PERFIL ARGENTINA!

América Latina: o futuro da região está em jogo!

*Por Jaime Duran Barba, Professor da USP e Membro do Clube Político Argentino

O futuro do país está em jogo no Brasil
América Latina: o futuro da região está em jogo! (Crédito: Pablo Temes)

Neste domingo (02) acontecem as eleições presidenciais no Brasil, que têm grande impacto no continente – pelo tamanho do país e pelo que Luiz Inácio Lula da Silva representa simbolicamente.

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Generalizações que colocam presidentes e dirigentes de “esquerda” ou “direita” no mesmo saco são equivocadas e levam a sérios erros de interpretação. Assumir que Boric, Petro, Lula e AMLO são frutos do Castrochavismo é um absurdo.

Castro e Chávez morreram há muito tempo, Venezuela e Cuba não têm a importância que tiveram anos atrás, os campos de concentração para homossexuais que Che Guevara montou agora seriam vistos como uma aberração. O tempo passou, são os fenômenos sociais dos países que explicam o que está acontecendo com sua política.

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Lula não tem dezenas de milhares de votos porque Maduro o apoia, mas pelo que ele foi e representa. Ele falhou três vezes como candidato presidencial, passando de um discurso inicial agressivo para uma comunicação cheia de otimismo. Quando finalmente chegou ao Planalto, presidiu um governo que, em vez de se dedicar a criticar seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, soube aproveitar suas conquistas para dar um salto.

Segundo o Banco Mundial, durante seu governo, o país triplicou seu PIB per capita, ao mesmo tempo em que vinte milhões de brasileiros saíram da pobreza. A política de juros, carga tributária, responsabilidade fiscal, relacionamento do governo com o Banco Central e relacionamento com o Fundo Monetário Internacional seguiu o rumo traçado pelo governo FHC.

O governo alcançou resultados econômicos notáveis, como baixa inflação, crescimento do PIB e redução do desemprego. O Brasil estava entre os países democráticos mais desenvolvidos do mundo. Isso não ocorreu só porque o preço das commodities subiu, Lula fez alguma coisa para conseguir isso.

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Nesses mesmos anos de prosperidade, os militares venezuelanos quebraram um dos países mais ricos do continente, inundado de petrodólares; na Argentina, os problemas sociais se agravaram à medida que uma família, seus motoristas, jardineiros, secretários, contadores e amigos ficaram ricos.

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Se, no atual governo de Cristina Fernández, o PIB da Argentina tivesse triplicado e vinte milhões de pobres tivessem sido incorporados à economia formal, não só a pobreza teria desaparecido, mas também estaríamos caminhando para uma inevitável reeleição em 2023. Ao contrário, seu destino é o oposto, embora seus dirigentes façam campanha com um Lula de papelão.

No Brasil, conquistas reais foram acompanhadas pela extraordinária capacidade de comunicação de Lula, que lhe permitiu manter enorme popularidade no país e no mundo. Desde 1982, ele trabalhava para distorcer a imagem que seus oponentes criaram, de que ele era um líder violento e perigoso. Nessa época, iniciou a divulgação de sua emblemática canção Lula La (Lula lá), cheia de positivismo, na qual repete várias vezes que não se deve “ter medo de ser feliz“.

Na maioria de suas aparições, Lula transmite otimismo em um formato muito pessoal. Se alguém quiser ver um exemplo de comunicação empática, pode pesquisar no YouTube a cena em que toma posse pela primeira vez como presidente, e diz entre lágrimas “eu, que tantas vezes fui acusado de não ter título, obtive o meu primeiro diploma, o de Presidente da República do meu país”.

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Quando seu mandato terminou em 2010, aplicamos algumas pesquisas para ajudar a candidatura de Marina Silva à Presidência. Lula foi o presidente mais popular que conhecemos no continente nos últimos 40 anos. A aprovação da lição de casa foi superior a 80%. Em uma pergunta que fizemos seis semanas antes das eleições, mais de 60% dos eleitores disseram que estavam dispostos a votar em qualquer candidato que fosse apoiado por Lula.

A formação de um sindicalista é diferente da de soldados que se converteram à esquerda por um ato de fé nesses anos, treinados para impor e reprimir. As greves dos metalúrgicos no ABC paulista forjaram Lula e sua forma de fazer política. Lá ele aprendeu que o que importava na direção sindical era a presença física nos portões da fábrica, e saber dialogar com a outra parte para encontrar soluções. Como afirmou em várias entrevistas, foi aí que se forjou o seu temperamento político negociador.

O PT foi uma experiência política peculiar. Na América Latina tivemos alguns partidos sociais-democratas que não tinham relação com as organizações dos trabalhadores. Na maioria dos casos. os sindicatos se identificaram mais com partidos de esquerda marxista ou com opções terceiras nacionais como o PRI, APRA ou o peronismo. O PT, por outro lado, como os partidos sociais-democratas europeus, tem sido um partido controlado pelos sindicatos e liderado por um metalúrgico.

COMUNICAÇÃO DE POLÍTICOS!

Nem todos os líderes de esquerda são santos, nem são corruptos. São claros os casos de dois governos de Piratas do Caribe em que abundam generais milionários e algum outro caso sul-americano de líderes que, por enquanto, a história condenou. A acusação contra Lula, que o levou à prisão por quase dois anos e o desqualificou de ser candidato nas eleições presidenciais de 2019, foi um escândalo. Acusado de que uma empresa pretendia lhe dar um apartamento, ele foi condenado por “atos oficiais indeterminados“, figura jurídica que serve naquele país, para perseguir alguém, sem ter provas contra ele.

O juiz Sérgio Moro liderou a perseguição a Lula, cujas ações e pressões ilegais sobre outros membros do Judiciário ficaram conhecidas posteriormente. Após o triunfo de Bolsonaro, Moro foi nomeado ministro, o que colocou seus interesses na mesa: ele estava iniciando uma carreira política que foi felizmente interrompida.

Após um traumático processo de impeachment contra sua sucessora, Dilma Rousseff, sobre a investigação anticorrupção da Lava Jato, alguns pensaram que Lula estava acabado. Nem o relacionamento deles nem o de Dilma no crime puderam ser comprovados e o presidente foi demitido por um tecnicismo sem sentido. Até então, deputado obscuro, o capitão Jair Bolsonaro votava contra o presidente, “em homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra“, um dos mais cruéis torturadores da ditadura militar, que havia martirizado a própria Dilma.

Chegamos às eleições de hoje com dois candidatos claramente posicionados: Lula e Bolsonaro.

Lula se vê cada vez mais distante das posições extremistas. Ele nomeou o centrista Geraldo Alckmin, do Partido Socialista Democrático, como o binômio. Conquistou o apoio de muitos de seus antigos adversários como: Fernando Henrique Cardoso, Marina Silva e uma esmagadora maioria de intelectuais e artistas do país.

Nessas eleições, anômalas na democracia contemporânea, os brasileiros escolhem entre dois ex-presidentes quando a norma tem sido a eleição de novos líderes e a rejeição dos líderes do passado.

Bolsonaro busca a reeleição, usando uma música em que se apresenta como o Capitão do povo e defende valores que pareciam ultrapassados ​​no Ocidente há algumas décadas. As suas ideias resumem-se em ‘Vaca, bala y virgen’ aludindo à importância do campo, de que a sociedade deve estar armada e à religião. Eles são os pilares da sua proposta.

Na sua opinião, os proprietários rurais devem se armar para se defender dos invasores de terras, ele apresentou um projeto de lei que estabelece a castração química para condenados por estupro. Ele condena publicamente a homossexualidade e rejeita as leis que concedem direitos a pessoas LGBT+. Ele defendeu a pena de morte para crimes premeditados porque, segundo ele, “o bandido só respeita o que teme“. Ele também defendeu o uso da tortura em casos de tráfico de drogas e sequestro e execução sumária em casos de crime premeditado.

No Brasil, como no resto do continente, a maioria dos eleitores está angustiada

Lula, como a maioria dos líderes progressistas do mundo, busca integrar o Brasil aos outros países, promover um acordo entre o Mercosul e a União Europeia e projeta uma região unida, ainda que Bolsonaro opte por ideais da direita em manter o Brasil com todas as atenções voltadas para ele mesmo.

Oficialmente afirma ser católico, mas é casado com uma evangelista e frequenta semanalmente os cultos religiosos de uma igreja evangélica. A conquista democrática do laicismo é ameaçada por um líder que confunde suas crenças religiosas com o Estado. Demonstrou repetidamente suas posições democráticas fracas, pedindo aos militares que assumissem o poder.

Na realidade, representa um novo autoritarismo que ganha força com a vitória de Giorgia Meloni na Itália, a ascensão de Trump nos Estados Unidos e a de alguns líderes do novo autoritarismo em vários países europeus e na América.

As pesquisas mais confiáveis ​​dizem que Lula está perto de vencer em um único turno. Será necessário ver se suas previsões se cumprem em uma sociedade que se tornou imprevisível. Se houver um segundo turno, tudo pode acontecer, como aconteceu no Equador, quando se acreditava que Lasso estava irremediavelmente derrotado.

Estudos mostram que, no Brasil, como no resto do continente, a maioria dos eleitores está ansiosa e gostaria de encontrar uma nova alternativa. Isso explica por que, com todo o seu histórico, a vitória de Lula em um único turno não é clara.

As chances são de que um terceiro candidato poderia ter tido uma boa chance, se ele fosse novo. Ciro Gomes, que aparece como terceiro partido, não atende a essa condição, nem o ex-governador de São Paulo João Doria, que desistiu da candidatura. Se outro personagem que não tem tanta política em seu currículo tivesse sido apresentado, ele poderia ter sido o novo presidente.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.


 

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