A Câmara Municipal de Punta Arenas, no Chile, decidiu retirar o título de “cidadão ilustre” do ditador Augusto Pinochet e conceder o título de “filho ilustre” a Gabriel Boric. Essa ação inicia de forma simbólica e cultural um novo ciclo de vida política que se espera definitivo: a entrada do Chile no desenvolvimento capitalista com igualdade.
Há dois desafios para o presidente eleito e que afetam decisivamente seu próprio país e a região na qual a Argentina está inserida. Por um lado, se for capaz de consolidar seu conceito renovado de Estado de bem-estar social e finalmente instalar no Chile as reformas que garantam uma nova distribuição da riqueza. Por outro, se esse modelo poderá influenciar a região, não apenas nas próximas eleições, mas também na possibilidade factual de construção de um neodesenvolvimentismo de bases capitalistas de matriz distributiva.
Para isso, ele enfrenta dois contextos. No plano externo, a consolidação do que Juan Tokatlian chama de “internacional reacionária”. Essa organização – por enquanto de fato – reúne forças políticas que promovem dois elementos: um mercado entregue às suas próprias regras de concentração e desigualdade, e uma política com pretensões moralistas e restritivas dos direitos sociais em todas as suas dimensões.
Internamente, o jovem presidente terá que enfrentar o desmantelamento de uma construção de mercado-estado que consolidou um modelo econômico de exclusão, com uma elite concentrada que detém os meios de produção e sua contrapartida regulatória. Da mesma forma, construir o poder político –com apoio social sustentado ao longo do tempo– para levar adiante sua agenda de reformas estruturais baseadas no desenvolvimento distributivo.
Mas é no plano da política externa que reside o interesse da Argentina. Eis os primeiros sinais que colocam um passado de grande consistência e poder real em tensão com um futuro que começou nos protestos de 2019, consolidado na aprovação da reforma da Constituição e canalizado politicamente nas recentes eleições.
O quadro desta política bilateral está relacionado com a extensão da fronteira comum; trabalha em passagens de fronteira; o crescimento do comércio exterior em geral (com superávit para a Argentina de 2.381 milhões de dólares em 2021); exportações de gás em particular; o valor das moedas e as políticas monetárias que são aplicadas em relação ao seu impacto nas exportações acima mencionadas; e as alianças regionais e internacionais de ambos os países.
Como primeira preocupação, espera-se a “visita de Estado” (Lagos, Bachelet e Piñera) que o presidente faz à Argentina no quadro de “maior coordenação do sul da América Latina olhando para o mundo, a Ásia e potências como China e Estados Unidos, mas com autonomia política”, segundo o chefe de relações internacionais da coalizão. Se isso ocorrer, devem ser feitas declarações robustas que deem status de Estado àquelas feitas na campanha eleitoral em torno de diversos temas da agenda bilateral.
Por sua vez, a não aceitação do convite do presidente cessante como companheiro das cúpulas da Aliança Atlântica e do Prosur foi positiva, marcando um limite para a continuidade acrítica. No interior da frente, distinguem-se claramente os dois espaços regionais: um estratégico e outro “com claro sentido ideológico”.
Ao longo da campanha, Boric mostrou que tem plena consciência de uma questão que está anestesiada há anos em seu país como em toda a América Latina: o interesse nacional e que as políticas de Estado são de alguém e para alguém. Qualquer naturalização deles é a cristalização de interesses setoriais e não coletivos.
*Por Juan Pablo Laporte – Cientista Político e Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade de Buenos Aires.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.