Chile, a juventude e a nova democracia

Para os jovens, a democracia representativa do século XX não resolve os seus problemas, não equilibra forças, não lhes garante uma verdadeira igualdade de oportunidades, e, o sistema os perceba como um risco, são criminalizados pelo poder punitivo

Chile, a juventude e a nova democracia
(Crédito: Marcelo Hernandez/Getty Images)

Se o Chile se transforma, não é devido ao seu sistema constitucional e aos mecanismos preestabelecidos para canalizar institucionalmente a participação e as reivindicações dos cidadãos, se o Chile muda, é devido ao histórico protesto popular que começou em meados de 2019 com a juventude e a nova democracia.

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Não foram as “molas institucionais”, foram as grandes mobilizações que resistiram a uma repressão brutal. Foram os milhares de jovens e estudantes que saíram às ruas e ocuparam cada praça de Santiago, deixando os seus olhos para que os outros pudessem ver.

Foram eles – espancados, mutilados, perseguidos e presos – os que conduziram o Chile a um plebiscito e à Convenção Constituinte para pôr fim a uma Constituição política elaborada na plenitude da ditadura de Pinochet.

Os jovens foram os protagonistas dessas manifestações, os estigmatizados, os subestimados, os que muitos descrevem como distraídos com as selfies e as redes.

Foram os jovens, para quem a desigualdade sempre esteve fora de controle e para quem o sistema atual nada fez senão esmagá-los e transformar as suas vidas em pura dificuldade. A tal ponto que parte da população mundial jovem, incluindo a do Norte global desenvolvido, não pode garantir aspectos elementares de um futuro em que estudar não implica mais necessariamente encontrar trabalho.

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Para os jovens, a democracia representativa do século XX não resolve os seus problemas, não equilibra forças, não lhes garante uma verdadeira igualdade de oportunidades, e, o sistema os perceba como um risco, são criminalizados pelo poder punitivo – lembremos que periodicamente volta à tona o debate sobre a redução da maioridade penal –, mas vai ainda além disso, porque aquela democracia que não os contém também não é capaz de resolver o gravíssimo problema ambiental: uma verdadeira prioridade para esta geração.

Consequentemente, a sua confiança no sistema político se deteriora dia após dia, pois diante de seus olhos a primitiva democracia liberal – baseada na representação tradicional por partidos – tem consistido basicamente em um desfile de políticos incapazes de evitar a constante deterioração econômica de suas vidas, das suas famílias, dos seus amigos, seus professores e seus avós; o que se expressa em um forte desencantamento em relação aos mecanismos tradicionais de mediação política.

Por isso, as formas de intermediação são entendidas por eles como parte do problema e os partidos políticos clássicos são percebidos como velhas burocracias ou como empreendimento privados quase-empresariais comandados por determinados setores ou indivíduos com suficiente poder econômico e midiático.

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Por tudo isso, a geração Z é a primeira que viveu sempre a típica democracia partidária como mera disputa eleitoral pelo poder público em paralelo a uma progressiva deterioração da sua qualidade de vida.

Nesse contexto, a democracia representativa diante do olhar dessa geração Z, foi exposta pela sua fragilidade; isto é, como um sistema baseado em mecanismos rudimentares e práticas políticas úteis para ordenar o tabuleiro burocrático e institucional, mas débil na resolução dos problemas reais.

Em suma, não é de estranhar que o atual formato representativo desenhado há quase dois séculos não conte com suficiente confiança por parte dos jovens, e é por isso que os protestos se repetem cada vez mais, mesmo no Norte global.

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Por fim, tudo isso gerou altos níveis de frustração com o risco de inocular naquela geração um forte pessimismo que vai além das formas de governança, pois está sendo gestado um pessimismo no nível antropológico e uma forte desconfiança no homem, o que abre para nós panoramas desconcertantes.

*Por Guido Risso – Professor adjunto regular de direito constitucional, Universidad de Buenos Aires.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

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*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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