Tratamentos psicológicos

Influenciadores de saúde mental nas redes: sim ou não?

*Por Luciano Lutereau – Psicanalista e Doutor em Filosofia.

Influenciadores de saúde mental nas redes sim ou não
(Crédito: Canva Fotos)

Um dos efeitos da pandemia foi dar aos tratamentos psicológicos remotos um cartão de cidadania. Não é que a “terapia virtual” não existisse antes, mas que era reservada para situações excepcionais (pacientes que moravam no exterior ou nas províncias, ou para aqueles casos em que o atendimento era impossível).

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Hoje, a virtualidade é mais uma possibilidade; tornou-se um recurso disponível, sem implicar uma opção de segunda classe e os profissionais de saúde mental o oferecem como mais uma forma.

Da mesma forma, diversas instituições em seus espaços de ensino abriram espaço para conversas sobre como são os tratamentos remotos, quais são as variáveis ​​do seu aparelho, efeitos e recomendações. Antes da pandemia, nada disso era comum.

Esta modificação na forma de trabalhar anda de mãos dadas com uma nova forma de comunicação. Nas redes sociais é cada vez mais comum encontrar perfis que se dedicam à divulgação de conteúdos psicológicos, através de informações, conselhos ou reflexões. O problema é que esses conteúdos nem sempre contam com respaldo ou garantia profissional.

Da mesma forma que ao pesquisarmos no Google por uma doença ou sintoma, podemos acabar em uma página sem assinatura que nos apavora com diagnósticos, na virtualidade proliferam perfis de não especialistas que utilizam categorias “psi” e descrever tipos de personalidade e ligações, com toda a aparência de profissionalismo. Eles podem até convidar o leitor a fazer uma consulta ou conselho.

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Há algum tempo li várias notas em que nutricionistas levantaram algo semelhante ao que gostaria de destacar neste artigo. Nas redes vemos que existem muitas indicações nutricionais e dietas que não são supervisionadas por pessoas capacitadas, cujo correlato é o perigo que elas implicam para a saúde.

Antes de continuar, gostaria de esclarecer o seguinte: minha intenção não é discutir critérios terapêuticos ou retomar a discussão com as chamadas disciplinas alternativas. Meu ponto de vista é antes situar o problema que envolve informação que não se baseia em pesquisa ou responde a uma disciplina. Se as redes sociais se tornaram um espaço propício para a divulgação, talvez seja bom pensar no alcance que elas podem ter em relação às opiniões que se propõem como conhecimento, mas não o são.

Certamente há mais arestas do que as que mencionarei, não serei exaustivo, meu propósito é exemplificar o que quero dizer. Eu poderia dizer que existem três linhas principais nas quais esses pseudo-conhecimentos se expressam:

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A primeira: difundem afirmações sobre como deve ser um relacionamento “saudável”, cujo principal problema é que se baseiam em uma perspectiva individualista que nega o conflito que qualquer vínculo implica. Para que possam sustentar que o amor é “verdadeiro” se o outro nos der o que precisamos.

Além disso, constroem versões do “outro mau” diante da decepção, que justificam quem sofre sem possibilitar qualquer orientação baseada no luto ou na perspectiva crítica dentro de um relacionamento. Se sofremos, é por causa do outro e o problema dessa orientação é que ela coloca o sofredor em uma posição extremamente passiva. Sem dúvida, o sofrimento é um ato de passividade, mas um processo terapêutico é tal se valida o sofrimento – o que não é o mesmo que justificá-lo – para que quem sofre possa fazer algo com seu modo de sofrer.

E, por fim, utilizam esquemas de raciocínio geralmente determinísticos causais, que geralmente não são válidos para o campo psíquico. Então, se algo aconteceu conosco é “porque” houve algum tipo de destino ou regra do universo. É assim que a inquietação pessoal se desloca para a resposta cosmológica.

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Em relação a este último ponto, serei mais explícito: é possível que minhas escolhas amorosas sejam condicionadas por fatores familiares e experiências de outro tempo, mas o condicionado não deixa de dar lugar à pergunta que alguém pode se fazer por causa do que ele viveu; isto é, a determinação não é um determinismo.

Não me detenho muito nestes pontos porque cada um deles pode suscitar um debate profundo. Deixo para outra ocasião. Interessa-me enfatizar o tipo de sujeito que essas abordagens supõem: um infantilizado, a quem se pede que se reconheça como frágil e sempre exposto ao engano. Esse tipo de aconselhamento virtual consolida rapidamente uma visão defensiva do vínculo com o outro, que não visa que a pessoa possa reconhecer sua vulnerabilidade e eventualmente desenvolvê-la, mas sim manter um quadro explicativo que lhe servirá para ocasiões futuras.

O sujeito dessa espécie de auto-ajuda “psi” deve ser alertado, escapar de relacionamentos ruins, fortalecer-se para que ninguém o machuque, etc., como se não se percebesse a contradição que esse tipo de informação implica: antes de resgatar o sujeito, o torna fraco o suficiente para consumir esse tipo de conhecimento conformista.

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Por que alguém pode escolher pensar em si mesmo desse ponto de vista é um mistério. No entanto, uma explicação do tipo de subjetividade que as redes criam (dependente e medrosa) não foi objeto deste artigo.

Gostaria, para concluir, de propor algumas considerações que podem ser úteis ao leitor e usuário assíduo das redes, que antes pensava estar obtendo informação e se deparava com o risco psíquico dessas visões de mundo. Por um lado, penso que é importante verificar o perfil de onde provêm, para ter em conta se credencia uma licenciatura ou pós-graduação, bem como um número de registo; por outro lado, estabelecer se as reflexões são acompanhadas de referências bibliográficas ou discussões que se referem a campos de pesquisa; por último, se no caso de oferecer um serviço o fizerem explicitamente ou com eufemismos (por exemplo, em vez de dizer “turno” pode dizer “reuniões”) que mimetizam o exercício de uma profissão, mas sem autorização.

Hoje, não somos mais simples visitantes da virtualidade. Este último cria uma parte de nossa realidade e, portanto, refletir sobre seu impacto no psiquismo (através de conteúdos nas redes) é uma forma de pensar que ideias de sujeito e vínculo vamos viver: se um sujeito hiperindividualizado e projetivo (segregativo do outro), ou aquele que se reconhece nos conflitos e tensões típicos da vida em comum, dado a crescer e se enriquecer pela experiência.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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