Realizada no palácio do governo paulista, a entrevista com o governador do estado e presidenciável revela como o Brasil inicia seu ano eleitoral e que para João Doria, Jair Bolsonaro não para de cair. Para ele, o segundo turno pode ser entre um candidato centrista e Lula, que ele vê como mais extremista e menos centrado.
Em sua conta no Twitter você relata que o Estado de São Paulo “cresceu mais que o Brasil pelo terceiro ano consecutivo”. Em 2019 cresceu 2,2% contra 1,4% no Brasil. Em 2020 cresceu 0,3% enquanto o Brasil como um todo caiu 4,1%, e em 2021 São Paulo cresceu 6,2% contra 4,3% de crescimento no Brasil. Nesses três anos São Paulo cresceu 9% apesar da pandemia, enquanto o Brasil como um todo apenas 1,4%. Quais são as diferenças ideológicas e gerenciais entre a gestão dos governos nacional e estadual?
Somos um governo que planeja a médio e longo prazo. O planejamento é de dez anos, embora nosso mandato seja de quatro. Montamos uma equipe extraordinariamente consistente em todas as áreas, inclusive na economia. Quem a lidera é Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central do Brasil, ministro da Fazenda de Michel Temer. Foi presidente mundial do Bank Boston e é uma figura de grande respeitabilidade. Ao seu lado está uma jovem economista, Patricia Ellen, Secretária de Desenvolvimento. Mais recentemente, entrou Rodrigo Maia, que era presidente da Câmara dos Deputados Federais. Integrou nossa equipe na estruturação de programas de privatização e desestatização. O conceito de governo com o qual trabalhamos é a descentralização. É algo que aprendi no setor privado. É um governo que flui. Executa suas propostas com a credibilidade que o liberalismo proporciona. Toda a nossa conduta é de uma economia liberal pró-privatização. Além disso, honesto e transparente.
Você escreveu: “Desde o início do nosso governo, já fizemos doze concessões para a iniciativa privada, que juntas garantem R$ 45 bilhões em investimentos para o nosso estado”. Como você define o que é gestão liberal?
Foram doze leilões na Bolsa de Valores brasileira. O governo federal, que se autodenomina liberal, fez apenas três. Começamos agora este ano com quatro leilões programados. Continuaremos neste caminho, com um sistema de associações públicas e privadas. O conceito é estabilizar a economia, dando mais espaço ao setor privado. É um liberalismo social. Que entende que o setor público deve atender às áreas onde é essencial: saúde, educação, habitação social, proteção aos desempregados, setores que representam o segmento mais vulnerável da população e segurança pública. As demais áreas devem ser desenvolvidas essencialmente a partir do impulso privado. Essa é a causa do “boom” e dos resultados econômicos. Em 2019 fizemos uma reforma da previdência muito importante. A reforma mais profunda de todos os estados do Brasil foi realizada no governo de São Paulo. Em 2020, mesmo sendo um ano de crise, realizamos uma profunda reforma administrativa e fiscal. Reduzimos fortemente o tamanho do Estado. No ano passado, São Paulo, gerou um superávit de cinquenta bilhões de reais. São praticamente dez bilhões de dólares de reservas para desenvolvimentos em infraestrutura e serviços nos tópicos mencionados. Quando digo infraestrutura, quero dizer estradas, ferrovias urbanas e obras estruturais na área da saúde, como hospitais, hospitais veterinários, escolas e infraestrutura em geral.
Seu governo anunciou um aumento para professores acima da paridade normal com base em seu desempenho e testes opcionais de até 73% a mais de salário. Como é a relação com o sindicato dos professores?
A educação é o principal alicerce do nosso governo junto com a saúde, dada a circunstância de uma pandemia. A educação é a prioridade. Não melhoramos apenas a remuneração de professores, gestores e que atuam na rede pública de ensino, além do vínculo sindical. Esta remuneração baseia-se no critério baseado em “melhor desempenho, mais remuneração; mais aulas ministradas, mais remuneração”. Professores e diretores de escolas que elevaram a qualidade do ensino são recompensados. O que aconteceu com os sindicatos faz parte do jogo democrático. Esse jogo tem seus altos e baixos, mas também faz parte da saúde institucional.
Qual a relação dos brasileiros com o mérito e a meritocracia?
Passei muitos anos da minha vida no setor privado. Estou no setor público há seis anos, quando fui eleito prefeito de São Paulo.
Você não cumpriu seu mandato como prefeito para se tornar governador. Foi reeleito. E agora ele tem a candidatura.
A melhor maneira de navegar na democracia é com o voto. A partir desse método é que conseguimos realizar um governo eficiente e rápido. Aprende-se na vida privada. Adquire-se um sentido diferente de urgência. Em São Paulo nós o adotamos. Respeitamos o senso de urgência das pessoas. Quem tem fome, precisa comer. Eles não devem cair em um processo burocrático para que os alimentos cheguem. As famílias que precisam que seus filhos tenham uma educação de qualidade não querem esperar. Eles precisam que seja agora. E passamos de 364 escolas em tempo integral para 2.300.
“Bolsonaro não vai admitir a derrota; é provável que ele diga que a eleição foi uma fraude.”
Como a política econômica de Lula seria diferente da sua se ele fosse eleito presidente a partir de 2023?
As diferenças são múltiplas. Sou um antagonista do ex-presidente Lula. Respeito, mas estou em outro campo. Lula está próximo da extrema esquerda e meu espaço é o centro democrático social liberal. Ele dialoga com a direita e com a esquerda, mas está longe dos dois extremos. O que faz a diferença é uma condução serena, calma, equilibrada e descentralizada. Isso nos permitiu trazer vários ex-funcionários.
E o ex-presidente da Câmara dos Deputados.
É outro exemplo.
Há dois anos, dizia-se que ele poderia ser candidato a presidente.
Henrique Meirelles também foi candidato. São bons nomes. Meirelles competiu e infelizmente perdeu para Jair Bolsonaro. Os governos do PT estavam estatizando. Eles próprios admitem que querem um estado gordo, grande e poderoso. Acho justamente o contrário: que seja ágil, pequeno, eficiente e transparente. Essa é a principal diferença ideológica. Além disso, existe uma máxima de que o fim justifica os meios. Eu não acredito nisso. O dinheiro público não pode ser roubado. Devemos fazer um governo dedicado aos mais pobres, mas é essencial ser honesto.
Na Argentina é difícil entender que Geraldo Alkmin, que também foi governador de São Paulo e fundador de seu partido, seja um possível vice-presidente de Lula.
A política não é muito consistente, ao contrário da vida privada, onde é necessária uma gama de consistência. É inconcebível que Geraldo Alckmin se aliasse a Lula para disputar as eleições como candidato a vice-presidente. Ele foi um dos fundadores do partido há 33 anos. O PSDB foi e continuará sendo o maior adversário do PT. Em 2022 serei o adversário de Alckmin. Sinto muito, porque era meu amigo. Agora, vou lutar para que ele e Lula sejam derrotados.
Lula correu para o centro ou é apenas marketing político?
Lula sempre foi um oportunista que fazia marketing político. Nisso ele é brilhante. Ele já fez esse tipo de coisa. O Lula de hoje é pior do que era. Porque agora ele está cheio de ressentimento, como qualquer um que passou dois anos na prisão.
Nelson Mandela mostra que não é necessariamente assim.
É por isso que Mandela era Mandela. Ele saiu com alto astral, grandeza e perdão. Lula não perdoa. Ele virá com ressentimento. Mas respeito sua astúcia política e sua capacidade de articulação. Eu o respeito, como Bolsonaro, embora seja um forte antagonista de ambos. Respeito Bolsonaro, embora ele não me respeite como governador.
Quais são suas diferenças ideológicas e operacionais com Alckmin?
São diferenças reais. Não quero fazer acusações contra o ex-governador. Somos bem diferentes. Eu sou mais pragmático. Gosto de compartilhar decisões. Tenha uma equipe competente. Aprendi que é necessário. Eu era um empresário de sucesso. Escolher os funcionários com base nisso também me permitiu passar para a esfera pública. Fiz no município da maior cidade da América Latina e agora na chefia do Estado.
O plano de Henrique Meirelles intitula-se: “Ponto de partida para reparar o Brasil e crescer reduzindo as desigualdades”. É possível que o liberalismo social atinja ambos os objetivos simultaneamente ou é necessário crescer primeiro e depois distribuir equitativamente?
É possível percorrer as duas trilhas. Não há incompatibilidade. O que é preciso é uma boa gestão. Você precisa ter um bom plano e tempo para executá-lo.
O programa “Bolsa Família” era um bom plano ou havia alternativas melhores?
Foi melhor no tempo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi ele quem criou o “Bolsa família”, embora na época não se chamasse assim. Mas nossos programas assistenciais diferem dos de Lula e Bolsonaro, pois pagamos pelo trabalho e não fazemos a assistência que faz com que as pessoas fiquem em casa, não trabalhem ou levem seus filhos à escola. Nesses casos, não há compensação. Os beneficiários recebem apenas o dinheiro. Isso não é formar uma nação ou a grandeza de um povo. Isso destrói o povo e gera dependência institucional e governamental. Além disso, a pessoa perde a autoestima. Aqui, a pessoa recebe uma remuneração por enviar seus filhos à escola e um prêmio por realizá-la.
A maioria dos brasileiros precisa da metade de sua renda para pagar energia. Na Argentina o preço dos serviços é regulado. Você planeja fazer alguma coisa para tornar os serviços mais acessíveis?
Gerar empregos e melhorar a renda dos brasileiros. Os serviços de eletricidade hoje e muitos dos serviços de água e esgoto são privados e regidos por preços de mercado. Há muita concorrência. Temos cinco distribuidoras de energia elétrica. Ainda temos uma empresa estatal de água e esgoto, que será privatizada em 2022. Temos a terceira maior empresa de saneamento do mundo, com 49% de suas ações listadas em bolsa. Uma parte dela na Bolsa de Valores de Nova York. O conceito será avançar para uma menor participação estatal e privatização. Precisamos melhorar a renda das pessoas. Dar mais trabalho, que é o que gratifica.
As reformas trabalhistas de Jair Bolsonaro, baseadas nas ideias de seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, foram um passo para uma maior geração genuína de empregos?
Foi um passo positivo tímido, embora positivo. Poderia ter sido maior, mais amplo e mais consistente. Mas reconheço que foi um passo.
Marina Silva representou a terceira via no Brasil há alguns anos com uma organização chamada Rede Sustentabilidade. Que valor tem a sustentabilidade como ideia e como conceito para a política e a sociedade brasileira?
O Estado de São Paulo foi o primeiro a assinar o documento da ONU para sustentabilidade e redução de emissões de carbono. Até 2050, almejamos zero emissões. É um processo que já está em andamento, com políticas públicas de respeito ao meio ambiente e incentivo às energias limpas. Também incentivamos as empresas industriais a planejar locais. Também mudamos o uso de combustíveis. A Polícia Militar, por exemplo, está se voltando para o híbrido, com combustíveis que não são fósseis, limpos. Em um futuro muito próximo, também os ônibus de transporte público que são grandes emissores de carbono serão substituídos por híbridos elétricos ou elétricos.
O que você faria com a Amazônia se fosse presidente diante da necessidade do desenvolvimento sustentável?
A floresta amazônica deve ser protegida. Esteja ciente de que a Amazônia e a selva valem mais em pé do que arrasadas. A população que vive às margens dos rios da região amazônica e os indígenas devem ter uma remuneração para proteger e manter as árvores em pé. Instituições como a Fundação Amazonas Sustentável, que ajudei a criar quando estava na iniciativa privada, que paga comunidades, possibilitam o sustento de muitas famílias. Não é justo imaginar que índios ribeirinhos e caboclos, parte considerável da população amazônica, tenham que pagar com o desemprego para manter uma floresta em pé. O mundo tem que pagar para manter esta floresta em pé. Mas, para isso, deve ser crível. Garanto a credibilidade que não tem Bolsonaro, que foi e continua sendo um agressor do meio ambiente e deveria ter apresentado uma proposta desse tipo na Cúpula do Clima em Glasgow, com a presença de Joe Biden. Mas não foi assim.
Meirelles foi presidente do Banco Central durante o governo Lula em que foram gerados os casos de corrupção julgados pela Lava Jato. Gera alguma polêmica se perguntar se ele não poderia ter conhecimento desses casos?
Nem todos foram corruptos no governo Lula. Isso inclui Henrique Meirelles. Foi presidente do Banco Central, instituição totalmente autônoma. Ele tinha o status de ministro e nunca houve nenhuma acusação de corrupção durante os oito anos em que foi seu presidente. Ele está ileso. Não tenho dúvidas sobre sua honestidade, decência e sua limpeza.
Como uma figura pública poderia não estar ciente do que estava acontecendo na Petrobras?
Não cabia a ele, como presidente do Banco Central, avaliar a Petrobras, a Eletrobras ou os procedimentos condenáveis do governo Lula. Ele não tinha voz nessas questões. Ele era o presidente do Banco Central, ele tinha que administrar a moeda e a inflação no país. Meirelles sugeriu uma reforma tributária e a privatização em bloco da Petrobras; ao mesmo tempo, criticava fortemente o governo Guedes.
Como você explicaria as semelhanças e diferenças entre as propostas econômicas de Paulo Guedes e Henrique Meirelles?
O Guedes infelizmente estava fraco. Ele foi treinado na escola econômica de Chicago, mas não era consistente. Ele tem uma boa educação, mas rasgou seu diploma. Ele quebrou seus princípios liberais para adotar os princípios eleitorais e personalistas de Jair Bolsonaro. Perdemos um economista de sucesso e ganhamos um fracassado entusiasta de Bolsonaro. Meirelles é um liberal com uma educação liberal e um registro privado e público para respaldá-lo. Por isso é secretário da Fazenda de São Paulo.
Meirelles sustenta que o problema do Brasil é recuperar o crescimento parado com a recessão de 2015/2016 e a estagnação posterior. Toda a América Latina entrou em recessão em 2015 ao final do ciclo de alta dos preços das matérias-primas. Meirelles lhe diz que um novo ciclo de alta das matérias-primas vai ajudar o Brasil e a América Latina?
O Brasil, assim como a Argentina, é um grande produtor agrícola. O consumo de produtos agrícolas no mundo vem crescendo liderado pela China. A China é hoje o maior parceiro comercial do Brasil, Argentina e vários países latino-americanos que são e continuarão sendo produtores de matérias-primas. O mesmo acontecerá com a Índia e outros países com altas populações. Os Estados Unidos e a União Europeia também devem agir em resposta a essa necessidade. E os países que produzem proteína animal e trigo, como a Argentina, serão beneficiados. Um processo que deve ser transformado em riqueza, renda e emprego para que os trabalhadores rurais e também a economia do Brasil e da Argentina possam beneficiar e não apenas alguns produtores que, com todo o seu mérito, são grandes produtores de trigo, proteína animal e soja e café e açúcar aqui no Brasil.
“O pior pesadelo para os brasileiros é imaginar uma eleição de Lula contra Bolsonaro.”
Sobre a passagem de Jair Bolsonaro pelo poder, você disse que “compramos um sonho e pegamos um pesadelo”. Quando você percebeu que o governo iria decantar para sua forma atual?
Muitos de nós cometemos o erro, compramos aquele sonho e recuperamos um pesadelo. Bolsonaro assumiu o cargo dizendo que era liberal, que não haveria corrupção, não haveria continuidade. Ele foi franco contra o estatismo. Mas ele não obedeceu. Convidou Sérgio Moro, então juiz, para ocupar o Ministério da Justiça e renunciou. Mas hoje ele é seu inimigo. Ele prometeu por meio de Paulo Guedes não nacionalizar. Mas a primeira privatização consistente está em seu quarto e último ano de governo, que é a Eletrobras, que estava pronta para ser nacionalizada em janeiro de 2019. O governo Michel Temer preparou aquela empresa para ser privatizada. Algo semelhante acontece com o Correio. Promessas que não são cumpridas e idas e vindas. Não se falou mais em privatização da Petrobras. Foi tudo parte do desastre de uma política econômica fracassada. O Brasil dobrou o número de desempregados. Tem 30 milhões de pessoas sofrendo hoje. 15 milhões de desempregados e 15 milhões de subempregados vivendo com uma renda mensal inferior a US$ 50 por mês. E ainda por cima, um governo negacionista que no final de 2019, quando em 28 de fevereiro de 2020 tivemos o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, descobriu que Bolsonaro era um anti-vacina genocida convicto.
Nesse ponto você concorda com Lula, que também o chama de genocida.
O Brasil perdeu 620 mil vidas. Metade desses brasileiros poderia estar vivo hoje se tivéssemos trazido mais vacinas.
Agora foi comemorado o aniversário da primeira vacina no Brasil.
Era um 17 de janeiro. Uma enfermeira me cumprimentou. Uma mulher negra foi a primeira pessoa a recebê-lo. Os brasileiros de São Paulo não hesitam nesse sentido.
Agora eles produzem a vacina.
Cerca de 110 milhões de doses de CoronaVac são feitas no Instituto Butantan, que tem 120 anos e é o maior produtor de vacinas do hemisfério sul.
Sobre a candidatura de Alkmin em 2018, você disse: “Não basta ser um bom candidato e ter uma boa proposta para ser um vencedor”. Como uma campanha vencedora deve ser estruturada para 2022?
É um conjunto de valores, que deve ser apresentado por um candidato. Também deve ser realizada com uma trajetória. Em São Paulo, temos um governo bem-sucedido e eficiente. Uma gestão com resultados.
Alkmin não tinha um governo para mostrar?
Prefiro não comentar Geraldo Alckmin, pois seremos rivais eleitorais. Respeitarei o período que antecedeu o governo de São Paulo. Mas temos gestão, uma história de defesa da democracia, da liberdade, da imprensa e dos princípios básicos da cidadania.
Você se considera um gestor melhor?
Eu mostro os números e dados.
Os encontros de Lula com Fernando Henrique Cardoso não revelam um deslocamento para o centro?
Fernando Henrique Cardoso foi duas vezes presidente do Brasil. E ele foi um presidente muito bom em ambos os mandatos. Fernando Henrique Cardoso e Juscelino Kubitschek foram os dois melhores presidentes do Brasil ao longo de sua história. Ele é um homem educado. Jamais deixaria de receber um ex-presidente para falar. Mas ele já disse que nos apoiará nas eleições presidenciais de 2022.
No longo relatório de 2020, você disse: “Pessoalmente, sempre lutei defendendo um governo de centro liberal, chamado centro-democrático, capaz de dialogar tanto com a esquerda quanto com a direita, mas longe de extremos”. Que espaço eleitoral esse centro tem hoje?
São necessárias pessoas que tenham resiliência, capacidade, força interior e determinação para apresentar suas propostas. É necessário um candidato que apresente propostas inspiradoras.
É mais difícil ser inspirador para aqueles que têm ideias centristas do que para os radicais.
Os radicais de esquerda e direita são populistas. O populismo é carne cultivada sobretudo para os mais pobres, os humildes; pessoas famintas ou desempregadas. Essas pessoas humildes que povoam nosso continente querem uma solução para seus problemas o mais rápido possível. É natural que tenham essa expectativa. Aconteceu na Venezuela, na Argentina, no Equador e na Nicarágua. No Brasil, saímos desse populismo retrógrado da extrema esquerda lulista do PT para esse populismo avassalador da extrema direita de Bolsonaro.
“Bolsonaro foi um grave erro da democracia brasileira.”
Há alguma diferença entre Lula e Chávez ou entre os Kirchner e Venezuela ou Equador?
Não são iguais, sim. Mas há uma base em que tocam, até os populismos de esquerda e de direita: não gostam de imprensa livre, democracia, não aceitam críticas, não querem oposição, são autocráticos e arrogantes.
Essa descrição corresponde ao governo de Alberto Fernández ou ao de Cristina Kirchner?
Não quero comentar a política de um país vizinho. Além disso, a Argentina é um país que aprecio e amo por motivos familiares. Quero dizer que é um erro do governo brasileiro não estabelecer relações permanentes e efetivas no plano econômico institucional. Se discute com o governo de Alberto Fernández devido a diferenças ideológicas e partidárias.
“Descentralizar a gestão é algo fundamental, que aprendi no setor privado.”
Você tem um bom relacionamento com Daniel Scioli, o embaixador argentino, que foi candidato a presidente.
É meu amigo. Ele esteve aqui várias vezes, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo em São Paulo. Quem permitiu que meu pai voltasse ao seu país foi Juan Domingo Perón. Meu pai o conheceu durante seu exílio na Espanha. Meu pai morava em Paris na época.
Você morava em Paris.
Estudei em Paris. Meu pai gostava da maneira como Perón se expressava. Ele o admirava, mas reconhecia seus defeitos. Perón fez o gesto, quando voltou à Argentina para lembrar de meu pai e o convidou para morar em Mendoza. Estamos falando de 1972, exatamente. Era uma época de controle estatal sobre os vinhos da região. Meu pai trabalhava lá. E por isso sou grato. Foi um gesto que permitiu que meu pai voltasse da França para a América do Sul.
As diferentes pesquisas concordam que hoje Lula dobra a intenção de voto de Bolsonaro, que ambos concentram cerca de 70% do total e os 30% restantes são divididos entre muitos candidatos de centro, que juntos teriam mais do que os votos de Bolsonaro para passar no segundo turno. O problema do centro é aderir?
Mas temos um longo período até as eleições. A primeira rodada será apenas em outubro. Os tempos políticos não são normais. Eles não se assemelham aos de jornalistas ou empresários. Um mês é uma eternidade na política. Fiquei surpreso quando me aproximei da política para competir.
Concorreu com Fernando Haddad, que na época era prefeito e era candidato do PT quando foi preso.
Lula estava livre na época e fez campanha para Fernando Haddad. Foi um bom Ministro da Educação. Havia também outros bons candidatos. Tenho respeito pelo Fernando Haddad, além do fato de estarmos em áreas diferentes. Durante a campanha éramos treze candidatos. Eu era o mais improvável de ganhar em uma mesa de apostas hipotética, porque não vinha da política. Mas ganhei com 53% quando oito meses antes das eleições, tinha 1%. Estamos agora a dez meses de distância.
Oito meses após a primeira rodada.
O líder da oposição na época tinha 38% e o segundo, justamente Haddad, tinha 24%. A terceira, a ex-prefeita Marta Suplicy, teve 17%. Esses 70% de que se fala agora não ganharam. Quem começou do 1% o fez. A política é assim.
Se Bolsonaro continuar caindo, não chegará ao segundo turno.
É o que todos nós esperamos. O pior pesadelo para os brasileiros é imaginar uma eleição de Lula contra Bolsonaro.
“Lula está próximo da extrema esquerda e meu espaço é o centro democrático social liberal”
Hoje é o que dizem as pesquisas.
Enquetes de hoje. Se as pesquisas fossem verdadeiras, não seria necessário fazer eleições, que, diga-se de passagem, implicam em um alto custo.
Ultimamente, eles estão muito errados.
As pesquisas têm um valor, mas não substituem o voto. Respeito as pesquisas, mas elas fornecem um instantâneo de um momento. Não o filme final.
No caso de um segundo turno, quem seria o melhor candidato? Você ou Sérgio Moro?
Não cabe ao candidato escolher quem ele gostaria de enfrentar no primeiro ou no segundo turno. Eu enfrentaria os candidatos que estão concorrendo e os respeitaria. Darei os debates que forem necessários, respeitando o calendário eleitoral e os horários.
Moro falou sobre uma eventual aliança com você: “Ele fez um bom governo em São Paulo. Trata-se de buscar os melhores nomes e transcender o que seria uma alternativa entre os extremos. Os verdadeiros adversários são os extremos. É muito possível que haja uma convergência para o futuro. Não necessariamente com ele, mas com todas aquelas pessoas que entendem que é preciso sair das opções extremas e buscar um caminho vigoroso”. Quando o nome de Doria é pesquisado no Twitter, o algoritmo também encontra “pessoas relacionadas”. Sergio Moro e Rodrigo Maia aparecem por lá. Essa arbitrariedade no Twitter indica alguma possibilidade de Sérgio Moro e você formar uma aliança eleitoral ou alguma forma de convergência de que Moro estava falando? Existe uma matemática eleitoral possível?
O voto soberano é o que decide, não a matemática. Tenho respeito pelo Sérgio Moro. Estou em um relacionamento, eu gosto. O mundo da política no Brasil não gosta de Sérgio Moro. Tenho respeito por ele, já disse isso várias vezes e também estabelecemos um entendimento de que mais tarde, provavelmente entre abril e maio, deveríamos ter uma conversa mais definitiva sobre a chamada terceira via para o Brasil. Não seremos antagonistas, não disputaremos. Falaremos no devido tempo.
Como você avalia a trajetória e o posicionamento dos casos Lula e do STF, que na época tiveram uma decisão e depois a alteraram? A política influenciou?
Faz parte das regras do jogo democrático. A democracia não é absolutamente segura, nem sempre justa. Não há nada absoluto, exceto Deus. Um tribunal supremo também comete erros. Um governador comete seus erros, assim como um presidente, um jornalista e um empresário, um atleta, ninguém está isento deles. É a natureza humana. Nosso compromisso é lutar para que a verdade prevaleça.
Há algo a criticar na gestão de Sérgio Moro, principalmente na relação com os procuradores e em especial com Delton Dallagnol?
Não sou a pessoa mais qualificada para responder. Um advogado, um magistrado ou um juiz podem formular uma resposta. Minha formação não é lei. Prefiro me abster dessa avaliação para não cometer uma injustiça.
Mais uma questão sociológica. O que a Lava Jato representa para os brasileiros? Na Argentina, a investigação dos crimes da ditadura marcou um antes e um depois. Hoje é uma frustração ou um orgulho?
Eles representam orgulho e frustração porque eu apoio a investigação de todos os pequenos, médios e grandes atos de corrupção. O Brasil não pode tolerar a corrupção nas áreas públicas e privadas. O Estado de direito deve ser respeitado, mas deve ser julgado. A corrupção é um grave dano à vida de um país de uma nação. Uma nação que não investiga seus crimes também é imoral. São necessárias figuras públicas que tenham comportamento. A verdade deve ser buscada, mesmo que doa.
O apresentador de televisão Luciano Huck analisou várias vezes a candidatura e nossa redação informa que está novamente analisando a possibilidade de ser candidato. O que você aconselharia se ele pedisse sua opinião?
Mantê-lo na Globo. Ele é brilhante, competente e não só tem público, mas também grande entusiasmo de quem acompanha sua carreira. Fui seu amigo por muitos anos. Ele é um jovem de grande valor. Não acho que ele deva ser candidato, ele acaba de assinar um contrato com a Rede Globo de Televisão para comandar o programa mais importante aos domingos, onde a emissora lidera.
“Guedes quebrou seu diploma de Chicago ao aceitar as receitas populares de Bolsonaro.”
Ele é um candidato para o futuro.
Alguém que a política pode abraçar.
Sobre a gestão de Jair Bolsonaro, ele disse: “Hoje temos até ameaças à própria democracia brasileira”. O atual presidente pode realizar ou promover qualquer tipo de ação comparável ao ataque ao Capitólio dos Estados Unidos uma vez conhecida a derrota de Donald Trump?
Eu diria que a democracia no Brasil dos últimos vinte anos é uma sobrevivente. O governo Bolsonaro ameaçou a democracia várias vezes ao longo de sua trajetória. Estou convencido de que ele não aceitará sua derrota, que a descreverá como uma fraude. Ele não vai admitir a derrota, como um bom covarde. Ele é um soldado covarde. Jair Bolsonaro está doente. Ele é um psicopata. Assumo o que digo: ele está doente com o navio de comando do Brasil. Ele não aceitará sua derrota. É possível que ele tente um golpe. Mesmo assim, não acho que isso ponha em xeque a democracia.
Como foi lida pelo centro político brasileiro a visita e participação de Lula no evento organizado pelo governo argentino para o Dia dos Direitos Humanos em 10 de dezembro passado?
Posso dar minha opinião. Existe uma relação histórica entre o lulismo e o cristianismo. Lula foi acolhido nessa atmosfera mais populista de esquerda. Lula aproveitou a oportunidade, recebeu o convite, porque achou que isso lhe daria ainda mais visibilidade na mídia. Faz parte da democracia.
Mas isso criou um problema entre o governo argentino e o de Bolsonaro.
Um problema que já existia antes.
Você disse na entrevista anterior que o Mercosul deveria ser reorganizado. Como você analisa as divergências públicas que Alberto Fernández e Jair Bolsonaro tinham sobre o assunto? Como seria a ligação com a Europa se você fosse presidente?
Em primeiro lugar, respeito ao governo argentino, quem quer que seja o presidente da Argentina. A geopolítica não deve ser governada por ideologias ou partidos, mas sim por nações e seus povos que possuem regimes democráticos. A democracia prevalece sobre os governos autoritários. Devemos estar perto da Argentina. O Mercosul precisa ser reavaliado. Foi esquecido durante o governo Bolsonaro. Embora a União Europeia tenha se fortalecido, enquanto o México e outros países, como o Chile, construíram importantes alianças com a Ásia e a Ásia e o mercado norte-americano. No Mercosul nos distanciamos de todos e começamos a fazer relacionamentos individualizados. Temos que reorganizar o Mercosul com outras bases. E, no caso do Brasil, com um novo presidente.
Um acordo entre o Mercosul e a União Europeia seria positivo?
Seria positivo. E necessário.
Em 2020 você falou do desafio que as futuras eleições nos Estados Unidos constituiriam. O que a ascensão de Joe Biden ao poder significa para nossa região e para o Brasil em particular? Como deve ser a relação com a China?
Deve ser uma relação institucional, democrática e respeitosa. Bolsonaro estava 100% errado. Como apoiava Donald Trump, fez manifestações concretas em vez de ficar calado antes das eleições de outro país. A escolha é uma questão. Não é apropriado tomar partido. Em seguida, ele disse que a vitória de Biden não era legítima. Ele incorporou as declarações falsas e mentirosas de Donald Trump e assumiu as versões fraudulentas. Carlos, Eduardo e Flávio, os três filhos de Jair Bolsonaro, promoveram um grande encontro da extrema direita norte-americana meses atrás, tomando partido deliberadamente de Trump. Isso, evidentemente, distanciou o Brasil de seu segundo maior parceiro comercial, os Estados Unidos.
Como você explica a chegada de um personagem como Bolsonaro à presidência do Brasil?
Não tem explicação. A democracia, apesar de seus erros, é o melhor dos sistemas. Não inventaram nada melhor que a democracia, mas erram e erraram gravemente ao eleger Jair Bolsonaro. Hugo Chávez foi eleito democraticamente na Venezuela.
Mas é incomparável. Chávez foi um presidente melhor para a Venezuela do que essa loucura genocida de Bolsonaro.
Diante dessas circunstâncias, deve-se reconhecer que diante dos grandes valores que a democracia instrui e projeta para o mundo. Bolsonaro foi um erro grave.
Como você analisa a região eleitoralmente? No Chile, venceu uma proposta que está entre a esquerda e a centro-esquerda. No Peru foi uma proposta mais à esquerda. Na Argentina era a centro-esquerda. O Chile foi um modelo de liberalismo para o próprio Bolsonaro e Paulo Guedes.
O Brasil perdeu seu status de referência, nem com Paulo Guedes e muito menos com Bolsonaro. É um país completamente isolado da geopolítica mundial, ele não se aproximou de Sebastián Piñera. É hostil aos Estados Unidos e à China. Assedia a Argentina e a União Europeia. Ele insultou a esposa de Emmanuel Macron, teve problemas com Angela Merkel. A política externa é uma soma de erros. Entre outras coisas porque não respeita a situação de cada país.
Mas há uma tendência à esquerda? Na Colômbia, eles poderiam ter um candidato competitivo pela primeira vez.
Não posso avaliar a situação na Colômbia, país pelo qual também tenho grande respeito. Gosto muito da Colômbia e do Chile, também tenho boas lembranças do Peru, principalmente por sua cultura. Já mencionei meu amor pela Argentina. Respeito todos os países. Como cidadão não posso falar sobre isso, mas como governador de São Paulo digo que mantemos boas relações, além das ideológicas.
Mas poderíamos dizer que, com exceção do Uruguai, se você fosse presidente, todos os governos que o cercariam seriam de esquerda ou centro-esquerda.
Para mim não faz diferença. Eu sigo com toda a sinceridade.
Há também a Bolívia.
A diferença está na atitude. Ter gestos de amizade e compreensão com as decisões de cada país. O único comportamento que eu pessoalmente não aceitaria de ditaduras é com ditadores e ditaduras.
Seriam Venezuela e Nicarágua.
E Cuba.
A gestão da saúde em São Paulo foi uma das mais bem-sucedidas do Brasil. No entanto, os partidos no poder em termos gerais não foram aprovados pelo eleitorado após o confinamento e a crise econômica. Em São Paulo, como seriam os resultados eleitorais hoje? Como eles influenciarão sua proposta eleitoral?
As pesquisas indicam isso de forma positiva. A vacina é vida e sinônimo de ciência e respeito à saúde e respeito à vida. Não há pessoa em sã consciência que seja contra a vacina. Não há pessoa em sã consciência que não reconheça que todos aqueles que contribuíram para a chegada das vacinas para a imunização das vacinas são a salvação de milhões de pessoas, não são respeitados pelo que fizeram e pela luta que tiveram comprometer-se a garantir a chegada da vacina. Isso será reconhecido pelo povo de todos os países, mesmo além dos resultados eleitorais.
Estamos em uma terceira ou quarta onda da doença. Como isso afetará as diferentes regiões do Brasil?
Esta é a quarta onda. É a mutação mais transmissível. Não é o mais grave. Na verdade, a Delta é mais séria. Mas a Ômicron é mais transmissível. Certamente desacelerará a recuperação econômica em todos os países do mundo. Obviamente, a população é maioritariamente vacinada em São Paulo. É de longe o estado mais vacinado do Brasil, se São Paulo fosse uma nação, seria o quarto país do mundo em volume de vacinação.
Que porcentagem de sua população é vacinada com ambas as doses?
É 78%. Também fizemos grandes avanços na vacinação de adolescentes e crianças.
Quarenta mil pessoas por dia solicitam internação por Covid em São Paulo por causa dessa nova onda. Você tem medo de que um colapso sanitário possa ser gerado e/ou você terá que restabelecer as limitações de circulação de pessoas?
Aqui não colapsamos nem nas fases mais agudas da primeira, segunda e terceira ondas. São Paulo está preparada e tem um forte sistema de saúde pública. Aqui temos quase 9.000 unidades de terapia intensiva na cidade e temos 19.000 unidades de terapia intensiva que funcionam aqui no estado de São Paulo e mais do que toda a Espanha, mais do que toda a Itália. É um sistema muito robusto, organizado e bem estruturado. Mas não há possibilidade de a situação entrar em colapso.
Ou que há fechamentos ou restrições?
Eu não posso dizer isso definitivamente. No momento não precisamos. Mas não podemos dizer que não será necessário no futuro. O vírus é imprevisível. Mas tenho certeza de que consultamos a equipe de cientistas.
Eles te dão tranquilidade. Eles são otimistas?
Eles falam comigo todos os dias. São eles que não dizem o que podemos fazer e o que não podemos fazer. Eu diria que eles são cautelosos.
Qual é a sua mensagem final para o povo e os políticos argentinos?
Quero agradecer por ter vindo ao Brasil para fazer esta entrevista. Tenho grande admiração por seu trabalho e de sua família, também no jornalismo, por sua resistência democrática em defesa da livre iniciativa. Reconheço aquelas vozes que trabalham pela tolerância. Também já comentei sobre meu amor pela Argentina, que recebeu meu pai no momento mais difícil da história do meu país. Meu pai faleceu em 2000, então eu o tenho particularmente em meu coração. Gosto da oportunidade de conversar com os argentinos, de visitar sua nação. E com você, que tem paixão pelo seu país.
*Produção – Pablo Helman e Natalia Gelfman.
*Por Jorge Fontevecchia – Cofundador da Editorial Perfil – CEO da Perfil Network.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.