Adaptação à nova realidade fez de Yeltsin Jacques um multicampeão

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Yeltsin Jacques e seu guia Carlos Antonio dos Santos (Crédito: Kiyoshi Ota/ Getty Images)

Por um tempo, Yeltsin Jacques foi uma curiosidade. Afinal, o nome diferente, fruto da admiração do pai pelo ex-presidente russo Boris Yeltsin, despertava indagações constantes. Em Tóquio, o sul-matogrossense de 29 anos tornou-se a anedota que todos queriam contar para o Brasil, mas dessa vez pelo que exibiu na pista. Ao vencer os 1.500 metros T11 (para atletas cegos), ele foi o responsável pela 100ª medalha de ouro do país em Paralímpíadas, a marca que perseguíamos desde o começo dos Jogos.

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O ouro do dia 31 na verdade foi o segundo de Yeltsin em Tóquio. Ele já havia vencido os 5.000 metros quatro dias antes, abrindo a contagem de ouros do atletismo, a modalidade que mais pódios trouxe para o Brasil na história dos Jogos.

Yeltsin Jacques ganha o 100.º ouro do Brasil

Yeltsin Jacques ganha o 100.º ouro do Brasil – REUTERS/ATHIT PERAWONGMETHA

O pulo para o degrau mais alto coincidiu com um novo momento da vida de Yeltsin. Ele nasceu com uma condição retiniana congênita, que limitava quase que por completo a visão dele. Começou a ser tratado aos seis meses de idade. A equipe médica, que o acompanha desde pequeno, o alertou sobre a provável piora gradual do seu problema, ao longo da vida. A previsão inicial era de que ele perdesse a visão totalmente por volta dos 22 ou 23 anos. Porém, isso não aconteceu conforme o diagnóstico. Yeltsin seguiu competindo nas classes T12 e T13, para atletas com baixa visão, mas não cegos.

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Nos Jogos do Rio, em 2016, competiu na T13, terminando em quinto nos 5.000 metros e 11º nos 1.500.

Com atraso, mas aos poucos, a doença foi atingindo os patamares que se previa. Yeltsin conta que em 2015 já havia recebido o primeiro alerta de uma médica, sobre a diminuição considerável da sua capacidade de enxergar. Ele se manteve na T12 até pular para a T11 em 2019.

Na nova classe, Yeltsin encontrou novas limitações no próprio corpo, novos adversários e marcas a serem batidas. Em Tóquio, a adaptação à essa realidade culminou nos dois ouros que ele conquistou. Com as marcas que obteve nas duas provas, se tivesse permanecido na T13, Yeltsin teria terminado em sexto lugar nos 1.500 metros e sétimo nos 5.000. Do Rio para Tóquio, o tempo na primeira prova melhorou mais de um segundo, mas na distância mais longa ele concluiu 11 segundos mais tarde.

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Atualmente, Yeltsin diz que só consegue enxergar e reconhecer alguma coisa, quando o céu está mais claro e ensolarado.

“Foi uma mudança natural para mim. Sempre me disseram que eu teria que ser realista, que isso ia acontecer em algum momento. Não faz mais diferença para mim se estou usando venda ou não. Eu me preparei, passei a treinar com os guias e consegui os resultados”, disse o atleta.

Antes de completar a transição, ele realizou um sonho. Terminou uma maratona correndo sozinho. Em 2018, em Buenos Aires, concluiu os 42 quilômetros em 2 horas e 28 minutos. Saiu orgulhoso.

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“Foi algo que eu sempre quis. Correr essa distância ainda enxergando um pouquinho. Foi um tempo fantástico. Eu tropecei, caí, cheguei todo ralado no fim mas foi incrível”, relembra.

Depois daquela prova, Yeltsin já correu outras duas maratonas, já com a ajuda de atletas-guias. Em Tóquio, no domingo (5), último dia dos Jogos Paralímpicos, ele voltará a se testar nessa distância e tentará o terceiro ouro. O entrosamento com os dois parceiros que serão os olhos e pernas complementares dele – Laurindo Neto e Antônio Carlos dos Santos, o Bira – é a grande arma para sair do Japão com um retrospecto perfeito.

“É difícil encontrar guias que consigam acompanhar a minha passada, que é bem longa. Subo bastante o meu quadril. Quem assiste aos nossos treinos diz que parecemos uma só pessoa correndo, tamanha a nossa sincronia”.

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(Agência Brasil)

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