O Papa Francisco e a propriedade privada

“Faça o que eu digo, não o que eu faço”. A famosa frase de Jesus aos fariseus, bem poderia ser aplicada à pregação do Sumo Pontífice argentino sobre a propriedade privada. As propriedades controladas pela “corretora imobiliária” do Vaticano

O Papa Francisco e a propriedade privada
Papa Francisco (Crédito: Getty Images)

Há duas semanas, em mensagem gravada para a abertura da Cúpula da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Papa Francisco reivindicou o papel “profético” dos sindicatos (organizações com as quais mantém estreita relação local), e lembrou que a propriedade privada “é um direito secundário”.

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“Às vezes, quando falamos em propriedade privada, esquecemos que é um direito secundário, que depende desse direito primário, que é a destinação universal dos bens”, disse o chefe político da Igreja Católica, que também lembrou aos empresários que a sua “verdadeira vocação” é “produzir riqueza a serviço de todos”.

Palavras que foram criticadas mundialmente tanto por empresários quanto por partidos de esquerda, que acusaram o Papa argentino de ser um demagogo e de aplicar dois pesos e duas medidas, uma vez que o Vaticano se sustenta justamente graças a lucros imobiliários.

Com localizações de prestígio em Paris, Londres e Genebra, e mais de 3.000 propriedades em Roma: o Vaticano é um verdadeiro império imobiliário.

Mas Nunzio Galantino, que chefia a Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (APSA) e foi contratado há dois anos pelo Papa Francisco para centralizar o patrimônio do Vaticano após os escândalos, reconheceu estar cansado das histórias “sensacionalistas” sobre as riquezas do papado.

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“Quando as pessoas dizem que a maioria dos imóveis em Roma pertence à Igreja Católica e ao Vaticano, isso simplesmente não é verdade”, disse o bispo à AFP.

No entanto, a extensão das propriedades do Vaticano é verdadeiramente impressionante, e é fonte de renda para a Igreja Católica. Os investimentos datam de 1929, quando o Estado do Vaticano foi fundado como território independente, em um acordo com a Itália, que incluía indenizações por terras apreendidas dos antigos Estados Papais.

Entre os bens desapropriados da igreja estava o enorme Palácio do Quirinale, que já foi o lar de 30 papas, mas hoje é a residência do presidente italiano.

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O papa à época, Pio XI, decidiu usar o dinheiro para investir em propriedades, inclusive no exterior, “para garantir a liberdade e a independência da Igreja”, explicou Galantino. Desde então, a APSA administra 737 imóveis no coração de Paris, nas regiões do Boulevard Saint-Michel, Odéon e Champs-Élysées, com quase 56.000 metros quadrados e um valor estimado de 595,5 milhões de euros.

Em Londres são 27 imóveis nos bairros de St. James’s Square, Kensington e New Bond Street, que cobrem cerca de 4.600 metros quadrados e acumulam um valor de cerca de 108,5 milhões de euros. E na Suíça, especialmente em Genebra e Lausanne, a Igreja tem 140 propriedades que cobrem 16.000 metros quadrados, e valem mais de 91 milhões de euros.

Em Roma, o Vaticano construiu edifícios nas duas ruas que convergem na Praça de São Pedro, incluindo a famosa Via della Conciliazione.

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Hoje, a APSA administra o aluguel de 2.400 apartamentos e 600 escritórios e lojas na Itália, que contribuem com cerca de 100 milhões de euros por ano. E o objetivo de Galantino é precisamente melhorar “rendimento” desses ativos imobiliários do Vaticano e tornar os negócios da Igreja mais transparentes.

A compra em 2014 de uma propriedade no coração do bairro exclusivo de Chelsea, em Londres, levou à investigação do Cardeal Angelo Becciu, ministro da Secretaria de Estado, a administração central do Vaticano.

Becciu, 73, é hoje a mais alta autoridade do Vaticano a ser acusada de supostos crimes financeiros, embora o cardeal afirme ter sido vítima de uma “articulação” e insista em sua “absoluta inocência”.

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O Papa Francisco, que está se recuperando de uma operação em sua residência em Santa Marta, também colocou sob o controle da APSA propriedades adquiridas em Londres por meio de controversas triangulações financeiras.

E a Igreja reconheceu que ficou constrangida depois que o fundo de investimento que administrava seus portfólios de propriedades em Londres, baseado em Malta, usasse royalties imobiliários para investir na produção de “Rocketman”, filme biográfico sobre Elton John.

O Papa indicou que deseja retirar-se desses investimentos o mais rápido possível, para minimizar qualquer risco para a reputação da Igreja.

Embora os escândalos imobiliários já sejam comuns em sua órbita, os tribunais do Vaticano sentenciaram um ex-diretor do Banco do Vaticano, o IOR, a nove anos de prisão por peculato e lavagem de dinheiro relacionados a negócios corruptos.

Estas operações teriam suposto “perdas consideráveis para as finanças do Vaticano, tendo utilizado também recursos destinados às obras de caridade pessoal do Santo Padre”, marcaram desde o entorno papal. A investigação revelou que o Secretário de Estado investiu mais de 350 milhões de euros nessa operação.

*Por Maximiliano Sardi – Editor de Internacionais.

*Texto publicado originalmente no site Notícias, da PERFIL Argentina.

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