*POR ALEXANDRE GOSSN

Eleições na Argentina: como Milei superou Massa e o que esperar do seu governo?

Suas promessas não são fáceis de serem executadas e muitas delas esbarram em garantias fundamentais e cláusulas pétreas da Constituição Argentina

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(Crédito: Perfil.com)

O primeiro turno terminou com Massa com 36% e Milei com 30%, isto é, os postulantes teriam que buscar os 34% dos votos úteis restantes e talvez alguns votos de eleitores que não compareceram.

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Mesmo obtendo a maioria de votos de Bullrich e do Macrismo, que eram em torno de 1/4 dos votos úteis, a missão de Milei nao era fácil: ele teria que virar 06 pontos e obter a maioria dos demais votos, quando sabemos que historicamente não é fácil virar eleições quando se perde no primeiro turno.

Mas Milei conseguiu o improvável e isso é mérito da sua campanha, que errou muito no primeiro turno e ganhou mais profissionalismo com a vinda do apoio de parte do macrismo na segunda etapa. Não se deve subestimar o que Milei fez: para vencer ele basicamente obteve em torno de 73% dos votos úteis que não foram dele e de Massa no primeiro turno, visto que o nível de abstenção foi similar (um pouco maior no primeiro turno).

Massa agiu corretamente (e como estadista) ao reconhecer a vitória do adversário, enquanto Milei disparou acusações infundadas de fraudes na véspera das eleições.

Mas e agora? O que esperar do mandato de Milei?

O primeiro ponto que não tem sido devidamente esclarecido pela mídia e pelo próprio Milei é que as suas promessas não são fáceis de serem executadas, e muitas delas esbarram em garantias fundamentais e cláusulas pétreas da Constituição Argentina, que como a brasileira e a maioria da Europa Ocidental que segue o modelo do direito romano germânico, são hoje cartas que mesclam liberalismo e social democracia.

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Vamos pontuar algumas delas:

Diminuição no número de ministérios: Milei poderá seguramente reduzir o número de gabinetes, pois esta, em princípio é uma medida que tem natureza de ato administrativo discricionário, contanto é claro, que a redução de ministérios não elimine com eles a consecução de direitos fundamentais. E isso nos leva ao item seguinte.

Extinção do ministério da saúde, educação e previdência social: esta extinção é problemática e Milei sabe que não pode cumprir essa promessa. As constituições de natureza social democrática consagram a saúde, a educação e a aposentadoria e demais benefícios previdenciários como direitos fundamentais, portanto, não negociáveis ou passíveis de extinção. Nem mesmo emendas constitucionais seriam aceitas. Aqui, Milei teria que derrubar 03 barreiras: são medidas impopulares em um país com tradição europeia de manutenção de Estado mínimo de bem estar social, depois não tem maioria no Congresso e apoio dos governadores das províncias e por último, a aprovação em eventual plebiscito como tem sugerido, dificilmente seria acolhida pela Suprema Corte, que deveria examinar a extinção de direitos à luz da constituição Argentina.

Revogação da lei que descriminaliza o aborto: Milei pode usar este assunto para abafar as crises econômicas que herdará e certamente as que também poderá provocar com eventual dolarização afoita e sem estrutura e preparação. Porém, com a composição atual do Congresso (com minoria peronista muito sólida) e da Suprema Corte, é improvável que Milei consiga voltar a tornar o aborto crime.

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Saída do Mercosul e não ingresso no BRICS: quanto ao Mercosul, não é simples sair. A Argentina tem muitas vantagens em estar no bloco e na proximidade com o Brasil. Parte do apoio de Milei veio do Macrismo e este tem por trás de si setores econômicos que ganham com a permanência no Mercosul, por isso, Bullrich e Macri não prometiam saída. Além disso, o Mercosul é regido por tratados que a Argentina subscreveu e sair dependeria não apenas de decisão do Executivo mas de ratificação pelo Legislativo, que dificilmente aprovaria tal medida. Quanto ao BRICS, é diferente: a Argentina não entrou ainda formalmente e portanto, não colheu benefícios deste grupo até o momento. O ingresso no BRICS seria bom ao Brasil, que teria um parceiro continental em um bloco cada vez mais asiático e africano, mas se Milei quiser melar este ingresso, seguramente pode e certamente agradaria a sua base mais histriônica ao fazê-lo, pois poderia anunciar com pompa e xingamentos à China o seu NÃO ao bloco.

Extinção do Banco Central e dolarização: esta é uma das medidas que Milei mais alardeia mas não é fácil de realizar. Para além do aspecto prático, ou seja, de ter dólares em caixa, algo que os argentinos historicamente sofrem com a escassez, Milei evita abordar os aspectos burocráticos desta empreitada: primeiro, ela é legalmente exequível? Os estudiosos sobremaneira divergem. Para alguns seria necessária apenas uma mudança legal pelo Congresso enquanto outros defendem uma emenda constitucional. Se Milei não terá sequer maioria simples no Parlamento, como aprovaria uma emenda constitucional sobre um tema tão espinhoso?

O drama do cinema argentino, o tango de Gardel e a natureza fantástica dos contos de Borges prosseguirão povoando a política Argentina.

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Essa é a minha aposta. A conferir.

 *Alexandre Gossn é escritor, Investigador Colaborador do Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, Pesquisador do grupo Europeísmo, Atlanticidade e Mundialização, Doutorando em Estudos Contemporâneos com foco nas Ciências Sociais, autor de FASCISMO PANDÊMICO, CIDADELAS & MUROS entre outros.

 ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Grupo Perfil Brasil.

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