arte e esporte

Breaking brasileiro faz história no jogos Pan-Americanos

Três dos quatro representantes do Brasil se classificaram para a fase final da competição em Santiago

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Rato, Leony e Mini Japa: os b-boys e b-girl que levaram o breaking brasileiro para a fase final dos Jogos Pan-Americanos (Crédito: Yusseff Abrahim/MEsp)

Quando a b-girl paraense Mini Japa enfrentou Sunny, dos Estados Unidos, abrindo as disputas do breaking no Ginásio Chinkowe, em Santiago, sob o jogo de luzes com scratchs e samplers contagiando o público, estava grafitada no muro da história a primeira batalha do breaking nos Jogos Pan-Americanos. Mas foi na sua segunda batalha que Mini Japa trouxe a primeira vitória do breaking do Brasil, por 2 x 0 contra a chilena Menta, que tinha os gritos da torcida a incentivando e colocando pressão nos jurados.

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“Quando começou isso tudo eu não era nem a primeira, nem a segunda nem a terceira opção. Eu tive que lutar por este lugar tanto na seleção quanto pra estar no Pan. Hoje percebi que fiz história, fui a primeira paraense e a primeira brasileira a fazer isso, com o alívio imenso de vencer e passar de fase”, desabafou a b-girl, que dança desde os 16 anos e se emocionou ao lembrar do tempo quando acordava às 4h da manhã todo dia para vender café, pão e bolo até às 9h ou 10h na condição de ambulante em Belém (PA), para sustentar seus sonhos, treinos e ajudar a família.

“Eu era ambulante, dou graças à Deus porque consegui pagar as minhas coisas no começo, viajar, mas tinha aquela incerteza da venda, se eu ia conseguir fazer um bom dinheiro ou não. Hoje eu posso só me preocupar com meus treinos”, disse Mayara Colins, a Mini Japa. A sua projeção fez outros patrocínios chegarem e hoje ela consegue viver inteiramente da dança.

“O Bolsa Atleta ajudou muito a gente do breaking. A gente só fazia dinheiro se estivesse em um projeto ou se ganhasse uma competição. Ter o dinheiro todo mês é um alívio, porque você consegue pagar passagem para ir pro treino, ter um lanche e almoço”, comentou.

Outra cria da Praça São Brás, em Belém (PA), local que abraça b-girls e b-boys que não têm local de treino, o ex-reparador de bicicletas Leony do Rosário Pinheiro, o Leony, que também classificou o Brasil para a fase final do Pan, mostrou a consciência de que traz consigo a responsabilidade de representar toda uma comunidade que precisa ser vista com mais respeito pela sociedade em geral.

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“Estar no Pan e o breaking ter virado esporte foi um passo enorme pra gente. Como cultura, o hip hop e o breaking já tinham todo esse potencial, já tinha circuito mundial, já vivíamos em campeonatos mundiais, mas estamos vivendo um momento importante para a exposição do breaking em jornais, TVs, internet e publicidade”, avaliou Leony, que tem pela frente nas quartas de final o canadense Phill, considerado o melhor do mundo.

Mesmo de olho na conquista da vaga para Paris 2024, Leony está feliz com a mobilização que sua presença em Santiago 2023 está provocando. “Hoje tenho amigos no meu bairro fechando bar pra me assistir e minha família inteira reunida numa casa. Isso é incrível demais pra cena e só me dei conta ao chegar aqui, com a quantidade de mensagem no meu celular”, comentou.

Como alguém que também foi questionado ironicamente se pretendia chegar a algum lugar com a dança, Leony deseja que o olhar da sociedade sobre os adeptos da cultura hip hop mude, especialmente no Norte.

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“Espero que, estando aqui, a gente comece a abrir um caminho pra melhorar. Se no Brasil é difícil, no Norte as dificuldades triplicam. Não somos considerados um polo do breaking, não recebemos grandes eventos, mas vencemos todas essas barreiras, contrariamos tudo isso e estamos aqui. Tem gente fazendo breaking no Norte”, definiu.

Estratégia mineira

Mais um representante do Brasil classificado para a fase final, Gilberto Araújo, o Rato, revelou que foram muitos os momentos em que questionou sua relação com a arte. “Tenho duas filhas, amo o que faço, mas um dia tô reclamando… no outro estamos tranquilos e fazendo de novo. Mas tem um episódio que lembro sempre: o dia em que estava dançando em um semáforo, onde por muito tempo fiz o dinheiro do dia a dia, em que eu machuquei o joelho e não tinha pra onde recorrer”, lembrou.

Recuperado, ele persistiu e hoje, com apoio da estrutura da seleção, do Bolsa Atleta Internacional e de outros patrocínios, comemora o momento de viver o retorno depois de uma vida de dedicação.

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“O breaking como esporte está abrindo portas pra gente que se acostumou a não ter reconhecimento, a gente que faz o corre sozinho. Agora temos fisioterapeuta, psicólogo que precisávamos há tanto tempo, fora o contato com toda a organização aqui, onde a gente percebe a diferença da leitura esportiva que um evento como o Pan faz de algo que fazíamos mais freestyle enquanto arte”.

Outra mineira de Uberlândia que completa o time brasileiro é Nathana. Ela não se classificou, mas foi fundamental na estratégia da equipe brasileira, na pontuação e na classificação de três brasileiros para a fase final, em especial da parceira de seleção Mini Japa.

Os brasileiros que batalham neste sábado por medalhas e pelas vagas para Paris 2024 – os campeões carimbam o passaporte, começam a vencer a luta silenciosa para virar a chave contra um condicionamento psicológico de desimportância, que a sociedade em geral impôs aos adeptos do hip hop. Depois de tanta resistência e dedicação pelo amor à arte, a hora da colheita pode ter chegado.

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“Só tive a dimensão dos Jogos Pan-Americanos quando cheguei aqui, quando cheguei no aeroporto e tem tipo uma escolta e todo mundo te tratando muito bem, com uma importância. Eu não tô acostumada com isso”, afirmou Mini Japa.

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