de olho nos sobreviventes

Expedição verifica saúde da população de botos após seca extrema de 2023

As espécies alvo, tucuxi e boto-cor-de-rosa, estão ameaçadas de extinção

botos
Expedição irá analisar densidade populacional de duas espécies de botos ameaçadas de extinção – Créditos: Divulgação

A Sea Shepherd Brasil, uma organização não governamental de proteção à vida aquática, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), embarca na quinta missão da “Expedição Boto da Amazônia”.  A nova etapa da pesquisa científica que tem como objetivo determinar a saúde populacional e densidade de duas espécies de botos amazônicos, o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e o tucuxi (Sotalia fluviatilis).

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O estudo desses golfinhos, atualmente ameaçados de extinção, acontece desde 2021. No entanto, após a seca extrema de 2023, a operação ganhou um objetivo prioritário: verificar o quanto a mortalidade de botos afetou as populações para além das áreas de Tefé e Coari, onde foram identificados mais de 270 botos mortos.

A campanha contará com 10 cientistas experientes em técnicas de monitoramento e outras investigações, incluindo a Dra. Vera da Silva, pesquisadora do INPA desde 1981,  e Dra. Sannie Brum, líder do INPA na operação embarcada. Além disso, uma tripulação de 21 pessoas acompanhará a equipe na bacia fluvial da Amazônia.

Por cerca de 3 semanas, os ambientalistas estarão a bordo de um navio que percorrerá mais de mil quilômetros pelos rios amazônicos, incluindo o Solimões, lagos Tefé e Coari, Manacapuru, RDS Piagaçu-Purus, e Badajós. “Agora, essa expedição será mais necessária do que nunca.  Com as informações obtidas poderemos colocar uma luz em como secas extremas podem ter afetado as populações desses golfinhos em diferentes pontos da bacia amazônica, e em lugares que ainda não tivemos a chance de investigar”, afirma a Dra Vera da Silva.

Ameaças aos botos

Além da pesca incidental, poluição e perda de habitat, a maior ameaça aos botos têm sido o uso do seu corpo como isca para um peixe bagre chamado piracatinga. Mas, desta vez, as preocupações da expedição se estendem à uma nova ameaça – as mudanças climáticas.

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A seca histórica que assolou a Amazônia de setembro a novembro de 2023 matou milhares de peixes e 324 botos, segundo contagem final feita pelo Instituto Mamirauá e da UFAM de Coari. Diante disso, restam as seguintes dúvidas: qual o impacto dessa mortandade para as populações dessas duas espécies já ameaçadas de extinção? E quanto à pesca ilegal, a moratória é suficiente para  frear a criminalidade rio adentro, ou maiores medidas de fiscalização seguem sendo necessárias?

“Por 4 anos estivemos focados em entender como o boto estava ameaçado pela ação humana, dentre outros fatores, principalmente pela caça do animal para ser usado como isca. Com a vitória da proibição permanente da pesca da piracatinga, vem também uma nova ameaça, talvez a mais fatal de todas: a morte dos animais por ações naturais, que serão cada vez mais frequentes, e também pela interação forçada com humanos em rios mais estreitos, devido à seca extrema”, afirma Nathalie Gil, presidente da Sea Shepherd Brasil.

Secas na Amazônia

A seca extrema em 2023 revelou mais uma ameaça para o boto do rio Amazonas (Inia geoffrensis), o tucuxi (Sotalia fluviatilis) e também ao peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis). As secas extremas não são novidades na região, e até agora 2010 foi o ano que apresentou os piores danos ambientais para a região.

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No entanto, nota-se que o fenômeno de 2023 teve uma mistura de características que resultou numa ‘tempestade perfeita’ em termos do nível da água, temperatura atmosférica, radiação solar e, consequentemente, o aumento da temperatura da água. Essa conjuntura estimulou maiores níveis de eutrofização de microrganismos na água e, em particular, a proliferação de Euglena sanguine, algas conhecidas por produzirem uma toxina chamada “euglenoficina”. A substância pode causar perdas tangíveis aos peixes, mas também é conhecida por suas propriedades herbicidas.

É apenas uma questão de tempo até a próxima seca extrema na Amazônia. De acordo com o estudo “Transições críticas no sistema da floresta Amazônica”, publicado na revista Nature, a região está cada vez mais exposta a um estresse sem precedentes. A pesquisa estima que, até 2050, 10% a 47% das florestas amazônicas passarão por perturbações agravadas que poderão desencadear transições inesperadas nos ecossistemas, e potencialmente exacerbar as alterações climáticas regionais.

A ameaça da pesca

Há anos, os botos vêm sendo mortos para que sua carne seja usada como isca na pesca da piracatinga, um peixe bagre que se alimenta de carne em decomposição. A piracatinga, contudo, não é consumida no Brasil. Ela é exportada ilegalmente para a Colômbia, onde é considerada uma iguaria, mesmo tendo seu comércio proibido por conter altas concentrações de mercúrio e outros compostos tóxicos à saúde. Vale destacar que a morte intencional de botos é um ato ilegal desde 1988; portanto, seu uso como isca é uma prática permanentemente ilegal.

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Em 2015, foi estabelecida uma moratória temporária que proibia a pesca e comercialização da espécie no Brasil por cinco anos, período em que deveriam ser feitos estudos de impacto da pesca da piracatinga nas populações de boto e planos de gestão de pesca. Após o não cumprimento dessa determinação, a moratória foi prorrogada outras três vezes por períodos de um ano.

A Sea Shepherd Brasil se opôs fortemente à liberação dessa pesca. Depois de organizar inúmeras campanhas de apelo público e pressionar a gestão pública e grupos de estudos responsáveis, conquistou uma moratória de proibição da pesca da piracatinga por tempo indeterminado.

A ONG reuniu mais de 75 mil assinaturas em uma petição pela sua permanência. Porém, essa conquista não garante a solução do problema, visto que a pesca ainda acontece de forma ilegal e com muito pouca fiscalização. Não se sabe ainda como a medida foi recebida nas comunidades locais, se a proibição está sendo respeitada, se há mais esforços de fiscalização e, principalmente, se os botos ainda estão sendo mortos nesse tipo de pesca.

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