e esta é a base da personalização da experiência de consumo: “se eu sei como você é, sei o que lhe posso dar”. E novamente os Irmãos Grimm. Quando dois homens, ao verem um cavalo andando sozinho e descobrirem que na verdade é conduzido pela Polegarzinha (aquele pequeno ser “do tamanho de um polegar”), perguntam ao pai camponês se não podem comprar a Polegarzinha para fazer fortuna com as exibições do pequeno ser. Não é muito diferente daquilo que as empresas se perguntam em relação à nossa identidade algorítmica. Nossas pegadas e andanças pela rede nos comunicam como Polegarzinhas, deixando marcas, falando para as plataformas como Polegarzinha dirigindo o cavalo sentada ao lado da sua orelha. Os “cavalos” que norteiam nossas jornadas são os processos de seleção por meio de filtros algorítmicos, e a força de tração que os move são nossas atividades transformadas em dados.

Ao “curtir”, o usuário não apenas mostra para o destinatário o seu agrado, mas também torna essa ação visível para todos os que olham. É um gesto público, também no seu sentido de publicidade. Funciona a favor da vida visível de uma publicação. Uma “curtida” dirá aos outros: eu gosto disso. Na língua espanhola verbos como “curtir” (“gustar”) apresentam uma particularidade: na frase “me gusta”, não sou o sujeito (gramatical): sou afetado por aquilo que exerce em mim a ação de gostar. A publicação (sujeito sintático) me dá gosto, me agrada (objeto indireto). Só torno esse efeito visível com um clique: interpelo o destinatário ao mesmo tempo que me sinalizo como interpelado.

Toco porque sou tocado

É um jogo de esgrimistas com espadas que fazem carinho, cujas pontas terminam em polegares e corações. Sempre é preciso ter dois para que haja contato. É uma operação dupla: fala de mim em relação a outro (torno visível o meu olhar) e ao mesmo tempo fala de mim aos demais, associando-me a determinados conteúdos e não a outros.

O “Curtir”, então, é uma ponte a um conteúdo validado por um contato que passa a ser um recomendador. A interface confunde a distinção entre “amigos” e “consumidores”. O aparelho privilegia o nome próprio dos contatos “mais amigos” ou “mais populares” que curtiram a publicação de outro e me informa, sem ter que passar pela lista de “curtidores”. Os amigos funcionam como “referências” para o resto da rede de contatos, o que faz desta opção tecnológica um ponto chave na articulação com um modelo de negócios, de consumo social por referências.

“Não por acaso, o Facebook escolhe um traço como ‘Curtir’ em vez de um botão ‘difícil, mas interessante’ ou ‘importante’. Os ‘likes’ não são apenas termômetros de desejo, mas também geradores de potenciais tendências de consumo”.

Essa matriz interativa (curtir, comentar, compartilhar) afeta tanto o conteúdo publicado pelos usuários, quanto os conteúdos que, através das Fan Pages, são anúncios pagos, anúncios por interação (anúncios de engajamento). O mesmo regime do visível é igual para ambos os conteúdos.

*Por Ariel Gurevich – Autor, diretor, pesquisador e professor.

**Trecho do seu último livro, La vida digital (La Crujía).

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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