Direita x esquerda

A direita, a hegemonia e a falta de imaginação

*Por Gonzalo Fiore Viani – Bolsista de doutorado no Conicet.

A direita, a hegemonia e a falta de imaginação
Jair Bolsonaro e Donald Trump (Crédito: Mark Wilson/Getty Images)

Em um contexto global onde o extremismo de direita está crescendo, não é por acaso que algo semelhante acontece na Argentina. Ao contrário da direita tradicional, esses novos movimentos de extrema-direita alegam quebrar, em vez de preservar, o que já existe. Eles se aproveitam de uma espécie de vácuo: um dos principais problemas que a esquerda, o progressismo ou os movimentos nacional-populares apresentam hoje é a falta de imaginação para criar novos projetos ou representações. No fundo, a falta de audácia para procurar uma alternativa a um sistema que, como diz Francisco, “não aguenta mais”. Embora essa frustração existisse antes, a pandemia foi um catalisador que acelerou os processos. Nenhum partido no poder conseguiu vencer uma eleição nacional na América Latina desde março de 2020. Nos países latino-americanos, aqueles que chegaram ao segundo turno ou foram vitoriosos nem sequer pertencem a um partido tradicional.

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As duas últimas grandes eleições na região foram no Chile e na Colômbia. Em ambos, dois homens de fora do establishment político chegaram à votação. Em nenhum dos dois exemplos, o partido no poder entrou no segundo turno. No Chile, a saída da crise foi pela esquerda. Ainda não está claro o que acontecerá no país cafeeiro; no entanto, qualquer um dos dois candidatos rejeita categoricamente o sistema político que prevaleceu desde o final da década de 1950. O outro lado disso pode ser o Brasil, onde se espera que a experiência bolsonarista finalmente termine nas mãos de Lula da Silva. Paradoxalmente, ou não, Washington hoje parece se sentir mais confortável com um retorno do líder do PT do que com Jair Bolsonaro que eles consideram um Trump latino-americano.

O fenômeno libertário na Argentina não é alheio ao resto do mundo e à região. Com características próprias, replica o que acontece em outras partes do mundo. Os referentes internacionais dos libertários são variados. Eles oscilam entre a extrema direita populista, como Trump ou Bolsonaro, e os neoliberais clássicos da década de 1980. Tanto Reagan quanto Thatcher são referências políticas incontornáveis ​​para os jovens mais informados desse setor, que afirma ser a “nova política”. A direita tradicional-liberal local às vezes não sabe muito bem o que fazer com esse fenômeno. Por um lado, reivindica grande parte de suas ideias, mas, ao mesmo tempo, é desconfortável, gerando barulho e ressentimento dentro da coalizão de oposição do JxC. As constantes diatribes dos principais referentes libertários contra os radicais, que eles apontam como socialistas, não ajudam.

A extrema direita parece ter conseguido construir algumas chaves para sua consolidação: uma história unificadora, símbolos poderosos e uma aura de “rebeldia e incorreção” que atrai os jovens. Eles até levam conceitos gramscianos, como a “batalha cultural”. Curiosamente, ainda são características extremamente populistas dentro de um movimento cuja razão de ser autopercebida é combater o populismo. A alt-right está construindo um novo “senso comum” que gera quase tantos adeptos quanto alertas. Não é a primeira vez na história que movimentos extremistas buscam hegemonizar o debate.

Sem a construção de estados de bem-estar eficientes para estabelecer políticas igualitárias que vão além da lógica eleitoral, a política seguirá seu caminho de deslegitimação. Francisco é um dos principais inimigos desses movimentos, talvez porque seja incentivado a desenvolver uma alternativa real, que “não é precisamente mais individualismo, mas o contrário, uma política de fraternidade, enraizada na vida do povo”. É essencial recuperar a capacidade de realizar projetos políticos coletivos transformadores, com capacidade de resolver problemas específicos. Embora hoje pareça difícil até imaginar isso, como disse Mark Fisher: “Temos que inventar o futuro”.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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