34% dos líderes mundiais foram educados nos EUA ou Grã-Bretanha

Uma entidade mede a capacidade de influência que os países centrais têm sobre os líderes mundiais que estudaram em suas universidades. A disputa é entre entidades americanas e britânicas

34% dos líderes mundiais foram educados nos EUA ou Grã-Bretanha
(Crédito: Chris Harris/WPA Pool/Getty Images)

Foi o cientista político americano Joseph Nye que em 1990 cunhou o termo soft power, ou poder brando, para se referir à capacidade de alguns Estados de influenciar os acontecimentos no cenário global, utilizando meios culturais ou ideológicos, para além dos militares ou econômicos.

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Muitos think-tanks, instituições que se dedicam a produzir conhecimento sobre temas políticos, econômicos ou científicos. dedicam parte do seu tempo e dinheiro a capturar e mensurar esse poder abstrato, mas o Higher Education Policy Institute (HEPI) da Grã-Bretanha encontrou uma maneira de contornar parcialmente essa dificuldade: medir o soft power de acordo com o número de líderes mundiais que foram educados em outros países, como os EUA, que não os seus. A premissa do Soft Power Index 2021 é muito simples: quanto mais líderes mundiais tiverem recebido educação universitária ou superior em um determinado país, maior será o soft power desse país.

Líderes

Quem o Soft Power Index define como líderes mundiais? Para esta edição, o HEPI monitorou 357 posições de liderança em todo o mundo, entre monarcas, presidentes e primeiros-ministros. Isso significa que um país pode ter mais de um líder ativo que tenha sido educado no exterior, como é o caso das ilhas Maurício, onde tanto o presidente quanto o primeiro-ministro receberam educação universitária na Inglaterra. Nesse caso, o soft power britânico ganha dois pontos. No caso de um líder que foi educado no Reino Unido e nos Estados Unidos (como os presidentes Michael Higgins da Irlanda e Hage Geingob da Namíbia, por exemplo), um ponto é calculado para cada país. O SPI também inclui líderes formados em academias militares, como a de Sandhurst, mas exclui aqueles que receberam educação universitária em uma instituição estrangeira, mas à distância.

“Apenas França, Austrália, Rússia, Estados Unidos e o Reino Unido educam líderes de outros países”

Com esse sistema, o HEPI conseguiu reduzir o problema do soft power a uma amostra muito administrável: atualmente, apenas os EUA, a Grã-Bretanha, França, Rússia e Austrália educaram líderes mundiais fora de seus territórios. Embora o HEPI seja claro e estabeleça que a educação no exterior não é uma evidência definitiva de soft power, ela pressupõe que esses líderes possam apresentar uma predisposição maior para adotar valores e costumes desses países do que aqueles que não tenham passado uma temporada estudando neles.

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Disputas

Poucas coisas mudaram em termos gerais desde 2017, ano da primeira edição deste índice. A disputa pela liderança na educação superior dos líderes mundiais é entre os Estados Unidos e o Reino Unido: 34,17% dos atuais líderes mundiais como monarcas, presidentes ou primeiros-ministros do mundo frequentaram alguma universidade nos EUA ou na Grã-Bretanha. Em terceiro lugar, um tanto distante, está a França, que nos últimos dois anos apresentou uma queda significativa, de 40 para 30 o número de líderes mundiais formados em solo francês, enquanto Rússia e Austrália mantêm posições que parecem responder mais a vínculos históricos e geográficos.

O primeiro ranking do SPI confirmou a vitória do Reino Unido, com 57 líderes mundiais formados em suas terras, um a mais que os 56 que escolheram os Estados Unidos. A diferença, que em 2017 era apenas uma a favor dos britânicos, foi revertida a partir do ano seguinte, até atingir uma vantagem dominante a favor dos americanos que parece imbatível, pelo menos no curto prazo: em 2021 há 65 líderes mundiais que passaram por suas instituições universitárias, contra 57 que passaram por uma das britânicas.

Apesar da perda de hegemonia em relação aos estadunidenses, o balanço deste ano para o soft power britânico acabou sendo positivo: quatro líderes mundiais educados na Grã-Bretanha deixaram o poder (Rouhani no Irã, Aung San Suu Kyi na Birmânia, Giuseppe Conte na Itália e David Francis em Serra Leoa), mas cinco novos ascenderam a posições de liderança em seus respectivos países: Luis Arce na Bolívia, Bisher Al-Khasawneh na Jordânia, Sher Bahadur Deuba no Nepal, Wavel Ramkalawan em Seychelles e Samia Suluhu Hassan na Tanzânia, todos formados em universidades britânicas.

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“Na América Latina, a maioria estudou nos Estados Unidos”

América Latina

A chegada ao poder na Bolívia de Arce, que estudou na Universidade de Warwick, nos dá a oportunidade de analisar o contexto latino-americano. Quantos presidentes atualmente em funções na região passaram por instituições de ensino estrangeiras?

Na América Latina, o soft power norte-americano parece impor a supremacia que mantém em nível global. Enquanto do lado britânico estão os mencionados Arce e Carlos Álvarez Quesada, Costa Rica, mestre em estudos de desenvolvimento pela Universidade de Sussex, passaram por instituições de ensino norte-americanas: Sebastián Piñera, do Chile (Harvard); Iván Duque, da Colômbia (Georgetown); Luis Abinader, da República Dominicana (Hult International Business School); Juan Orlando Hernández, de Honduras (Universidade de Albany); Laurentino Cortizo, do Panamá (Universidade do Texas); e Mario Abdo Benítez, do Paraguai (Teikyo Post University). Em outras palavras, na América Latina a balança pende por 6 a 2 do lado do soft power norte-americano.

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Mas cada Índice HEPI Soft-Power é uma captura de um determinado momento em um determinado ano (a primeira semana de agosto de 2021, neste caso) e, como tal, não reflete o que aconteceu antes, nem reflete o que virá depois. Por exemplo, houve mudanças nas cúpulas de poder no Irã e na Moldávia que foram registradas, mas a que ocorreu mais tarde no Afeganistão eludiu o índice; se tivesse sido incluída, a fuga de Ashraf Ghani, educado na Colômbia, teria levado um ponto de o soft power americano.

Este último ponto também expõe um dos aspectos fracos do SPI: que exclui qualquer outra variável que possa gerar ou diminuir o soft power conforme concebido por Nye (a capacidade de influenciar o comportamento dos outros sem recorrer a meios coercitivos). Pensemos, por exemplo, nas imagens do aeroporto de Cabul e na forma como elas impactam o prestígio – às vezes mais teórico do que prático – dos Estados Unidos como provedor global de liberdade e democracia.

Ainda assim, o Soft Power Index do HEPI continua a ser uma ferramenta complementar valiosa para determinar e medir a extensão do poder brando das potências no cenário global.

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*Por Rosendo Fraga (h) – Diretor de nuevamayoria.uy.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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