Mark Granovetter afirma: “As redes sociais começaram com Adão e Eva”

Muito antes do surgimento da Internet e do Facebook ou Twitter, o sociólogo Mark Granovetter descreveu uma forma de relacionamento, as redes, que cresceu exponencialmente nos últimos anos e se tornou ainda mais evidente durante a pandemia. Ele afirma que a teoria econômica deve ser pensada sob esse paradigma social e analisa o papel do jornalismo para prevenir certos mecanismos “virais”, como as notícias falsas

Por Jorge Fontevecchia – Cofundador e CEO da Perfil Network

Publicidade

A pandemia deu um significado diferente ou maior à ideia de “laços fracos”?

O conceito de laços fracos é muito simples. É algo com o qual todos estão familiarizados. Na vida cotidiana, fazemos distinções entre nossos amigos íntimos e pessoas com as quais estamos familiarizados. Nós os chamamos de conhecidos. Todo mundo sabe a diferença entre um amigo próximo e um conhecido. Trata-se de esclarecer essa ideia. Está muito próximo do conceito de “conhecido”. Há uma continuidade que vai dos laços fracos aos mais fortes. A ideia de laços fracos leva a essa distinção de categoria. Eles me perguntam se durante a pandemia as pessoas estão perdendo todos os laços, porque você só pode estar com pessoas que conhece muito bem e com sua família, talvez no bairro, onde todos têm que usar máscara. Agora a gente não precisa usar tanto, porque já estamos vacinados. Minha resposta é que seria verdade, de certa forma, se não fosse pelas maravilhas da tecnologia moderna. Graças às maravilhas da tecnologia moderna, posso ter um novo vínculo fraco em Buenos Aires com o Sr. Jorge Fontevecchia, que eu não conhecia. Tenho certeza que seremos conhecidos quando terminarmos esta entrevista. E é algo que transcende esta entrevista. No meio acadêmico também percebo que renovei muitos laços com conhecidos, principalmente graças ao Zoom. Ao longo de um ano recebo muitos convites a conferências na costa leste dos Estados Unidos ou a outros lugares aos quais normalmente diria que não posso ir porque demoraria demais chegar, sofreria de “jet lag” e teria que me sentar num assento muito incômodo num avião. Mas agora descubro que vou a palestras em Toulouse ou em Cambridge, Massachusetts ou Virgínia, qualquer lugar ao qual normalmente não iria porque daria muito trabalho na vida real. É uma coincidência que o Zoom tenha se tornado uma tecnologia que todo mundo usa agora justamente no mesmo momento em que a pandemia começou. Do contrário, a pandemia teria restringido muito nosso mundo social. As duas coisas vieram juntas. Não é apenas no mundo acadêmico. Tenho reuniões de família no Zoom com alguns parentes que moram no Canadá ou outros que moram na costa leste. Os laços fracos tornaram-se mais fáceis de manter. Dou minhas aulas no Zoom e funciona muito bem. Será difícil se acostumar a ver as pessoas na vida real quando, provavelmente no outono, voltemos para ensinar em salas de aula normais. Em uma grande classe de cinquenta ou sessenta alunos, você precisa aprender todos os nomes. É muito difícil. No Zoom, o nome aparece embaixo da imagem de cada um. Em alguns aspectos, funciona ainda melhor do que a aula normal. Muitas coisas mudaram no mundo. Muitas pessoas que agora trabalham em casa questionarão se realmente precisam ir para o escritório, quando o trabalho pode ser muito bem feito em casa. Você anda três metros para chegar ao trabalho em vez de dirigir por uma hora e procurar estacionamento. As mudanças na tecnologia tornaram-se muito mais importantes do que teriam sido de outra forma. As mudanças terão algum efeito permanente. Veremos muito trabalho híbrido: algum tempo será gasto no escritório e algum em casa. Claro que um trabalho físico no qual pacotes devem ser movidos de um lugar para outro, como nos armazéns da Amazon, não pode ser feito pelo Zoom. Mas há muitas coisas que sim.

“Há mudanças devido à pandemia que terão um efeito permanente”

Um artigo na revista Forbes diz que “em 1973 Mark Granovetter, doutor em Sociologia pela Harvard, postulou que ‘laços fracos’ eram muito mais benéficos para pessoas que buscavam capitalizar nas redes sociais do que laços fortes. Em outras palavras, as pessoas mais próximas e que se conhecem mais intimamente, como a família e amigos próximos, são menos úteis para desenvolver ideias, ou, no nosso caso, vendas, do que os conhecidos”. Existe uma “afetividade fraca” que foi reavaliada na pandemia, e até mesmo uma “sexualidade fraca”?

Publicidade

Sim. É certo. Antes da pandemia e de toda essa tecnologia, nossos laços fracos eram essencialmente com pessoas que não se conheciam. É ótimo ter amigos íntimos. Existe uma divisão de trabalho entre os laços fortes e os fracos. Precisamos muito de laços fortes para apoio emocional. Para nos ajudar quando temos grandes problemas. Não podemos viver sem eles. Talvez a fraqueza dos laços fortes seja que eles se sobrepõem. Se uma pessoa gostaria de ter um emprego diferente e gostaria de obter informações que não possui, ao perguntar a amigos próximos todos saberiam o mesmo, pois conversam entre si e não possuem informações novas. Não é tão útil para sair desse ambiente. Laços fracos são pessoas que, em sua maioria, não se conhecem, mas conhecem pessoas que você não conhece. Eles descobrem coisas que não poderiam ser descobertas de outra forma. Em meu primeiro estudo, “Conseguindo um emprego”, de 1974 e com uma nova edição em 1995, argumentei que os laços fracos são mais importantes do que os fortes e que ajudam as pessoas a encontrar novos empregos. Eu perguntava às pessoas como elas haviam conseguido os seus empregos. E eles me diziam que alguém havia lhes dado a informação. Eu perguntava se tinha sido um amigo. A resposta era não: eles eram conhecidos. Investigando a questão, descobri que essa era a força dos laços fracos. A hipótese permanece válida. Com a tecnologia, vemos que o Facebook e o LinkedIn nos ajudam a manter os laços fracos com mais eficiência do que antes. As informações que podemos obter por meio dos laços fracos são adquiridas de forma ainda mais eficiente agora. Os laços fracos continuam tão importantes como sempre. Sua importância não mudou. Um físico da Califórnia que deseja saber sobre a investigação de partículas por meio dos laços fracas pode descobrir o que está acontecendo na Suíça. Com a tecnologia, os elos fracos talvez sejam ainda mais importantes do que antes.

Os laços fracos são mais eficazes nas sociedades líquidas descritas por Zygmunt Bauman?

A sociedade pós-moderna se assemelha muito à moderna. As redes sociais são tão importantes como sempre. E elas operam com mais eficiência em nossa nova sociedade. Embora eu não saiba se devo chamá-la de pós-moderna ou moderna. Não tenho certeza de qual é a diferença entre moderno e pós-moderno. As mudanças sociais ocorrem tão rapidamente que é muito difícil para mim dizer que temos apenas dois estágios da sociedade. Vivemos num estado de mudança contínua. Quem sabe que novas tecnologias nos esperam nos próximos anos, como o Zoom agora. É difícil que chegue alguma tecnologia que torne as redes sociais menos importantes. Nossos laços sociais sempre foram absolutamente cruciais e continuarão sendo. Por isso, os empresários querem contratar por meio das redes sociais hoje. Os empregadores, ao procurar novos funcionários, pagarão aos funcionários atuais para lhes dar nomes de pessoas que possam preencher os novos cargos. São recompensas. Você pode ler currículos de manhã à noite e não aprender muito. Em um currículo, todo mundo é perfeito. Exames reprovados ou coisas erradas não entram no currículo. Não há nada que substitua o tipo de conhecimento que emerge das redes sociais.

Publicidade

“Laços fracos são melhores para conseguir novos empregos.”

A sociedade do início dos anos 70 era anterior a redes como Twitter ou Facebook. Como a Internet mudou a sua maneira de pensar? E a pandemia?

É uma boa pergunta. Os jovens acham que falar sobre redes sociais é se referir ao Facebook e ao LinkedIn. Eles acreditam que as redes sociais começaram aí. Mas, na verdade, as redes sociais começaram com Adão e Eva. Temos que ir muito mais atrás do que o Facebook ou o LinkedIn. Não sei se você se lembra desses dispositivos do início dos anos 2000 ou do início do século 21. Na década de 1970, era necessário manter laços fracos viajando para reuniões profissionais ou trocando cartões de Natal. Pessoas eram vistas uma vez por ano. Era mais difícil, mas ainda era feito, porque a importância era compreendida. Agora que temos redes sociais informatizadas, podemos nos comunicar com as pessoas no Twitter e temos os feeds do Instagram e do Facebook, embora os jovens agora digam que o Facebook é para nós, os idosos. No Instagram não trocamos apenas comentários como no Facebook: também trocamos fotos e fica muito pessoal. Os telefones podem fazer vídeos. Podemos ver coisas que antes não podíamos. Podemos manter mais laços do que antes, embora haja um limite, pois temos apenas 24 horas por dia e 168 horas por semana. Nossa capacidade mental é limitada e não podemos rastrear milhares de pessoas ao mesmo tempo. A maioria de nós tem habilidades sociais mais normais e só consegue rastrear algumas centenas de pessoas por vez. Mas a capacidade de rastrear pessoas que, de outra forma, nunca teríamos sido capazes de acompanhar na década de 1970 tornou-se muito importante. E se tornou, eu diria, ainda mais importante do que antes. Isso é graças a essa tecnologia.

Publicidade

A pesquisa sociológica muda em tempos de redes sociais?

Agora sabemos que se quisermos fazer pesquisas sobre as redes sociais, temos que usar os dados do Facebook, por exemplo. O Facebook tem toda uma equipe de ciência de dados. Muitos são ex-alunos de Sociologia que vão trabalhar no Facebook. Como o Facebook tem centenas de milhões de usuários em todo o mundo, eles disponibilizam esses dados aos pesquisadores, e podemos rastrear redes sociais analisando as suas conexões. É factível de uma forma que nunca poderíamos ter feito antes. Entramos na era do “big data”. Quando eu era um estudante de pós-graduação na década de 1960 e um jovem pesquisador na década de 1970, podíamos fazer uma pesquisa com algumas centenas ou mil pessoas. Isso era um estudo muito grande. Agora, temos conjuntos de dados que têm milhões e até centenas de milhões de conexões e nós. São necessários novos métodos, técnicas estatísticas, tipos de inteligência artificial. Agora usamos o “machine learning” para controlar todos esses dados. Estamos começando a usar seus métodos de pesquisa com algum sucesso. As ideias não acompanharam o ritmo das novas técnicas estatísticas. É maravilhoso que essas novas técnicas nos permitam analisar grandes quantidades de dados. Mas são necessárias novas ideias que percebam o significado de tão grande quantidade de informações.

“A sociedade pós-moderna se parece muito com a moderna.”

Publicidade

Qual é a sua visão como sociólogo sobre a economia? Como deve ser concebida epistemologicamente? É uma ciência exata ou social? Onde termina a economia e começa a sociologia? Onde terminam ambas essas ciências e começa a filosofia, especialmente a ética?

Os economistas se interessaram muito pelas redes sociais. Existem economistas cuja principal especialidade é o estudo das redes sociais. Isso é algo novo. Não havia acontecido antes de 2010. Abre-se uma linha de comunicação entre sociólogos e economistas. As ciências sociais em geral se interessaram pelo estudo das redes sociais. Todos nós entendemos a importância das redes e conexões sociais na economia. Talvez não tenha mudado a maneira como os sociólogos e economistas pensam. E é bom, porque a compreensão se sofistica. Os filósofos ainda não se conectaram a esse tipo de pensamento. Gostaríamos de incorporá-los. Mas é mais difícil, porque eles têm a sua própria maneira de pensar o mundo, que não se vê muito alterada pela tecnologia moderna.

É o algoritmo a matematização do social? É uma forma de detectar costumes e ideias de forma mais exata? Pode se tornar uma nova ferramenta para pesquisadores?

O usuário médio desses aplicativos de mídia social se tornou muito sofisticado. Até as crianças se tornaram mais sofisticadas do que os adultos. Eles têm telefones celulares e os usam para fazer coisas que só podíamos sonhar na década de 1970. Conectar-se com seus amigos de todo o país ou do mundo inteiro, trocar fotos e ideias. Às vezes é uma coisa boa, às vezes dá errado. Existe o assédio virtual, o “cyberbullying” para fazer coisas ruins a outras crianças que antes só podiam ser feitas no pátio da escola. Agora podem ser feitas com o telefone. Há crianças que se suicidaram por causa disso. Estamos diante de ferramentas muito poderosas. E não estivemos à altura da necessidade de educar nossas crianças e jovens. Precisamos de uma ética no uso das redes sociais e suas ferramentas. Os princípios morais sobre como usar essas ferramentas poderosas ainda não foram comunicados às crianças que precisam entendê-los. Existem muitos pesquisadores que se dedicam à ética na pesquisa científica, mas não temos gente suficiente que estude como explicar aos nossos jovens os problemas éticos de usar métodos e técnicas muito poderosos. Qualquer técnica poderosa pode ser usada de uma maneira boa ou ruim. Não é uma bomba, mas essas tecnologias são igualmente poderosas. E eles devem ser colocadas num arcabouço ético.

Você escreveu que “esse tratamento da cultura como uma influência no comportamento individual é estático e mecânico: uma vez que conhecemos a localização social do indivíduo bem socializado, tudo o restante no comportamento é automático”. Qual é a ligação entre cultura e algoritmo?

Uma certa concepção de cultura, muito simplificada, sugere a ideia de que a cultura é apenas uma receita que as pessoas seguem e que lhes diz o que fazer em cada situação. E esse nem é sempre o caso. Algo análogo pode acontecer com os algoritmos. Começamos a ver isso. Usar o algoritmo para preencher uma vaga ou decidir quem promover em um departamento acadêmico. Existem algoritmos sobre a produtividade. Não podemos permitir que nos controlem nem os algoritmos nem as prescrições culturais. Devemos ter a capacidade de pensar por nós mesmos. Usá-los como ferramentas em vez de receitas que seguimos cegamente.

“As novas tecnologias são tão poderosas quanto uma bomba.”

Karl Marx falou sobre a infraestrutura determinante da superestrutura. Em termos simples, ele dizia que o determinante da economia e da tecnologia é a cultura. Os algoritmos e as novas técnicas provam que ele está errado ou não?

Marx achava que a condição material da sociedade era a coisa mais importante, que controlava tudo e se fluía a partir disso. Pensar que os algoritmos substituíram as condições materiais dessa sociedade é replicar seu sistema. Precisamos de uma maneira muito mais sofisticada de pensar sobre o mundo. As condições materiais são importantes, mas não são o único que importa. As pessoas têm ideias sobre como as coisas deveriam ser e princípios éticos. Existem estruturas políticas. Tudo isso está relacionado à influência das condições materiais, dos algoritmos e das pessoas no mundo real. Às vezes, eles pegam algo emprestado dos algoritmos, às vezes eles pegam das condições materiais, às vezes eles pegam dos padrões da política, e depois os juntam de uma forma que os franceses chamam de “bricolagem”. É o que os filósofos chamariam de epistemologia pragmática, que as pessoas são solucionadoras de problemas e usarão qualquer coisa ao seu alcance para resolver esses problemas e até mesmo descobrir quais problemas estão tentando resolver. Algoritmos, condições materiais, padrões políticos, padrões de parentesco e princípios éticos estão entre as coisas utilizáveis. Tudo faz parte de uma caixa de ferramentas. Precisamos pensar nas pessoas não como se fossem máquinas controladas automaticamente. As pessoas simplesmente pegam o que precisam para resolver seus problemas. E isso é o que chamamos de “agência humana”. Ao analisar o mundo social, é muito importante não esquecer que as pessoas estão ativamente tentando descobrir como fazer as coisas. Não estão fazendo as coisas automaticamente. Estão tentando descobrir a melhor maneira de fazer as coisas. E às vezes são bem sucedidos e outras vezes fracassam. Mas temos que pensar que eles estão interagindo ativamente com o seu entorno e tentando descobrir a melhor maneira de fazer o que estão tentando fazer.

Por que as ideias extremistas têm tanto peso nas redes sociais?

Ideias extremas ficaram mais fáceis de se fixar em um grupo. As pessoas descobriram que você pode usar as redes sociais social para falar somente com pessoas que pensam como você. É o problema da câmara de eco. Assim, ideias que parecem muito extremas ou estranhas para a maioria de nós proliferam em grupos que funcionam de forma fechada, por exemplo, no Facebook. É um fracasso de laços fracos, porque eles acabam se fortalecendo. Por meio da tecnologia é mais fácil encontrar um grupo de pessoas que falam e pensam da mesma maneira. Sempre houve grupos extremistas. Mas agora é mais fácil para eles permanecerem unidos. É como se estivessem todos na mesma sala. Eles podem se convencer de que as coisas mais extremas, como o fim do mundo, vão acontecer em uma determinada data. Nos velhos tempos, eles ficariam desiludidos e iriam embora. Mas agora eles podem dizer que erraram na data. Embora haja coisas boas que podem ser atribuídas às mídias sociais, é verdade que elas tornam mais fácil fixar ideias estranhas em pequenos grupos. Há laços fracos que então se tornam fortes e finalmente entram em um circuito fechado. Temos que pensar em como romper esse tipo de ideia, porque pode ser muito perigoso para uma sociedade, principalmente quando não existe uma estrutura política forte. Se a estrutura política for fraca, pode ser afetada por esses grupos de extremistas, como vimos em alguns países.

“Não podemos permitir que algoritmos ou prescrições culturais nos controlem.”

Os políticos, especialmente os americanos, entendem os laços fracos?

Não sei se essas ideias entraram na estrutura política americana. Os políticos estão mais familiarizados com as ideias dos economistas. Nos Estados Unidos, temos algo chamado Conselho de Assessores Econômicos, que assessora o presidente. Mas não temos um conselho de assessores sociais. Se existisse, haveria um maior entendimento desses laços.

Em “A força dos laços fracos”, já em 1973, você escreveu: “Uma falha fundamental da teoria sociológica atual é que ela não vincula de forma convincente as interações num nível micro com os modelos de nível macro.” O mesmo se aplica à economia? Os economistas que olham demais para o macro deveriam dar mais atenção aos fenômenos micro?

Os economistas prestam muita atenção ao nível micro. Eles têm cursos inteiros de microeconomia, sobre indivíduos que maximizam suas possibilidades. O campo da macroeconomia busca entender o que acontece com toda a sociedade. É difícil conectar os dois níveis. Muitas teorias da macroeconomia não têm uma base sólida no comportamento dos indivíduos. Analisam outras questões. A capacidade de conectar o comportamento de indivíduos a padrões de maior escala é um problema na Economia e na Sociologia. Acho que o estudo das redes sociais é um dos caminhos. É uma forma de preencher a lacuna entre o que acontece no nível micro do comportamento individual e o que acontece no nível macro dos fenômenos sociais de grande escala. E as redes sociais são uma das maneiras de preencher essa lacuna. Entender os laços fracos ajuda a entender a questão do trabalho e também questões relacionadas à política. As redes sociais são o meio pelo qual o comportamento individual é traduzido em resultados em grande escala. Por isso são um campo de estudo tão importante. Mostram a conexão do que os indivíduos fazem com a grande escala. Estou muito feliz que os economistas descubram essa questão.

Em 1973, escreveu que “muitas noções intuitivas sobre a ‘força’ de um laço interpessoal devem ser satisfeitas pela seguinte definição: a força de um laço é uma combinação (provavelmente linear) de tempo, intensidade emocional, intimidade (confiança mútua) e os serviços recíprocos que caracterizam esse laço”. São ideias que se aplicam à adesão política e, na esfera mais micro, ao casamento? Sigmund Freud diz que existem dois tipos de casamento, um complementar e outro narcisista. Se replica na hora de votar?

A maioria das pessoas pode identificar os seus laços como fortes ou fracos. É um amigo, um amigo íntimo ou conhecido? Eu me perguntei o que eles queriam dizer com responder a essa pergunta. Cheguei à conclusão de que havia maneiras mentais de construir essa ideia. O tempo que você passa com alguém é importante, mas não é a única coisa. A proximidade emocional de alguém, os tipos de favores feitos entre um e outro e o quanto eles revelavam para a outra pessoa sobre si mesmos também desempenhavam um papel. Essas quatro dimensões capturam aproximadamente o que as pessoas pensam quando falam sobre se um laço é forte ou fraco. Não o fiz com os casamentos, mas acho que poderíamos perguntar aos casais como eles se encaixam nessas dimensões. Quanto tempo vocês passam juntos? Quão próximos vocês estão emocionalmente um do outro? O que vocês realmente fariam um pelo outro? Quanto vocês realmente sabem um sobre o outro? Essas são perguntas muito interessantes para fazer a qualquer casal. Você encontrará casais que são casados apenas no nome, que não passam muito tempo juntos, que não se conhecem muito e não são emocionalmente próximos. Esses casamentos geralmente não duram muito. No outro extremo, há casais que têm tudo isso, são muito unidos e podem ser casados por muito tempo e ser muito felizes. E uma variedade múltipla no meio. Eu não tinha pensado em aplicar isso aos casamentos, mas acho que faz muito sentido. Mas é mais complicado porque depende do tipo de rede social em que se encontram as pessoas que estão casadas. Em alguns casais, o marido tem família e amigos de antes do casamento, assim como a esposa, e eles ficam muito felizes com esse grupo. Eles não precisam muito de seu cônjuge. É mais complicado do que o relacionamento individual. Também tem a ver com a rede mais ampla na qual esse relacionamento está inserido. É um assunto que não foi estudado tanto quanto deveria.

Você escreveu que “o fato de que grande parte da atividade econômica ocorre em redes sociais de pessoas conhecidas torna mais difícil para os indivíduos separar seus objetivos econômicos dos não econômicos”. A ideia de intimidade muda no mundo das redes sociais?

Sim. Pode haver pessoas que são gênios, trabalham em casa no seu grande romance e nunca falam com ninguém. Ernest Hemingway era um pouco assim. Mas a maioria das pessoas trabalha por meio de redes de amigos. Eles optam por ir a público. Seus amigos e as pessoas que você conhece são uma parte muito importante da sua vida. É algo que não tende a mudar. Quando as pessoas começam a trabalhar em casa três dias por semana, como agora, é difícil manter um relacionamento cotidiano com os colegas de trabalho. É possível que as novas tecnologias reduzam alguns aspectos das redes sociais e aumentem outros. O ponto de equilíbrio é difícil de prever. É algo que teremos que observar e estudar pelos próximos dez, vinte, até trinta anos. Não sabemos com que rapidez as coisas mudarão porque a tecnologia se desenvolve em seu próprio ritmo.

Em 1973 você escreveu, e novamente me surpreende quão à frente do seu tempo você estava, que “intuitivamente falando, isso significa que qualquer coisa que é disseminada pode alcançar um grande número de pessoas e cruzar uma grande distância social (como a distância dos recorridos) quando se utilizam os laços fracos ao invés dos fortes. Se alguém contar um boato a todos os seus amigos próximos, e eles fizerem o mesmo, muitos ouvirão o boato uma segunda e terceira vez, já que aqueles que estão ligados por laços fortes tendem a compartilhar amigos. Se a motivação para espalhar o boato enfraquece cada vez que o boato é contado, então o boato que se move através de laços fortes provavelmente será limitado a poucos cliques ou turmas do que se fosse através de laços fracos; as pontes não serão atravessadas”. O jornalismo é uma forma de laço fraco?

Jornalistas causam um curto-circuito nessas conexões se boatos ou notícias estiverem sendo espalhados por meio de laços fortes. Se um jornal publica uma informação, ou um boato, supera o fenômeno das redes sociais. A mídia atinge a todos e não importa se você conhece alguém ou não conhece ninguém. Não é algo que alguém disse. Isso quebra ou supera qualquer uma das limitações que poderiam ter ocorrido se a informação circulasse apenas por meio de laços fortes. É por isso que, quando um governo quer garantir que todas as pessoas sejam vacinadas, ele pode tentar fazê-lo através das redes sociais. Mas também tentarão fazer com que jornalistas divulguem a informação. Nos Estados Unidos, e talvez na Argentina também, existem focos, pequenos grupos de pessoas que não querem ser vacinadas e que não estão expostas à mídia como o jornalismo. Eles só ouvem de seus amigos próximos que isso é algo ruim. Sem exposição aos meios de comunicação de massa, não há variedade informativa. O jornalismo permite que você supere as câmaras de eco. Nos Estados Unidos, talvez também na Argentina, há cada vez mais pessoas que só recebem as notícias no Facebook. É um problema.

“Se não fosse pela tecnologia, muitos laços seriam perdidos durante a pandemia.”

As notícias falsas e os boatos se espalham melhor nesse tipo de relação? Existe uma conexão entre as “fake news” e laços?

Não são divulgadas por meio de jornalistas normalmente, embora possa haver jornais especializados em opiniões extremistas. Para que um boato se espalhe, é preciso uma combinação de laços fortes. Mas se eles têm alguns laços fracos com outros grupos, o boato se espalha para outros grupos e esses outros grupos começam a espalhá-lo também. É necessária uma combinação de formas de difusão, que é a mesma coisa que se estuda na propagação de doenças. É muito parecido com isso. Algumas doenças são fixadas em um pequeno grupo de pessoas intimamente relacionadas porque todas interagem umas com as outras. Mas então essas doenças se espalharam por algumas semanas de cada vez, para outros grupos. Se os pequenos grupos que tinham essa doença nunca tivessem contato com mais ninguém, seria o fim da doença. Mas se eles têm alguns laços fracos com outros grupos, isso pode se espalhar por todo o país. Muitos infectologistas estão cientes disso. Há alguns modelos matemáticos muito interessantes.

Você escreveu que “as redes sociais são importantes porque a busca das pessoas por objetivos sociais e econômicos invariavelmente implica o conhecimento de outras pessoas como um elemento significativo”. Temos uma vida real e outra na rede?

Não sei como é na Argentina, mas nos Estados Unidos acho que cada vez mais gente não é capaz de fazer essa distinção. Sua vida real e a da rede são muito misturadas. Um aluno que trabalha comigo fez um estudo sobre uma dessas redes chamada Twitch. Foi extremamente bem-sucedido. Algumas pessoas conhecem estranhos lá e se tornam seus melhores amigos. Eles são melhores amigos antes mesmo de se conhecerem na vida real. Existe uma interação muito complicada. Para algumas pessoas, o que fazem em sua vida online é ainda mais real do que quando veem as pessoas cara a cara. É um processo que aumenta na pandemia. As pessoas acreditam que podem fazer bons amigos conhecendo alguém da maneira como você e eu nos conhecemos, talvez amigos melhores do que se os conhecessem na vida real. Elas se confundem ao pensar que são equivalentes. À medida que as tecnologias para reunir as pessoas online se tornam mais sofisticadas e complexas, os tipos de coisas que elas podem fazer umas com as outras através das distâncias físicas se tornam mais complexas e interessantes. Será mais difícil distinguir entre o que é real e o que aparece online, que para algumas pessoas é ainda mais real. Devemos observar o fenômeno. Os pesquisadores terão que ficar de olho na questão por muito tempo.

Produção: Pablo Helman e Debora Waizbrot

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina

Assine nossa newsletter

Cadastre-se para receber grátis o Menu Executivo Perfil Brasil, com todo conteúdo, análises e a cobertura mais completa.

Grátis em sua caixa de entrada. Pode cancelar quando quiser.