Em pouco tempo estudaremos, trabalharemos e praticaremos esportes girando entre o universo e o mundo digital do lugar onde vivemos, nas cidades do metaverso.
SimCity foi uma novidade nos anos 90, simplesmente porque foi o primeiro jogo eletrônico que propunha um ambiente virtual no qual você podia fazer muitas coisas: a partir de um terreno vazio, você podia construir todo tipo de prédios, instituições, rodovias, aeroportos. Foi muito interessante e, de fato, o jogo foi um sucesso mundial. Tratava-se de criar um mundo diferente em uma dimensão, não muito desenvolvido, que não permitisse o jogo simultâneo em tempo real.
Hoje, Minecraft detém o recorde de vendas da história dos videogames, tendo vendido 176 milhões de cópias em dez anos de existência. Do rudimentar SimCity dos anos 90 ao melhor jogo criativo de mundo aberto de hoje, a evolução queria que pudéssemos jogar online com pessoas de todo o mundo, formar equipes e recriar cidades inteiras construindo edifícios sofisticados que levam anos para serem concluídos. A essência do Minecraft, como costuma explicar o criador do jogo, Markus Persson, está nos antigos e conhecidos blocos estilo Lego: “Sempre gostamos de criar, planejar, projetar e construir nosso próprio ambiente de vida”. Mas é no meio eletrônico que podemos nos realizar melhor, porque as limitações do mundo físico desaparecem em um único clique.
Jogo ou realidade urbana digital
Agora, o que aconteceria se conseguíssemos passar de nível? Essa é a pergunta que algumas cidades, como Seul, estão tentando responder hoje, desafiando os limites do imaginável. A linha tênue que separa jogo e realidade, somada ao grande potencial de ambientes virtuais enriquecidos com a tecnologia atual, estão permitindo o que hoje gera uma verdadeira perplexidade global: que os Estados desenvolvam seus próprios metaversos.
Já se começava a falar de gêmeos digitais que são usados, fundamentalmente, na indústria 4.0 para testar, em nível virtual, desenvolvimentos que depois são fabricados fisicamente. De facto, o desenho 3D de todo o tipo de objetos, máquinas ou infraestruturas prediais é hoje essencial para minimizar os riscos de qualquer implementação.
Pois bem, o mesmo está sendo feito pelas cidades, com a adição de que suas réplicas virtuais não servem apenas como bancadas de testes, mas também, montados no metaverso, os gêmeos digitais das cidades já oferecem aos cidadãos a possibilidade de viver – por enquanto – parte de sua vida na dimensão criada por algoritmos.
Já existe uma Xangai virtual, também uma Cingapura feita de bits. As previsões possibilitadas por esses gêmeos digitais economizam milhões de dólares para empresas globais.
Sistemas de transporte, trânsito, pessoas, geração de energia, consumo, temperaturas, umidade, ar condicionado e aquecimento em edifícios, poluição; tudo é simulado de acordo com as regras que regem o mundo físico. Mas, ao mesmo tempo, todos esses parâmetros estão conectados a dados reais capturados no mundo físico. A cidade virtual vive e respira como a cidade física e evolui com ela continuamente.
A ideia não é tão nova, mas é verdade que os avanços tecnológicos sempre exigem algum amadurecimento. Por exemplo: o Walmart já havia projetado seu próprio ambiente de compras virtuais em 2017. Sua proposta era que os clientes andassem pelas prateleiras do metaverso da empresa, escolhessem produtos com a assessoria de vendedores virtuais e então a compra chegasse em casa. Foi uma experiência de compra 360°, possibilitada pela realidade virtual já disponível até então. Embora o conceito tenha sido aprovado pela empresa de tecnologia Mutual Mobile, não teve grande repercussão, pelo motivo exposto acima: a forma como as tecnologias formam a meada em que vivemos é um mistério sempre difícil de desvendar.
No entanto, seis anos depois, Seul anuncia com grande alarde que será a primeira cidade do metaverso. É provável que neste tempo (por pandemia, claro) tenhamos experimentado um amadurecimento cultural e tecnológico que nos permite entender o quanto podemos fazer sem ter que tirar nossos corpos de casa: com base na realidade virtual, os habitantes de Seul poderão assistir a concertos e locais turísticos famosos. Eles ainda terão a oportunidade de reclamar de problemas de infraestrutura à prefeitura.
Marcas
As grandes marcas também apostam no metaverso. De fato, sabendo que mais cedo ou mais tarde grande parte de nossas vidas se passará nesse ambiente virtual com experiências cada vez mais reais (apenas dois sentidos, olfato e paladar, ainda resistem a truques tecnológicos), a Nike adquiriu a startup Rtfkt para patentear e produzir seus primeiros tênis virtuais.
Assim, as cidades do futuro (de um futuro muito, muito próximo, tendo em conta a velocidade com que as mudanças desta época são vividas) terão de considerar não só a sua dimensão material, física, tradicional. Mesmo ao contrário: uma leitura do avesso da trama discursiva em torno dos problemas urbanos permite adivinhar que as administrações locais podem encontrar no plano virtual soluções difíceis de implementar no mundo físico.
Ao elevar a visão, o horizonte apresenta complexidades que hoje ainda fazem parte da ficção científica ou do mundo gamer. Montar, sobre a realidade que soubemos conceber, um novo espaço desenvolvido inteiramente por algoritmos, em que a experiência imersiva é tão credível que nos faz optar pelo metaverso em detrimento do ambiente urbano tangível, é um desafio assustador.
No entanto, se, como indicam as tendências, até 2025 70% da população mundial estará concentrada em conglomerados urbanos, não é tão difícil intuir o sucesso das cidades do metaverso: será uma questão de perceber que no mundo virtual talvez haja não há engarrafamentos ou impedimentos que impeçam a vida feita de átomos. Ou seja, em pouco tempo estaremos praticando esportes, estudando e trabalhando girando entre o universo e o metaverso das cidades em que vivemos. Se o mundo físico se replicar, com vantagens, no digital, a cada passo escolheremos de acordo com critérios que ainda hoje não conseguimos identificar claramente – mas esperamos que respondam aos interesses dos cidadãos e contribuam para melhorar a nossa qualidade de vida em cidades.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.