O avião da Voepass que caiu em Vinhedo na última sexta-feira (9) operava sob uma autorização especial que permitia a omissão de oito parâmetros de voo na caixa-preta da aeronave. Essa autorização foi concedida pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) por meio de uma licença temporária de 18 meses, válida desde 1° de março de 2023.
A Voepass solicitou a licença ao planejar incorporar o avião à sua frota, embora a aeronave não cumprisse todos os requisitos operacionais estabelecidos pelo Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC n° 121). Com essa licença, a companhia ficou isenta de registrar algumas informações nos gravadores digitais do voo, especificamente para o modelo ATR 72-500.
O piloto e especialista em investigação de acidentes aeronáuticos Marcus Pacobahyba ressaltou que entre os dados não registrados estavam informações sobre “a funcionalidade dos freios (pressão e aplicação dos pedais direito e esquerdo), sistemas de pressão hidráulica e todas as forças de comando dos controles de voo (volante, coluna e pedais)”. Ele acrescentou que “em relação a esses parâmetros, a dificuldade estaria em determinar a atuação dos pilotos sobre os comandos da aeronave, tanto antes de a aeronave entrar no parafuso chato, quanto durante a queda da aeronave”. Essas forças representam as manobras realizadas pelo piloto. Ou seja, a caixa-preta não registra se o comandante estava direcionando a aeronave para cima, baixo, esquerda ou direita.
De acordo com o perito aeronáutico, a falta de registro pode dificultar a investigação do acidente em Vinhedo. “Dependendo dos parâmetros ocultados, o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) precisará buscar outros dados indiretos para confirmar algum fato suspeito”, pontuou Marcus.
O acidente com o voo 2883, que matou 62 pessoas no interior de São Paulo, ocorreu dentro do período de vigência da isenção dos parâmetros de voo da caixa-preta, que termina em setembro de 2024.
O Regulamento Brasileiro de Aviação Civil exige que as companhias aéreas registrem 91 informações específicas durante o voo, mas o avião da Voepass não registrava parâmetros como as frequências selecionadas em Nav 1 e Nav 2, a pressão e aplicação dos pedais de freio, a pressão hidráulica de cada sistema, e as posições dos comandos dos compensadores de arfagem, rolamento e direção na cabine, além de todas as forças aplicadas nos controles de voo, incluindo volante, coluna e pedais.
Marcus Pacobahyba observou que “a falta de registro desses oito parâmetros não tem qualquer interferência no funcionamento da aeronave e que, por esse motivo, não tem relação com o acidente ocorrido no dia 9 de agosto”.
A Anac esclareceu que o ATR 72-500 é certificado pela Agência Europeia para a Segurança da Aviação (Easa, na sigla em inglês), que exige menos parâmetros do que a Anac. Por isso, as aeronaves que operam no Brasil precisam de um tempo maior para se adequar às exigências locais, que são mais rigorosas.
A agência também informou que consulta o CENIPA antes de conceder isenções de requisitos que impactam a investigação de acidentes e acrescentou que a isenção dos parâmetros mencionados não prejudica as investigações em andamento.
Como funciona a caixa-preta de um avião?
A caixa-preta de um avião é composta por dois dispositivos essenciais para a investigação de acidentes aéreos: o CVR (Cockpit Voice Recorder) e o FDR (Flight Data Recorder). O CVR registra todas as conversas e sons dentro da cabine de comando, enquanto o FDR coleta dados técnicos do voo, como altitude, velocidade, direção e desempenho dos sistemas da aeronave. Esses gravadores são projetados para suportar condições extremas, como altas temperaturas e impactos severos, aumentando as chances de recuperação das informações mesmo após acidentes graves.
Embora seja chamada de “caixa-preta”, sua cor real é laranja, facilitando a localização em meio aos destroços de um acidente. Esses dispositivos são instalados em áreas da aeronave onde há maior probabilidade de sobrevivência em caso de impacto, como na cauda. Além disso, a caixa-preta emite um sinal de localização subaquático, que pode ser captado a uma profundidade de até 6 mil metros, ajudando nas operações de busca em casos de acidentes no mar.
As informações gravadas na caixa-preta são fundamentais para que os investigadores possam reconstruir os momentos finais de um voo e identificar as causas de acidentes, contribuindo para a melhoria contínua da segurança aérea. A análise dos dados permite entender falhas técnicas, erros humanos ou outros fatores que possam ter levado ao incidente, ajudando a evitar que tragédias semelhantes ocorram no futuro.
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