
Em um episódio recente da vida de Paul Skye Lehrman e Linnea Sage, um simples passeio de carro se transformou em uma experiência surreal e perturbadora. O casal, ambos profissionais de dublagem, ouviu suas próprias vozes sendo usadas em um podcast sobre inteligência artificial e suas repercussões na indústria do entretenimento.
Lehrman e Sage contaram à BBC que estavam ouvindo uma entrevista com um chatbot, cujo software transforma texto em fala, quando foram surpreendidos pela familiaridade das vozes. O choque foi tão grande que tiveram que estacionar o carro. “Era a minha voz discutindo como a IA pode destruir a indústria do entretenimento. Foi assustador”, relembra Lehrman.
Inteligência artificial e a clonagem de vozes
A descoberta levou o casal a investigar por horas até encontrarem a plataforma Lovo, que transforma texto em fala. Ali, Sage também encontrou uma reprodução da sua voz. “Foi impressionante e inacreditável. Uma empresa de tecnologia roubou nossas vozes, fez clones e as vendeu talvez centenas de milhares de vezes”, lamentou-se Sage.
O casal decidiu processar a Lovo, mas a empresa ainda não respondeu às ações e aos pedidos de comentários. A Lovo teria conseguido recriar as vozes através de gravações que Lehrman e Sage forneceram para pesquisas de “síntese de fala” no website Fiverr.
De acordo com o casal, eles forneceram gravações de voz para um usuário anônimo no Fiverr, sem saber que seriam usadas para criar clones. Cada um recebeu entre US$ 400 a US$ 1.200 pelo trabalho, acreditando que os arquivos seriam usados apenas para fins de pesquisa interna. “Foi tudo sob falsos pretextos”, afirmou Lehrman.
AI, regulamentação e direitos autorais?
A professora Kristelia Garcia, especialista em direito da propriedade intelectual, relata à BBC que vê o caso como uma questão de direitos de publicidade e possíveis violações de contrato. Esses direitos incluem abuso ou desvirtuamento da voz ou imagem de uma pessoa.
O casal espera que outros se juntem à ação coletiva contra a Lovo. No entanto, até agora, nenhum outro demandante se apresentou. Garcia afirma que a situação pode se enquadrar em uma quebra de contrato: “As licenças são permissões de uso restrito e muito específico”, explicou.
Os demandantes alegam que a empresa usou as gravações sem permissão. No entanto, a Lovo nega qualquer ato ilícito, citando as comunicações como evidência.
Vale ressaltar que esta não é a primeira ação judicial contra empresas que utilizam IA de maneira questionável. Artistas, escritores, ilustradores e músicos têm lutado para manter o controle sobre seu trabalho. Em setembro de 2024, a empresa Klarna anunciou o uso de IA para reduzir a equipe pela metade, prevendo-se que 40% dos empregos serão impactados pela IA.
Para Lehrman e Sage, a preocupação com o futuro é sentida de maneira bastante pessoal. “Toda essa experiência parece surreal. Pensamos na IA ajudando em tarefas domésticas, não explorando nossos esforços criativos”, desabafou Sage.