Casos de desaparecimento geram muita apreensão em familiares, que muitas vezes não sabem exatamente como proceder. O nervosismo pode ser ainda maior em meio à pandemia de covid-19 e às medidas restritivas variadas adotadas para conter a doença em todo o país.
Só no estado do Rio de Janeiro, mais de 200 pessoas desapareceram mensalmente no ano passado. Foi pensando nisso que a Defensoria Pública do Rio de Janeiro lançou uma cartilha reunindo as principais recomendações. São listadas orientações sobre registro de ocorrência, formas adequadas de comunicação, ações que podem ser tomadas e cuidados a serem observados.
O desaparecimento é o sumiço de alguém sem aviso prévio a familiares, amigos ou terceiros, não importando a idade. Uma pessoa é considerada desaparecida quando não é encontrada nos lugares que tem o hábito de frequentar, não está na companhia de conhecidos e está incomunicável. Essa situação precisa ser informada à delegacia mais próxima.
É muito comum ouvir que os familiares e conhecidos devem aguardar prazos de 24 ou 72 horas para registrar uma ocorrência de desaparecimento. No entanto, essa é uma crença popular equivocada. Conforme orienta a cartilha, a comunicação deve ser feita imediatamente, tão logo se perceba que a pessoa está sumida e incomunicável. Uma orientação importante é se dirigir à delegacia levando uma fotografia atual do desaparecido. Nenhuma informação deve ser omitida dos policiais.
Também é recomendado que amigos, vizinhos e parentes sejam informados do desaparecimento. Eles podem ter informações pertinentes. Deve-se manter uma pessoa no local em que o desaparecido foi visto pela última vez. Familiares e amigos podem ainda percorrer lugares habitualmente frequentados por ele.
A divulgação de fotos nas redes sociais pode ajudar, mas um cuidado deve ser tomado: não publicar contatos telefônicos. A cartilha alerta para os riscos de familiares receberem trotes ou serem alvos de tentativas de extorsão.
Familiares podem recorrer ainda às Defensorias Públicas estaduais quando necessitarem de assistência jurídica. “É direito dos familiares acompanharem e serem informados sobre o andamento das investigações policiais”, registra a cartilha. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro, além de atuar para garantir o cumprimento desse direito, informa que providencia ainda assistência social e psicossocial. Durante a pandemia de covid-19, os atendimentos têm sido feitos de forma online.
A cartilha está disponível no site da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e foi elaborada com o apoio da organização não governamental Portal Kids e da Fundação para Infância e Adolescência, entidade vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSODH) do Rio de Janeiro. O documento foi lançado na abertura da Semana Nacional de Mobilização Contra o Desaparecimento de Crianças, iniciativa instituída pela Lei Federal 12.393/2011. Todos os anos, entre 25 e 31 de março, são realizadas ações em todo o território nacional para conscientizar a população sobre o tema.
Outros canais
No Rio de Janeiro, além das delegacias, há outros canais para informar os casos de desaparecimento. Entre eles estão o Programa de Desaparecidos do Disque Denúncia, uma central telefônica comunitária, e o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid), criado pelo Ministério Público do do Rio de Janeiro (MPRJ). Quando a situação envolve crianças e adolescentes, também é recomendada a comunicação da ocorrência ao programa SOS Crianças Desaparecidas.
Há cerca de dois anos, o MPRJ apresentou um estudo do perfil dos desaparecidos com base nos casos acompanhados pelo Plid entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2018. Nesse período, o programa contemplou 7.937 ocorrências de desaparecimentos, sendo que 38,53% delas envolviam pessoas entre 18 e 29 anos e 30,12% entre 30 e 64 anos.
Dos casos elucidados, 52% dos desaparecidos eram pretos e pardos, 24% brancos e 23% não registraram essa informação. Em mais da metade das ocorrências, não foi possível determinar os motivos para o sumiço. Entre as causas mais relatadas estão conflito intrafamiliar, ausência de notificação de óbito, transtorno psíquico e drogadição. Em 26,19% dos casos, o desfecho é o retorno voluntário do desaparecido.
Localidades críticas
Se de um lado, os riscos associados à disseminação da covid-19 podem gerar mais apreensão para familiares de desaparecidos, de outro, as restrições decorrentes da pandemia parecem ter contribuído para uma queda dos casos. É uma hipótese que está sendo considerada por órgãos envolvidos, embora ainda não existam pesquisas que confirmem essa relação.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), autarquia vinculada ao governo do Rio, 2.133 pessoas desapareceram no estado entre janeiro e agosto do ano passado, uma média de 266 por mês. Do total, foram 558 casos na zona oeste da capital e 533 em municípios da Baixada Fluminense. Assim, os dois locais registraram juntos 51,15% das ocorrências.
Um estudo mais antigo do próprio ISP revela que, em 2010, a média mensal de desaparecidos foi bem mais alta. Na ocasião, 5.473 ocorrências foram registradas, uma média de 456 por mês. Em 2019, um ano antes da pandemia, a Sedsodh também confirmou que o estado vinha contabilizando mais de 400 casos mensalmente. O dado foi apresentado durante uma audiência pública realizada em novembro de 2019 na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Delegacia especializada
Para lidar com o alto volume de casos, a Polícia Civil do Rio de Janeiro inaugurou em 2014 uma Delegacia de Paradeiro de Desaparecidos (DDPA) na zona norte da capital. Ela conta com policiais dedicados a cuidar de ocorrências de desaparecidos, além de assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais que participam do atendimento aos casos. Na audiência pública ocorrida na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 2019, a Coordenadoria de Desaparecidos do Estado do Rio de Janeiro, órgão ligado à Sedsodh, defendeu a criação de uma delegacia especializada também na Baixada Fluminense, o que ainda não ocorreu.
Um caso emblemático na região ocorreu recentemente no município de Belford Roxo. Há quase três meses, o desaparecimento de três crianças ainda não tem solução. Os meninos Fernando Henrique, de 11 anos; Alexandre da Silva, de 10; e Lucas Matheus, de oito, foram vistos pela última vez no dia 27 de dezembro do ano passado. Eles haviam saído para brincar na rua, como de costume, mas não retornaram.
No curso das investigações, o MPRJ encontrou imagens de uma câmera de segurança que registram os garotos caminhando tranquilamente e conversando em um bairro vizinho ao local onde ficam suas casas. Suas mães e seus pais continuam sem saber o paradeiro deles. Em apoio aos familiares, internautas e ativistas têm disseminado uma campanha nas redes sociais usando a hashtag #OsMeninosDeBelfordRoxo.
(Agência Brasil)