Contar histórias para as crianças traz tanto benefícios fisiológicos quanto emocionais para elas. É o que provou um estudo inédito realizado com crianças de 2 a 7 anos, internadas em unidades de terapia intensiva (UTIs). Ao final de leituras de até 30 minutos, elas relataram sentir menos dor, passaram a encarar o tratamento de forma mais positiva e ficaram mais confiantes.
Os resultados do estudo do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal do ABC (UFABC), feito em parceria com a Associação Viva e Deixe Viver (Viva), foram publicados este mês na Proceedings of the National Academy of Sciences, periódico científico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
“[A contação de história] possibilita que, a partir do pensamento e da imaginação, a criança comece a habitar outro mundo, vá para outro mundo, o do personagem. Esse transporte que a narrativa permite, tira a criança daquele ambiente da UTI”, diz o pesquisador associado do IDOR e primeiro autor do estudo, Guilherme Brockington.
Pesquisa
A pesquisa foi realizada com 81 crianças, de 2 a 7 anos, internadas na UTI no Hospital São Luiz Jabaquara, da Rede D´Or, em São Paulo. Todas apresentavam condições clínicas similares e problemas respiratórios como asma, bronquite e pneumonia.
Cerca da metade delas (41) participou de um grupo no qual contadores voluntários da Associação Viva e deixe Viver liam histórias infantis durante 25 a 30 minutos. O outro grupo, de 40 crianças, participou de jogos com perguntas de enigmas e adivinhações propostas pelos mesmos profissionais e durante o mesmo intervalo de tempo.
Para medir os efeitos das intervenções, foram coletadas amostras de saliva de cada participante com o objetivo de analisar as oscilações de cortisol e ocitocina, que são, respectivamente, substâncias relacionadas ao estresse e à empatia. As amostras foram coletadas antes e depois de cada sessão. As crianças também realizaram um teste subjetivo sobre o nível de dor que estavam sentindo antes e depois de experimentarem as atividades, bem como realizavam uma tarefa de associação livre de palavras ao verem sete cartas com ilustrações de elementos do contexto hospitalar.
A análise dos dados mostrou que os dois grupos foram beneficiados. Os resultados do grupo que participou da contação de histórias, no entanto, foram duas vezes melhores do que o grupo das adivinhações.
“O que a gente acredita, pelo conjunto de evidências, é que esse elemento de conexão humana, de terem duas ou mais pessoas juntas conversando sobre a mesma história e compartilhando aquele momento, isso de fato tem se mostrado um elemento fundamental para ampliar esse poder da narrativa”, diz Brockington.
Trabalho voluntário
O fundador da Viva, associação que atua com contação de histórias em hospitais há 24 anos, Valdir Cimino, afirma que a intenção do grupo era, inicialmente, apenas promover a leitura entre crianças.
“Mas acabei vendo outros benefícios. Quando se entra em um quarto onde a criança está triste e se propõe uma atividade, isso já a tira da situação dolorosa, triste e chata. A criança, principalmente na faixa da primeira infância [etapa que vai de 0 a 6 anos], não entende porque ela está lá”, diz.
Segundo Cimino, as histórias ajudam os pequenos a passar por momentos difíceis. Em hospitais onde atuam, os contadores são parceiros no tratamento. “Nós somos prescritos, [atuamos junto à] área de psicologia, de assistência social. Quando percebem que a criança está triste, chateada, que precisa passar por um procedimento chato, eles nos alertam. Avisam que ela vai passar por processo doloroso e que precisa de coragem. Então, nós levamos alguns títulos e brincadeiras com as quais discutimos essa temática”, conta.
Apesar de não poder estar presencialmente nos hospitais, a associação segue com atividades remotas e leituras online. As transmissões têm atraído não apenas aqueles que estão em ambientes hospitalares, mas professores, famílias e outras pessoas, que acompanham de casa.
Leitura na pandemia
O estudo foi realizado em 2018, antes, portanto, da pandemia de covid-19. Brockington acredita, entretanto, que os benefícios verificados nos hospitais podem se transpor para outros contextos e ajudar mais crianças e famílias em casa, principalmente, agora, nesse momento de surto sanitário.
“A UTI guarda similaridade com o que as crianças estão vivendo. Estão em isolamento, estão longe dos amiguinhos, da família, dos avós, ficam restritos no mesmo ambiente, com incertezas e tensão por conta do vírus. Se pudesse incentivar os pais, os amigos e familiares a lerem mais, a contarem histórias, seria muito bacana”, diz o pesquisador.
(Agência Brasil)