Ficou para depois do recesso parlamentar, ou seja, o início de agosto, a votação da proposta de emenda à Constituição que concede autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central (BC) e o transforma em empresa pública (PEC 65/2023). A matéria estava na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (17), mas teve a análise adiada após novo pedido do líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA).
Banco Central
O adiamento, segundo o senador, justifica-se pela tentativa de construção de entendimentos em torno da matéria. Ele explicou que o governo não se coloca contra a proposta e defende a autonomia financeira e orçamentária da instituição, mas discorda da transformação do BC em empresa pública. Esta foi a segunda reunião em que a CCJ decidiu prorrogar a análise.
— O texto tenta aproximar, mas, evidentemente, não está completo, porque tem uma série de questões (…) A conversa hoje foi extremamente produtiva, no gabinete do senador Plínio, com o senador Vanderlan. Eu acredito que nós podemos evoluir. Acabei de conversar um pouco com o assessor do senador Vanderlan, que é do Banco Central, e eu não vou abrir mão da minha obsessão pela possibilidade de construirmos o maior consenso possível. Nem sempre é 100%. Então, eu realmente estou pedindo, mais uma vez, que a gente adie a discussão para o começo de agosto — pediu o líder governista, ao informar que tem participado de reuniões com o relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), e com o autor da PEC, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO).
Diante da possibilidade de um relatório de consenso, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), elogiou o diálogo entre os senadores e concordou com o adiamento. Para ele, essa não é uma medida política ou ideológica, e sim institucional, que merece um debate mais aprofundado sem que a visão dos extremos seja predominante.
— Naturalmente com o diálogo, com com o entendimento, com a construção, a gente vai conseguir formatar um relatório que atenda, em parte, o desejo que é da maioria, de dá autonomia ao Banco Central, sem desmerecer a posição de partes do governo que querem participar do diálogo e da construção de um texto de consenso.
Apesar de ter sido procurado pelo governo somente nesta quarta, Plínio Valério disse confiar no diálogo com o senador Jaques Wagner. Na avaliação dele, os governistas têm “muito a colaborar” com o texto final.
— As ponderações e reivindicações do governo são muitas, algumas pertinentes, outras nem tanto, então eu não posso pegar essas sugestões agora, horas antes da reunião, e acatar ou não acatar.
Vanderlan Cardoso considerou “animadora” a entrada de Jaques Wagner nas reuniões. Na sua visão, mais prazo de diálogo também vai possibilitar que a matéria tramite de forma mais ágil nas próximas etapas.
— Não adianta ir para uma votação quando não tem nada ainda de certeza para um lado ou para o outro. E depois, mesmo que a gente tenha a maioria, nós temos a continuidade desse projeto, e por isso eu sou favorável a que se tenha o acordo, e está por pouco esse acordo.
A proposta, que tramita na Casa há cerca de seis meses, recebeu voto favorável de Plínio Valério, na forma de um texto alternativo. Depois da CCJ, a matéria seguirá para dois turnos de votação no Plenário do Senado, onde precisará de 49 votos favoráveis em cada um deles para ser aprovada.
PEC
A PEC 65/2023 insere na Constituição a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central, já estabelecida pela Lei Complementar 179, de 2021, e acrescenta a autonomia orçamentária. Além disso, a PEC transforma o BC (hoje autarquia de natureza especial sem vinculação com nenhum ministério nem subordinação hierárquica) em instituição de natureza especial organizada como empresa pública fiscalizada pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU).
Grande parte dos senadores presentes à reunião desta quarta-feira declararam voto favorável à PEC, mas reconheceram a importância do diálogo com foco no consenso.
— O Banco Central não é um Banco Central desse ou daquele governo. Nós estamos aqui decidindo a autonomia do Banco Central para sempre. Não interessa de qual governo — defendeu Tereza Cristina (PP-MS).
O senador Esperidião Amin (PP-SC) explicou que o objetivo prioritário da matéria é tornar a autonomia orçamentária e financeira do BC efetiva na prática, pois a instituição “não pode ficar à mercê de governo nenhum”.
— Qual é a prioridade deste projeto? É que a autonomia financeira e administrativa do Banco Central seja verdadeira; seja, como a expressão que nós trocamos na semana passada, para valer (…) Porque o banco é central, Banco Central do Brasil. É uma instituição do Estado brasileiro que tem, como precípua finalidade, o cuidado da nossa moeda.
Campos Neto
Por outro lado, alguns senadores já anteciparam o voto contrário à matéria. Para Jorge Kajuru (PSB-GO) e Zenaide Maia (PSD-RN), há dúvidas sobre o texto. Na visão dos parlamentares, é temerário aprovar uma proposta que concede autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central quando, na avaliação deles, o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, age contra o Brasil. Eles criticaram a atual taxa de juros básicos em 10,50% ao ano.
— O Banco Central (e é claro que a gente tem que rever isto) já não tem autonomia para deixar os juros no Brasil os mais altos do mundo? O Banco Central não tem autonomia para remunerar as sobras de caixa de bancos, dificultando os empréstimos dos bancos aos micros, aos pequenos e até aos médios empresários, porque não é vantagem? O próprio Tesouro Nacional já pega esses recursos e já bota taxa Selic nisso. O Banco Central não tem autonomia já para deixar esses juros de cartões de crédito, de cheques especiais serem uma extorsão ao povo brasileiro? Eu acho que tem que adiar, para a gente ver que autonomia a mais vai ter o Banco Central. Porque isso ninguém questiona mais — afirmou Zenaide Maia.
Já outros senadores enalteceram a atuação de Roberto Campos Neto à frente do BC, como o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre. Ele elogiou a postura do presidente da instituição na condução da política monetária do país e disse que a autonomia financeira e orçamentária do Banco Central é “um dos caminhos necessários” para o fortalecimento da democracia.
— Eu tenho acompanhado, ao longo dos últimos meses, essa questão relacionada ao embate da política econômica que o Banco Central, sob a sua liderança, enquanto presidente, tem tido com a agenda de parte do governo. Mas, nesse sentido, independentemente dessas posições ideológicas e partidárias, eu quero falar sobre o cidadão e sobre o técnico Roberto Campos Neto, que é meu amigo pessoal. Eu quero também fazer a defesa e reconhecer o papel relevante que Roberto Campos tem à frente do Banco Central, se destacando em um ambiente que qualquer presidente de Banco Central, em qualquer governo, é criticado muitas vezes pelo próprio governo.
Os senadores Marcos Rogério (PL-RO), Esperidião Amin, Tereza Cristina e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) também saíram em defesa de Roberto Campos Neto. Ele citaram como exemplo da aprovação do trabalho do presidente da instituição a decisão de todos os diretores do Comitê de Política Monetária (Copom) em votar pela manutenção da atual taxa de juros.
— Acho que ele tem exercido a sua função com a cobertura, inclusive, dos pares. A última decisão do Banco Central foi por unanimidade. Lá estão nomeados, deste governo e de governos anteriores, que, analisando o cenário econômico, tomaram uma decisão. Posso não concordar com ela, mas tenho que respeitar a opinião daqueles que têm o mandato e a responsabilidade, assim como respeito as decisões, com as quais não concordo, do próprio Judiciário. Tenho que respeitar. São as instituições — argumentou Amin.
Fonte: Agência Senado
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