Com todos os canais diplomáticos esgotados, a invasão da Rússia na Ucrânia deu origem a um impressionante desdobramento de sanções econômicas, sem precedentes na história contemporânea, pelo Ocidente, mas principalmente por Washington. Em tempos de globalização, parafraseando von Clausewitz, a economia não será a continuação da guerra por outros meios?
Os Estados Unidos, menos dependentes do aprovisionamento energético russo do que as economias europeias – impuseram sanções às importações russas, promoveram a limitação das exportações para a Federação Russa e a saída de empresas norte-americanas, impuseram restrições aos movimentos financeiros dos bancos russos e bloqueou fundos de seu Banco de Reserva para acabar excluindo a Rússia de seu status de nação mais favorecida em suas relações comerciais. Simultaneamente, do ponto de vista geopolítico, Washington começou a implantar uma estratégia de recuperação e preservação de seu próprio espaço vital – a América Latina – agora definido como um jardim da frente, com reuniões de autoridades norte-americanas com Nicolás Maduro em Caracas e a visita do presidente Iván Duque à Casa Branca, ao mesmo tempo em que restaura sua primazia entre seus parceiros europeus.
Para os Estados Unidos, a Ucrânia não é uma área vital, mas é crucial consolidar a sua liderança no quadro da transição que o sistema global atravessa e afirmar alianças e laços com os seus parceiros transatlânticos, não só com vista à segurança, mas também com base em um possível confronto com a China, a ponto de propor a destruição da economia russa em retaliação à invasão.
Para os aliados europeus, a situação é mais complexa: por uma série de razões econômicas, a Ucrânia, mas também a Rússia, são cruciais para suas respectivas economias, tanto em termos de acesso a recursos energéticos quanto alimentares, e o comércio é muito maior com Moscou. Consequentemente, a vontade de promover sanções mais drásticas é mais limitada, sem contar que, apesar das aparências, a UE também não apresenta uma frente unida e consensual nesta questão. Apesar disso, a OTAN redescobriu o rumo da missão perdida com a implosão da URSS e impõe uma marca que começa a adquirir conotações claramente russófobas.
De qualquer forma, nenhum desses atores arrisca um confronto global com a Rússia e deixa a Ucrânia – além da retórica e do apoio financeiro, humanitário e armamentista – para lutar sua própria batalha pela sobrevivência. Tudo isso poderia ter sido evitado se os acordos de Minsk tivessem sido cumpridos.
Mas a invasão da Ucrânia também marca, devido às sanções econômicas, uma reaproximação mais dramática entre Moscou e China. Pequim, apesar de agir com cautela em relação à invasão, tem, junto com a Rússia, questionado as ambições e expansão da OTAN e, mais importante, é provavelmente o maior beneficiário das pressões econômicas ocidentais ao construir em torno de si um alinhamento crescente de atores relevantes que, graças à promoção da “globalização com características chinesas”, contribui para a consolidação de um espaço eurasiano com regras e instituições próprias.
É difícil avaliar até que ponto Pequim pode contrabalançar as sanções econômicas ocidentais contra a Rússia, mas é claro que sua estratégia atual depende de mecanismos e instituições financeiras como a Organização de Cooperação de Xangai, a União Econômica da Eurásia e a Nova Rota da Seda e delineia uma crescente diferenciação entre o Ocidente e o reino da Eurásia.
A lógica de poder de Putin que desencadeia a invasão da Ucrânia, no contexto do confronto com os Estados Unidos e a OTAN, colide com uma lógica económica que pode ter outros vencedores após o eventual desfecho da crise ucraniana, mas também pode ter perdedores inesperados.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.