Opinião

Produto Interno Bruto não expressa nosso bem-estar

*Por Jaime Duran Barba – Professor da GWU. Membro do Clube Político Argentino.

Produto Interno Bruto não expressa nosso bem-estar
(Crédito: Canva Fotos)

O Produto Interno Bruto não expressa nosso bem-estar como na época em que o mundo virtual não existia. O que Robert Kennedy disse “o PIB não inclui a beleza da nossa poesia, a inteligência do nosso debate público”, é atual. Não mede nossa inteligência, nem nossa coragem, nem nossa sabedoria, nem nossa compaixão, nem nossa devoção. Em suma, mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena.

Publicidade

Os números econômicos não registram o efeito em nossas vidas de bens digitais e outros intangíveis não monetizados, que são o principal motor da transformação da espécie. Não podem comparar a mudança em minha vida, desde quando escrevi minha tese de pós-graduação sobre a poesia de Omar Khayyam em uma máquina de escrever, usando papel carbono para fazer uma cópia, até agora quando escrevo este artigo em um computador, consultando constantemente dados na Rede.

MÚSICA E LIVROS

Quanto à música, as vendas de discos quase desapareceram nestes anos, mas hoje mais cópias de músicas estão sendo vendidas do que nunca, a um preço reduzido. Além das vendas, uma grande quantidade de músicas é espalhada por sites de download gratuitos ou piratas. A música muda o cérebro das pessoas, torna a vida diferente, inunda a realidade física e virtual com uma qualidade antes inimaginável. Qualquer estudante possui mais música do que um colecionador sofisticado tinha vinte anos atrás, mas nada disso aparece no Produto Interno Bruto.

“Existem muitos indicadores importantes de progresso que a economia não registra.”

Aqueles de nós que amam livros gastam muito tempo e dinheiro para obtê-los. Antigamente essas eram minhas maiores despesas: conseguir os livros e as músicas que me interessavam. Quando eu era estudante, gostava de viajar para o México ou Buenos Aires, para visitar as maiores livrarias do continente na época, Ghandi e El Ateneo. Mais tarde, visitaria as antigas livrarias da Rua Donceles, no México, e da Avenida Corrientes, em Buenos Aires, em busca de edições raras de meus textos favoritos.

Publicidade

Hoje compro as últimas publicações de que falam o New York Times, o Washington Post ou a revista New Yorker, publicações que consulto todas as semanas. Posso baixar gratuitamente milhões de e-books e os últimos trabalhos acadêmicos das melhores universidades que ainda não foram publicados. Continuo procurando meus livros antigos e o Mercado Livre os entrega em casa.

Leio jornais de todos os países que me interessam. Se não estiverem em espanhol, português ou inglês, posso traduzi-los de qualquer outro idioma em poucos minutos. Temos mais livros do que nunca, mas isso não aparece nas contas. A tendência da economia em muitas áreas é para o fornecimento gratuito de bens virtuais.

MULHERES E MILITARES

Existem outros indicadores importantes de progresso que a economia não registra. Até alguns anos atrás, a discriminação contra as mulheres ocidentais era total e até 1960 os afro-americanos não podiam entrar no mesmo ônibus que os caucasianos no Alabama. Atualmente, as mulheres participam ativamente da sociedade em todos os aspectos e os Estados Unidos tiveram recentemente um brilhante presidente afro-americano.

Publicidade

Em nossa cultura, poucos interferem na vida sexual dos outros, discriminam os divorciados ou perseguem os outros por suas preferências sexuais. A maioria respeita mulheres, crianças, idosos, deficientes e transeuntes, quando estão na fila ou quando usam a faixa de pedestres. Ainda existem discriminações latentes, mas as concepções reacionárias de vida que eram difundidas até recentemente tendem a desaparecer.

Em geral as pessoas acreditam no respeito aos direitos humanos, existem tribunais internacionais que punem os transgressores. O abuso de poder para exercer vinganças pessoais ou perseguir adversários ocorre, no Ocidente, nos países e áreas mais atrasadas da América Latina.

Desde o fim da Guerra Fria, as ditaduras militares acabaram. Hoje em dia, as Forças Armadas detêm a loucura de autoritários como Jair Bolsonaro no Brasil ou Pedro Castillo no Peru. Em geral, os comandantes militares evoluíram e respeitam a democracia, e também sabem que, se repetissem as atrocidades do século passado, acabariam pagando por seus crimes em tribunais internacionais.

Publicidade

Ainda há lideranças tribais que não cumprem as resoluções da Justiça e impõem seus caprichos sem respeitar a divisão de poderes, mas tendem a desaparecer. Eles geralmente acabam condenados por seus delírios em tribunais nacionais ou internacionais.

A EXPECTATIVA DE VIDA AUMENTOU NO SÉCULO XX

Em 1900 o mundo tinha cerca de 30 anos, hoje está perto dos 70 e em breve ultrapassará os cem. Em 1900 havia um descompasso entre a expectativa de vida dos países desenvolvidos, que girava em torno de 50 anos, e a dos mais pobres, em torno de 26 anos. Atualmente nos mais ricos são 83 anos e nos subdesenvolvidos em 76. É evidente que o progresso permanente na nanotecnologia e na medicina provocará uma ascensão perpendicular.

Espera-se que em 2050 o progresso das ciências médicas permita aumentar a esperança de vida para mais de duzentos anos, melhorando também a qualidade de vida dos idosos. Os processos de envelhecimento vão desacelerar, depois parar e, finalmente, reverter, graças aos avanços da nanomedicina, que está criando máquinas microscópicas que viajarão por nossos corpos reparando danos no nível celular.

Publicidade

Ray Kurzweill disse em “The Singularity, the Age of Intelligent Machines“, que além da lei de Moore, o desenvolvimento da computação cresceria exponencialmente, impactando a velocidade dos avanços na ciência e na tecnologia.

No mundo dos computadores, particularmente com o desenvolvimento dos computadores quânticos, estamos perto de ter máquinas imensamente mais potentes, numerosas e baratas do que hoje.

A cada dia, mais máquinas passam no teste de Turing, provando ter uma capacidade igual à dos humanos em termos de inteligência, autoconsciência e riqueza emocional. Podem realizar a maior parte das tarefas intelectuais do ser humano, são emocionais e autoconscientes.

MÁQUINAS

Andrés Oppenheimer escreveu recentemente sobre o novo chatbot de inteligência artificial ChatGPT no mercado. Ele relatou que esse “novo assistente virtual escreve e-mails, trabalhos acadêmicos, redações escolares, planos de negócios, estratégias de marketing, notícias, enredos de filmes e responde a perguntas dos clientes em qualquer estilo que perguntarmos. Assim como o mecanismo de busca do Google responde a uma pergunta oferecendo uma lista de notícias ou ensaios que devemos ler para obter respostas, esse assistente robótico lê todos esses artigos, os digere e escreve a resposta no estilo que quisermos.” Pode parecer que foi escrito por um professor universitário ou lido como se tivesse sido criado por uma criança de 7 anos, dependendo do nosso pedido.

É improvável que venha um confronto das máquinas com os seres humanos. Na prática irão se complementar, como já acontece: os implantes cibernéticos nos melhoram, nos dotam de novas capacidades físicas e cognitivas e nos permitem interagir melhor com as máquinas.

UMA NOVA ESPÉCIE DE CIBORGUES ESTÁ NASCENDO

A evolução continua e a singularidade é mais um passo nessa saga, está entre nós e em breve inundará todas as realidades devido à velocidade da transformação tecnológica.

Para estudar a velocidade da mudança, os especialistas criaram uma unidade composta pela soma dos avanços dos seres humanos desde a origem da espécie até o primeiro século do Ocidente. Dobrou em 15 séculos, de modo que em 1500 tínhamos duas unidades. As duplicações posteriores vieram em 1750, quando atingimos quatro unidades, em 1900 tínhamos oito, em 1950 atingimos 16. A aceleração do crescimento do conhecimento é geométrica, não aritmética. Em janeiro de 2015 tínhamos 256 unidades, que dobraram em seis meses.

A quantidade de informação existente em 2016 era de cinco zetabytes, ou seja, um cinco acompanhado de 23 zeros. Para traduzi-la em livros, teria sido necessário imprimir textos suficientes para fazer 4.500 pilhas que vão da Terra ao Sol. Entre 2014 e 2016 essa informação dobrou e chegou a dez zetabytes. Ao final daquele ano, para representar o aumento do conhecimento, seriam necessárias 9 mil pilhas de livros entre a Terra e o Sol. Em dois anos dobramos tudo o que existia desde a origem da espécie, em um ano dobre-o novamente e teremos vinte zetabytes à nossa disposição.

Não estaremos nos afogando em tanta informação porque a capacidade das máquinas de processá-la aumenta em um ritmo mais rápido. Como diz Harari em Homo Deus, terminamos o século 20 com mais poderes que os deuses gregos e terminaremos o século 21 com os poderes dos deuses monoteístas.

Essa vertiginosa mudança ocorre nas máquinas que estão em nossos bolsos, em nossas casas, a inteligência artificial e a Internet das Coisas farão desaparecer grande parte das ocupações atuais. Enquanto isso, a maioria dos políticos tradicionais aluga, em suas campanhas, locais para fumar e jogar cartas. Costumes antigos que morreram em outro momento da história, como cinco ou dez anos atrás.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

Siga a gente no Google Notícias

Assine nossa newsletter

Cadastre-se para receber grátis o Menu Executivo Perfil Brasil, com todo conteúdo, análises e a cobertura mais completa.

Grátis em sua caixa de entrada. Pode cancelar quando quiser.