Guerra na Ucrânia?

*Por Gabriel Gaspar – Analista político chileno. Subsecretário de Guerra de seu país entre 2000 e 2006

Guerra na Ucrânia
Não é possível hoje prever se haverá ou não um grande conflito militar, mas podemos esboçar o que aconteceria se ele ocorresse (Crédito: Chris McGrath/ Getty Images)

Notícias preocupantes vêm da fronteira entre Rússia e Ucrânia, será o início de uma guerra? Mobilização de tropas de ambos os lados, alistamento da frota da OTAN, prontidão que vai do Báltico ao Mar Negro. Quais são as causas desse conflito? Você pode subir mais? Que consequências traria? Isso afetaria a América Latina?

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No mais imediato dos antecedentes estaria a chamada guerra Dombass, em 2014. Nessa ocasião, após fortes confrontos políticos na Ucrânia, entre partidários de uma maior aproximação com a Europa versus setores pró-Rússia, eclodiu um conflito que gerou o surgimento de territórios que separaram da Ucrânia, na fronteira com a Rússia. Além disso, a Rússia se apropriou da península da Crimeia, que foi posteriormente ratificada por um plebiscito local. A paz foi mantida com dificuldades desde então, ambos os lados se denunciam.

URSS

Em uma interpretação mais longa, muitos analistas situam o início do conflito na desintegração da União Soviética e no surgimento de várias repúblicas que acompanharam a Rússia nessa experiência, incluindo a Ucrânia. Reza a lenda – não há prova documental disso – que uma das condições que a então URSS teria aceitado em seus últimos momentos era que a OTAN não se expandisse para o Leste. Mas a OTAN o fez, e isso sempre foi denunciado pela Rússia como uma ameaça à sua segurança. Essa expansão gerou conflitos e levou a uma breve mas sangrenta guerra com a Geórgia em agosto de 2008. Nessa ocasião, tropas russas vieram apoiar as forças da Ossétia do Sul e da Abkhazia, pertencentes a enclaves de maioria russa naquela república.

Na guerra de Dombass, as forças separatistas pró-Rússia criaram dois enclaves, as chamadas repúblicas de Doneskt e Luganst, ambas adjacentes à fronteira russa. O cessar-fogo foi estabelecido e mantido com pouco rigor. Desde então, tem havido confrontos diários entre os separatistas e as forças ucranianas leais ao governo central.

O interesse do governo de Kiev em ingressar na OTAN se acentuou após a guerra de 2014, e isso é denunciado por Moscou como uma ameaça à sua segurança. Nos últimos dias a situação se agravou. Isso levou ao estabelecimento de um diálogo direto entre o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, e o secretário Antony Blinken, do Departamento de Estado. Em outras palavras, as duas potências estão na mesa de negociações, mas os ucranianos não. Não são poucos os que se lembram das negociações entre Hitler e os líderes da França e da Inglaterra decidindo o destino da Tchecoslováquia, antes da Segunda Guerra. Até agora as negociações não impediram o agravamento da crise. Moscou nega planos de invadir a Ucrânia enquanto a Otan se prepara, embora haja nuances do lado ocidental.

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De fato, uma coisa é a OTAN (aliança militar da maioria dos países europeus com os Estados Unidos e Canadá) e outra é a União Europeia. Este último, com governo em Bruxelas, mostra uma diversidade de pontos de vista sobre esta crise. Enquanto alguns países, como Reino Unido, França e Espanha se mobilizam, outros, como a poderosa Alemanha, praticam a prudência.

Existe perigo real de guerra? Ambos os lados afirmam que não, mas ambos mobilizaram tropas junto com frotas aéreas e navais. A OTAN enviou armas aos ucranianos, os russos estão recrutando forças não apenas no flanco sul e leste da Ucrânia, mas também estão movendo forças através do território de seu aliado Bielorrússia. Washington evacuou famílias diplomáticas de Kiev e também os britânicos. Você pode pensar que estamos diante de uma manobra clássica de crise, ambos os lados ameaçam usar sua força militar, mas na verdade o que eles querem é pressionar o outro a aceitar suas condições. Mas as crises podem se agravar, seja por decisão racional, seja por “erros de tenente“, causados ​​em uma frente muito ampla onde no final, na primeira linha estão os suboficiais que, com um ato falho, podem desencadear um grande conflito.

Não é possível hoje prever se haverá ou não um grande conflito militar, mas podemos esboçar o que aconteceria se ele ocorresse.

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Se ocorrer uma grande conflagração, mesmo que por alguns dias, o impacto na economia global seria enorme, supondo que já estamos em tempos complexos. Da mesma forma, uma eclosão de guerra promoveria uma tremenda migração ucraniana para o Ocidente, e é provável que muitos países europeus sofressem uma profunda desestabilização política. Em suma, mais problemas para uma agenda global já agitada.

América Latina? Estamos longe do teatro de operações, é verdade. Mas somos parte de uma economia globalizada. E um desequilíbrio no mercado mundial nos atingiria com mais força. Sem levar em conta os impactos políticos e as pressões que receberíamos para tomar partido no conflito.

O que fica claro é que esse e outros conflitos mostram que não estamos mais no início do pós-Guerra Fria, quando o peso do unipolarismo ocidental era avassalador. Hoje a agenda global é disputada por muitos atores, a começar pela China, e não são poucos os que explicam o comportamento da Rússia como um desejo de ser levado em conta na nova governança global.

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Algo novo sob o sol? Em 1918, a França e a Inglaterra cometeram um grave erro e foram arrogantes. Eles pensaram que a Alemanha estava liquidada e lhe impuseram condições humilhantes em Versalhes. Em 1990, o Ocidente talvez pensasse que a Rússia estava no terreno e também a humilharam e colocaram condições muito difíceis sobre ela. Hoje a Rússia se recuperou e, embora não seja uma economia próspera, preserva uma grande capacidade militar.

Nos próximos dias assistiremos ao desfecho desta crise, os países latino-americanos pouco podem fazer quando estão em jogo os interesses das grandes potências. Mas podemos antever estratégias que nos permitem reduzir os cenários de risco que possam surgir.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

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*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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