A crise financeira asiática de 1997, cujos efeitos também sentimos na América Latina, deu um primeiro impulso à coordenação e cooperação global para enfrentar uma economia mundial em apuros, e nasceu o G20. Uma década depois, em 2008, outra crise financeira elevou essa nova instância de governança econômica ao topo da hierarquia: surgiram as Cúpulas dos Líderes do G20.
Naquela época, para expressar a necessidade de um trabalho internacional conjunto diante da instabilidade do sistema inteiro, instalou-se esta analogia: a economia e o sistema financeiro internacionais são um “bem público global”. Já não havia lugar para soluções unilaterais na nova globalização.
Essa figura se torna mais evidente e atual em 2021, após quase dois anos de pandemia. Sob a presidência italiana, o G20 pode agora abrir um novo capítulo do fórum de países, no qual possa contribuir para a governança de outros bens públicos globais para além daquilo estritamente econômico-financeiro: a saúde das pessoas e do próprio planeta.
Nesse espírito, a Argentina tomou a iniciativa e convocou em setembro, na reunião de Sherpas do G20 em Florença, Itália (15 e 16 de setembro), o grupo de economias emergentes do fórum (Arábia Saudita, Brasil, China, Indonésia, Índia, México, Rússia, África do Sul e Turquia), um espaço tradicional de troca que a virtualidade havia deixado em segundo plano.
Desta vez, a presencialidade foi um veículo para identificar coincidências a partir da ideia de que a cooperação internacional não significa sacrificar interesses nacionais, mas inseri-los no quadro mais amplo de interesses coletivos.
Em Florença, os dois grandes desafios globais deste ano ficaram muito claros: como prevenir futuras pandemias e como abordar o nexo energias-mudanças climáticas, o que implica fazer uma transição para um modelo de produção e consumo econômico de baixo carbono.
Por um lado, a pandemia da Covid-19 demonstrou que, diante de doenças que se propagam além das fronteiras, não só são necessárias ações comuns, mas também investimentos em sistemas de alerta precoce, monitoramento e prevenção e, sobretudo, de um vigoroso sistema internacional de saúde.
O G20, organizações internacionais e especialistas em diferentes campos da saúde concordam que a atual arquitetura global de saúde não está preparada nem é a mais adequada para prevenir uma pandemia como a atual. Nem tem ela a capacidade de responder com rapidez e força quando surge a ameaça, algo evidente no caso da Covid-19.
A conclusão diante deste desastre global é que o sistema é complexo, está fragmentado e carece de supervisão adequada e rigorosa. Exige, também, financiamento suficiente para permitir a sua projeção no futuro.
“Foi proposto criar um Conselho de Saúde global para enfrentar futuras pandemias”
Novos tempos, nova agenda. O G20 é o lugar ideal para estabelecer e coordenar um mecanismo que promova o financiamento do sistema global de saúde e que integre os atores-chave, como, por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (OMS)?
Com base no modelo do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB), estabelecido pelo G20 após a crise de 2008 e que tem operado com sucesso, uma das propostas sugeridas por painéis de especialistas é a criação de um Conselho de Saúde global para conter os riscos de uma nova ameaça à saúde.
A proposta suscita, no entanto, questionamentos sobre o nível de representatividade e legitimidade que este Conselho de Saúde teria, bem como a oportunidade de criá-lo agora, quando a imunização contra a Covid-19 ainda não atingiu um nível ótimo em escala universal.
Mas também são necessárias ações coletivas para enfrentar o segundo problema-chave da época: as mudanças climáticas. Existem diferentes opiniões sobre os prazos para atingir os objetivos e como garanti-los. Também há discrepâncias nas abordagens para assumir os novos compromissos de redução das emissões de carbono com o grau de ambição necessário para que o mundo evite um aumento de temperatura de mais de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.
Como impactará a competitividade comercial o uso de instrumentos para sancionar processos de produção poluentes, como impostos, mercados de carbono ou outras regulamentações? Inevitavelmente, a sua adoção se traduz em aumentos dos custos de bens e serviços em relação a outros que não estão sujeitos às mesmas exigências.
Algumas instituições internacionais propõem a promoção de um imposto mínimo global para as emissões de carbono seguindo as diretrizes do acordo sobre a “alíquota global” para empresas multinacionais. Isso daria um sinal claro para redirecionar o investimento privado para a inovação tecnológica e a eficiência energética com base em um acordo multilateral.
Diante destes dois grandes desafios, o sanitário e o climático, surge claramente a necessidade de repensar qual é o papel do G20, quais são os mecanismos de cooperação internacional mais eficazes e, sobretudo, quais são as sinergias com outras instituições internacionais envolvidas.
Obviamente, o G20 não é chamado a substituí-las ou a renegociar compromissos assumidos em outros fóruns internacionais. Pelo contrário, e para garantir os resultados, tem por objetivo promovê-las através de uma demonstração de compromisso político para que exerçam o seu mandato, e desenhem ações concretas e coordenadas.
“Assim, o sucesso da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26) em Glasgow em novembro dependerá em grande parte do que acontecer na Cúpula do G20 em Roma no final de outubro.”
Neste contexto, é auspicioso que todos nós do G20 concordemos no que é central: cooperar não é uma opção, é uma necessidade. Não só em termos de saúde global, mas também para adotar medidas conjuntas contra as mudanças climáticas. Essas duas questões selarão o destino do G20 e a possibilidade de que este se torne um fórum de resposta aos bens públicos globais, para além dos econômico-financeiros.
*Por Jorge Argüello – Embaixador da Argentina nos Estados Unidos. Sherpa argentino no G20.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.