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No Chile as urnas aposentaram os dinossauros da política

Published 03/08/2021
No Chile as urnas aposentaram os dinossauros da política

Gabriel Boric após vencer as eleições presidenciais primárias em 18 de julho de 2021 em Santiago, Chile (Crédito: Marcelo Hernandez/Getty Images)

Depois dos resultados na eleição dos constituintes há dois meses, o Chile volta a surpreender nas urnas, e os dinossauros da política foram aposentados. Nas primárias presidenciais, tanto na direita quanto na esquerda, os resultados contrastaram com as pesquisas anteriores, e os favoritos ficaram atrás dos candidatos da renovação, tendência crescente na América Latina, à luz também do resultado peruano.

O jovem deputado de esquerda Gabriel Boric, de 35 anos, venceu o prefeito comunista de Recoleta, Daniel Jadue, com 60,43% contra 39,59% dos votos, segundo os resultados oficiais. E pelo partido governista, o advogado independente Sebastián Sichel, de 43 anos, o único dos quatro candidatos sem partido, venceu o economista da UDI Joaquín Lavín, que era o consagrado pelo espaço, por 49,08% a 31,31%.

Candidato

Boric representa a nova geração de legisladores que tem abalado a política chilena. Ele se tornou conhecido em 2011, enquanto liderava protestos em todo o país, pedindo educação gratuita e de qualidade. Ele então concorreu com sucesso a deputado da Câmara Baixa em 2013 e foi reeleito para o seu segundo mandato em uma votação esmagadora.

Mais recentemente, ele ajudou a forjar um acordo político para um referendo sobre a Constituição do país. “Não tenham medo de que os jovens mudem este país, porque também bebemos da experiência daqueles que lutaram antes de nós”, exortou Boric a seus seguidores na noite de domingo, após superar Jadue.

“As pessoas viram que Jadue era radical e intransigente em suas propostas e acabaram associando-o a práticas políticas que hoje são rejeitadas”, explica Kenneth Bunker, analista político e fundador do site de pesquisas eleitorais Tresquintos.cl. “Boric mostrou-se muito preparado nos debates, com capacidade de dialogar e de chegar a acordos, e as pessoas sabem que mudanças e melhorias são alcançadas com acordos. Da mesma forma, Lavín perdeu porque as pessoas querem rostos novos, não querem mais os políticos tradicionais, querem gente mais jovem. E as pessoas viram em Sichel uma renovação”.

Sichel, 43, tem tentado ampliar o seu apelo concorrendo como um candidato independente, ao mesmo tempo em que fortalece seus laços com os partidos conservadores. Em 2018, ele foi contratado para ajudar a administrar a agência de desenvolvimento econômico Corfo, e mais tarde liderou o Ministério de Desenvolvimento Social, onde ajudou a estabelecer um programa de transferência de renda emergencial para famílias pobres. “Somos uma coalizão que se prepara para vencer as eleições presidenciais”, afirmou Sichel. “Sentimos que o projeto que representamos para o Chile, de justiça e liberdade, é o melhor projeto para os chilenos”, acrescentou.

Participação

A exemplo do que aconteceu na eleição dos constituintes, a participação dos chilenos nas urnas foi baixa. As PASO chilenas convocaram apenas 21% do eleitorado: o país tem um histórico de abstenção estrutural (a única figura capaz de convocar maiorias foi a socialista Michelle Bachelet, que governou duas vezes: de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018).

E a eleição, segundo diversos analistas, não aponta apenas para a renovação, mas para a consagração de candidatos moderados de seus respectivos setores políticos, marcando a necessidade dos chilenos de fechar a rachadura no seu país, que vai muito além dos protestos de 2019: é a primeira vez na história da democracia chilena em que há candidatos presidenciais que ainda não haviam nascido quando ocorreu o golpe de Estado de Augusto Pinochet, em 1973.

No entanto, o baixo comparecimento deixa o palco suficientemente aberto como para que haja uma surpresa como a que aconteceu no Peru: as candidaturas dos extremos, como José Antonio Kast, da direita doutrinária, e o prefeito de Valparaíso, Jorge Sharp, pela Lista del Pueblo (partido dos independentes antissistema), continuam de pé e têm um número crescente de seguidores.

Nessas primárias, a esquerda levou 1.750.145 eleitores às urnas, bem acima da direita, que atraiu 1.343.578 pessoas. Mas esses valores podem mudar até o próximo dia 21 de novembro, quando deve ocorrer a eleição presidencial: se houver segundo turno, o que é altamente provável, será no dia 19 de dezembro. Quem vencer substituirá Sebastián Piñera a partir de março de 2022. E o próximo governo terá em suas mãos a missão de implementar as normas da nova Constituição.

Tranquilidade

Para os mercados, o triunfo dos candidatos de centro foi uma boa notícia. E desempenho do peso chileno superou os seus pares regionais após um cenário político mais benigno, depois de que o candidato da esquerda favorito nas pesquisas, Daniel Jadue, sofresse uma derrota surpreendente nas eleições primárias: a moeda chilena subiu 0,1%, a 760 pesos por dólar. Jadue é considerado um esquerdista radical que poderia propor grandes reformas com resultados imprevisíveis, o que nunca é bem-vindo pelos investidores.

Enquanto isso, as ações chilenas resistiram frente a liquidações globais: o índice de ações de referência do Chile subiu 1,6% nas negociações, o maior ganho do mundo, enquanto os rendimentos dos títulos do governo caíram.

Sebastián Piñera saudou e apoiou os dois candidatos, endossando que haverá cooperação na transição com quem for eleito: “Parabenizo Sebastián Sichel pela sua grande e esperançosa vitória. Agradeço a contribuição de todos os candidatos do Chile Vamos. E parabenizo Gabriel Boric pelo seu triunfo no Apruebo Dignidad”, escreveu o presidente em sua conta no Twitter.

Sichel, ex-ministro de Desenvolvimento Social do atual governo, disse que “chegou a hora de mudar a história”. “É a hora das pessoas comuns; adeus à política de gravata e bem-vindos à política dos bototos (sapatos de trabalho)”, declarou Sichel durante seu discurso de vitória em Santiago. E acrescentou: “O Chile Vamos é a partir de hoje um só partido, uma coalizão que se prepara para uma eleição em conjunto, criando um projeto de justiça e liberdade para os chilenos, para criar um futuro melhor”.

*Por Maximiliano Sardi – Editor de Internacionais.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Notícias, da PERFIL Argentina.

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