Quem diria que um dia hábitos antigos de usar roupas que já foram de parentes ou amigos ou compradas de segunda mão, poderiam fazer a diferença no mundo? Dar vida útil maior às peças tem um impacto grande na moda e no meio ambiente. O planeta já não comporta que cerca de 99% dos produtos no mundo sejam descartados após apenas seis meses de uso, como mostra um levantamento feito pela ONU-Habitat em 2018.
A indústria da moda é um dos setores altamente poluentes do planeta, perdendo apenas para setores de químicos, petróleo, plástico e gás. A consultora de moda sustentável Chiara Gadaleta, que também é embaixadora do Pacto Global da ONU Brasil pelo Desenvolvimento Sustentável, acredita que “a moda tem um grande impacto, mas também uma enorme capacidade de espalhar a mensagem de sustentabilidade, essa é uma grande oportunidade”. Para ela, a responsabilidade é compartilhada entre empresas, sociedade civil, governo e consumidores.
A pressão por mudança é algo que o consumidor tem exigido cada vez mais. Marcas já começaram a entender que precisam se responsabilizar por produções mais sustentáveis e de quem compram matéria-prima. Além disso, nesse movimento de prolongar a vida útil de peças e acessórios, os brechós ganharam fôlego nos últimos anos: se tornaram mais convidativos ao se modernizar e selecionar peças com mais critérios.
Negócio lucrativo
Em Brasília, o brechó Peça Rara, teve essa visão há 14 anos e se tornou um negócio com 9 unidades – hoje já em São Paulo e Goiânia. “Eu pensava muito na questão do reuso, da possibilidade de encontrar peças de segunda mão em bom estado por um preço melhor para repor o que meus filhos precisavam”, lembra a CEO da marca, Bruna Vasconi, que teve a ideia de abrir o negócio ao perceber a curta vida útil das roupas dos filhos. Hoje, o negócio vende de roupas a móveis.
Pensar em nichos fez com que o casal Mila e Cássio Silbermann visse a oportunidade nas marcas de luxo. Criaram a Infinno, uma loja virtual de bolsas e acessórios de grifes internacionais. O negócio, que começou informalmente há 5 anos em redes sociais, virou site e quintuplicou os recursos aplicados por Cássio, que saiu do emprego no mercado financeiro para investir na empresa da esposa. “Esse setor cresce 4 vezes mais do que o setor primário – enquanto o primário cresce 3 a 4% ao ano, o setor de ‘segunda mão’ cresce 14 a 15%”, pontua.
Pandemia
A pandemia afetou grande parte dos empreendimentos em todo o país e forçou muita gente a fechar as portas temporariamente, como o brechó BemQTquis, em Brasília. A solução foi investir no mundo digital. A loja reabriu meses depois, mas Morgana Franco, uma das sócias, diz que o site agora faz parte da rotina: “eu não quero sair do digital, a gente conseguiu alcançar pessoas de fora de Brasília vendendo online, aumentou nossa projeção”.
Por outro lado, com mais gente em casa por mais tempo devido à pandemia de Covid-19, vieram as mudanças de hábito e até de consciência. Muitas pessoas reavaliaram a quantidade de roupas, sapatos e acessórios, como observou a consultora de estilo Rosa Guimarães. “Várias clientes me disseram que nesse período chegaram à conclusão que consumiam demais, que tinham muita coisa no armário e não paravam para olhar até esse momento”, conta.
Rosa Guimarães, que também é consumidora de brechós, tem acompanhado a ascensão das peças de segunda mão há alguns anos. “Se falava muito de comprar roupas que têm energia de outras pessoas, roupas com cheiro de naftalina e hoje não tem mais isso. Vi que mudou no meu armário, tenho consumido cada vez mais de brechó, mas buscando um armário mais compacto, com menos roupas, mas que sejam atemporais”, afirma.
Estilo e meio ambiente
A pandemia acabou sendo o empurrão para que pequenos negócios surgissem, principalmente no Instagram, como aconteceu com a artista plástica Andrea Acker, que criou o perfil Vintage Junky e começou a vender peças garimpadas ao longo de 20 anos pelo mundo. Ela aprendeu a “farejar” peças exclusivas e com valor histórico, muitas vezes encontradas em mercados de pulgas, feiras e bazares de igreja. “Novo, nunca mais, eu acho que sou um caminho sem volta e espero que inspire muitas pessoas, porque seria ótimo para o planeta e para o bolso das pessoas também”, avalia.
Essa compreensão ambiental de consumo consciente é algo de impacto no mercado. “O consumidor de hoje se preocupa com questões ambientais, práticas sustentáveis, ele entende que a forma de compra desses produtos é relevante na jornada de consumo”, afirma Anny Santos, coordenadora Nacional da Moda do Sistema Sebrae. Algo que adolescentes da periferia de Brasília, como Ana Cláudia Alencar, têm adotado como um estilo de vida. “Meu guarda-roupa atualmente é 100% peças de brechó, não tenho mais nada de loja”, afirma a jovem que hoje também é dona de um brechó no Instagram.
No Whatsapp, grupos de troca e venda também são cada vez mais populares. Vendo a oportunidade numa comunidade virtual de mães, a publicitária Gisele Padovan criou o Espichei, uma rede de grupos que reúne quase 10 mil famílias. “Eu achava que tinha um potencial ali de ir além da troca de produtos, mas também de crescer amizades, de trocar experiências maternas”, lembra. Cindy Matias é uma das mães que fazem parte da rede desde o início. Para ela, “o Espichei trouxe muito essa experiência que era muito de família, de herança, de um primo pro outro, para um contexto de bairro, de vizinha”.
O assunto do uso de peças de segunda mão e brechós como alternativa para uma moda mais sustentável é o tema do Caminhos da Reportagem deste domingo (7), às 20 horas, na TV Brasil.
Ficha técnica
Reportagem: Amanda Cieglinski
Produção: Carolina Gonçalves e Carina Dourado
Imagens: André Rodrigo, Rogério Verçoza
Apoio técnico: Marcelo Vasconcelos, Edivan Viana e Thiago Souza
Edição de texto: Carina Dourado
Edição de imagens e finalização: Rivaldo Martins
Arte: Lucas Pinto
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(Agência Brasil)