A arte levanta a sua voz durante Revolução em Cuba

A irrupção de um coletivo juvenil abala a sociedade cubana, apesar dos esforços do regime para calar qualquer voz que não exalte a Revolução

Cuba
Cuba (Canva Fotos)

Por Sergio Bufano – escritor e jornalista

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Se algo caracterizou o projeto de um mundo socialista, foi a aspiração, a busca da realização humana por meio da liberdade. A arte floresceria alimentada pela criação libertadora que havia sido subjugada pelo capitalismo. A cultura, entendida como a expansão do conhecimento para toda a humanidade, garantiria o espírito crítico da sociedade e valorizaria o indivíduo e a sua capacidade de imaginação criativa no mundo. O acesso à cultura de todos os seres humanos seria a chave para entrar num novo universo.

Rússia. A Revolução de Outubro na Rússia foi o primeiro sinal de alarme. E não foi Stalin o autor. Embora a historiografia tenha tentado poupar Lênin e Trotsky da mancha do autoritarismo cultural, ambos deram os primeiros passos para abrir as portas da ditadura para a arte e o pensamento crítico. Passar do pensamento crítico para o pensamento único foi apenas um suspiro.

“Não posso ouvir Beethoven porque sua música me faz acariciar as cabeças. E este é o momento de bater nessas cabeças sem piedade”, escreveu Lenin a Gorki, revelando sua concepção sobre o perigo representado por aquela energia elusiva que é a criação musical. Trotsky manteve o mesmo quando descreveu as poetisas Anna Akhmatova e Marina Tsvetaieva como duas senhoras que deveriam consultar o ginecologista por causa dos seus escritos românticos.

Já se sabe o que acontece quando as comportas do diabo se abrem: quem entra é o diabo. Nesse caso, foi Stalin quem seguiu o conselho de seus mentores: foram fuzilados ou morreram em campos de concentração Isaak Babel, Vsievolod Meyerhold, Boris Pilniak, Osip Mandelstam e centenas de outros intelectuais. Tsvetaieva, Serguei Esenin e Vladimir Mayakovsky pouparam balas aos repressores: cometeram suicídio.

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A proibição de Beethoven, Mozart e Tchaikovsky pelo presidente Mao na China, que desprezava suas composições como reacionárias, deu continuidade à tradição anticultural iniciada na União Soviética. Centenas (milhares?) de intelectuais e artistas foram fuzilados ou massacrados publicamente durante a Revolução Cultural.

Mas será que deve ser sempre assim?

As experiências nas revoluções triunfantes mostram que a liberdade de expressão, tanto na arte como em outras ordens de vida, é intolerável para os regimes comunistas e populistas. O espírito crítico que se aninha na alma da manifestação cultural é considerado uma ameaça aos poderes autocráticos. As consequências são a espionagem, a denúncia, a prisão e, nos casos mais extremos, já mencionados, o assassinato ou o confinamento em campos de concentração.

Cuba. Hoje é Cuba. Embora tudo tenha começado há várias décadas, quando Guillermo Cabrera Infante, que já havia emigrado, foi praticamente apagado da lista dos escritores. O mesmo aconteceu com José Lezama Lima ou Virgilio Piñera, escritores que permaneceram no país e que foram efetivamente silenciados.

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É notável como os ditadores de esquerda, historicamente, temeram a arte. Poetas, escritores, pintores, dramaturgos são considerados inimigos. Esse medo os une aos ditadores de direita; o caudilho espanhol Franco reprimiu com o mesmo desleixo que Fidel Castro, Mao ou Stalin fizeram. García Lorca e tantos outros foram silenciados. As diferenças ideológicas apagam-se quando se trata de censurar um livro, uma pintura, uma peça de teatro ou um poema.

A arte é perigosa porque desabrocha a inteligência, levanta questões nas mentes dos cidadãos que os governos preferem manter ocultas.

O brilhante futuro comunista que prometeu a Revolução em Cuba e que animou quase todo o continente americano durante a década de 1960 há muito desapareceu do horizonte. Após mais de seis décadas ininterruptas de ditadura, é possível reconfirmar que o regime está em um beco sem saída. Encurralada pela realidade, a casta dominante não pode permitir que o castelo de cartas desmorone, porque, se isso acontecer, seus privilégios também cairão; recorre, então, a silenciar todas as vozes dissidentes. E são justamente os artistas os principais contestatários que habitam um presente cinza, sem esperança. A menos que exalte as chamadas conquistas da revolução, a obra é reprimida uma e outra vez.

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Até hoje trezentos artistas do grupo San Isidro lutam para que sua voz seja libertada. Felizmente, a tecnologia perfurou as muralhas de ferro que o impedem que transcenda o seu protesto. O mundo os está ouvindo.

Exceto na Argentina, onde as organizações de direitos humanos olham para o outro lado; obstinados, acreditam que quem desafia o governo cubano pertence naturalmente ao campo inimigo. Continuam admirando um modelo autoritário que, sem dúvida, gostariam de impor a essas terras. Ideologia tola.

Acaba de fechar o VIII Congresso do Partido Comunista Cubano. Sem a presença de um Castro, seus seguidores repetirão as mesmas fórmulas que levaram Cuba ao fracasso? Coloca à prova um otimismo moderado e quero acreditar que uma nova geração de jovens verá que já é hora de modificar o modelo.

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*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina

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