A nação chilena é plurinacional ou multicultural?

*Por Felipe Frydman – Diplomata.

A nação chilena é plurinacional ou multicultural
Bandeira do Chile (Crédito: Marcelo Hernandez/ Getty Images)

O ex-presidente Ricardo Lagos questionou a decisão da Convenção Constituinte de caracterizar a nação chilena como plurinacional, causando uma importante agitação política. No mesmo programa, sustentou que o Chile era originalmente multinacional, mas que se conformava como Nação com uma única bandeira e um hino. Ele lembrou também que a Constituição de 1980 foi modificada inúmeras vezes e que mudanças substanciais foram introduzidas durante os 30 anos da Coalizão e principalmente durante seu governo, que envolveu negociações árduas para se ter um texto que representasse toda a sociedade.

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A intervenção de Ricardo Lagos ocorreu num momento em que os sectores maioritários que compõem a Convenção estão a fazer uso do seu poder para impor os textos que serão votados a 4 de Setembro. A Convenção baseou-se no princípio da plurinacionalidade como reconhecimento dos povos indígenas que representam 12% da população, concedendo-lhes direitos de reivindicar territórios, autonomia, cotas nas instituições e um sistema judicial independente.

A caracterização do problema dos povos indígenas na América se baseia no princípio de admitir a ocupação originária dos territórios dos quais foram expulsos ou expropriados pelos conquistadores europeus que chegaram ao continente após sua incorporação nos mapas da época. Muito pouco se sabe sobre a história desses povos devido à ausência de registros; Eles teriam chegado da Ásia há 10.000 anos e foram distribuídos por toda a América, permanecendo isolados de outras regiões do mundo até a chegada dos primeiros europeus em 1492.

Esses processos de conquista também ocorreram em outras partes do planeta com guerras, limpezas étnicas, deslocamentos populacionais e desaparecimento de civilizações substituídas por outras mais fortes que pareciam fazer parte necessária da psique humana. Todos esses fatos podem ser rastreados em textos porque, diferentemente da América, a escrita existia na Ásia, Europa e partes da África. Mesmo em países como Japão ou Vietnã que parecem ser mais homogêneos, houve ocupantes de primeira viagem que foram deslocados ou aniquilados por outros posteriores.

As idas e vindas das guerras que engolfaram o vasto continente até a dissolução dos impérios, dando origem à delimitação das fronteiras para formar as Nações, não caberiam em vários volumes. Basta mencionar os 20 milhões de muçulmanos que fugiram da Índia na época da divisão do país em 1948, a divisão do Paquistão em 1971, a recente expulsão dos rohingya pelo regime militar de Mianmar ou a assimilação forçada dos uigures na China.

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Ao contrário da América Latina, na Ásia não há necessidade de desagregar por grupos étnicos para que possam preservar suas visões de mundo e idiomas. Os esforços se concentram no fortalecimento da ideia de pertencimento a uma Nação, reconhecendo o direito à liberdade cultural como parte integrante de um processo de enriquecimento e aprendizado da convivência. Não é uma tarefa fácil evocar todas as diferenças porque, como em outros lugares, somam-se desigualdades, ressentimentos e crenças religiosas que sempre serão usadas por grupos intransigentes para promover a violência e o caos. A promoção da segregação ou a formação de guetos nunca foram boas políticas.

O ex-presidente Lagos decidiu intervir no debate sobre o futuro do Chile em vista das recentes definições da Convenção Constitucional; Sua crítica foi dirigida a um assunto delicado, mas também surgem questionamentos sobre as intenções de transformar o texto constitucional em um programa que deixaria os governos sem espaço para ação. A discussão no país vizinho ainda parece distante, mas sua influência será decisiva porque seus temas representam uma tendência irreversível na América Latina.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

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*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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