filho de escravizados

Candinho, único filho vivo de João Cândido, luta por reparação

A família luta por reparação financeira do Estado e pela inclusão do nome de João Cândido no livro dos Heróis e Heroínas da Pátria

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(Crédito Fernando Frazão/Agência Brasil)

Em novembro de 1910, cerca de dois mil marinheiros tomam o controle de embarcações da Marinha na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Eles pedem o fim de castigos corporais. São liderados pelo marinheiro João Cândido Felisberto.

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Os canhões dos navios são apontados para aquela que era a capital do Brasil na época, não com a intenção de bombardear, mas para chamar a atenção a práticas que ainda remetiam à recém-extinta escravidão. O estopim para a revolta foi a punição do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes com 250 chibatadas.

A revolta tomou grandes proporções e João Cândido foi alçado a herói e celebridade. Mas, assim como cresceu, a revolta foi abafada a ponto da sua importância ser invisibilizada por muitos anos.

Os marinheiros que sobreviveram tiveram a anistia negociada na época. João Cândido, no entanto, apesar de ter sido também anistiado, foi duramente perseguido, até ser expulso da Marinha em 1912. Ele morreu aos 89 anos, em 1969, na pobreza.

Hoje, a história é contada e recontada por Adalberto Cândido, o seu Candinho, único filho vivo de João Cândido. “É uma história muito bonita, é uma história de um herói popular. Um país que não tem história não é um país e meu pai deixou uma parte da história do Brasil”, diz.

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Casa da Memória

A Casa de Memória Marinheiro João Cândido será construída pela Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), em parceria com a prefeitura de São João de Meriti, onde Candinho nasceu e onde o pai viveu grande parte da vida.

“Agora já tem peça de teatro, tem doutorado, agora tudo que você imagina, tudo que possa ter ele, tem”, diz. Se antes apenas citar o nome de João Cândido já trazia consequências para quem o fazia na Marinha, hoje batem continência para mim”, revela. João Cândido – também chamado de Almirante Negro – foi eternizado na canção Mestre Sala dos Mares, de João Bosco.

O reconhecimento, no entanto, é recente, e ainda tem um longo caminho. A família luta por reparação financeira do Estado e pela inclusão do nome de João Cândido no livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.

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Criado em 1992, o livro de aço – abrigado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, registra os nomes das pessoas que tiveram uma trajetória importante na formação da história do país. Entre elas, estão, por exemplo, Tiradentes, Chico Mendes e Machado de Assis.

João Cândido nasceu em 1880 e era filho de escravizados. Entrou para a Marinha em uma época que a corporação reunia jovens excluídos socialmente. A maior parte dos marinheiros era negra.

João Cândido tinha muito talento. Segundo o filho, chegou a dar aulas para os oficiais e operava navios de alta tecnologia para a época, como o Minas Geraes, usado na Revolta da Chibata. Ele tinha um senso de coletividade e lutava por justiça.

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“Ele nunca levou um castigo, mas não aceitava que os companheiros dele [passassem por isso], entende?”, diz. “Ele tinha convivência com oficiais e tudo, mas tinha aquele ideal, não era porque tinha convivência com oficial da Marinha que aceitava aquilo”. 

Tudo que sabe sobre o pai, Candinho aprendeu depois da morte dele. Era a irmã, Zeelândia Cândido de Andrade, quem cuidava da história e legado do pai. “Meu pai era muito fechado. Gaúcho. Ele não contava nada. Eu só vim entrar depois do falecimento dele e da minha irmã, que minha irmã era mais atuante. Eu também, trabalhando, não tinha tempo. Agora, só tem eu para advogar”, explica.

João Cândido nasceu em Encruzilhada (RS) e, ao longo da vida, teve pelo menos sete filhos. “Meu pai era marinheiro, né”, brinca, Candinho.

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Depois de ser expulso da Marinha, ele teve muita dificuldade para conseguir emprego. Viveu da pesca, segundo o filho, “até a estrutura dele não dar mais”. E viveu sempre próximo ao mar. “Ele dizia que o mar era família dele, que era amigo”, conta o filho.

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