Quando se trata de identidade e sexualidade, cada pessoa percorre um caminho único. A história do pastor Heliano Ferreiro Silva, de 45 anos, ilustra essa jornada. Ele viveu grande parte da vida em uma “caixinha”, questionando sua própria identidade e temendo como ela seria recebida pelo mundo ao seu redor.
Criado em um lar conservador, suprimiu a atração que sentia por pessoas do mesmo sexo biológico. As dificuldades só aumentaram quando, mais para frente, ele descobriu um câncer de mama enquanto fazia sua transição de gênero. Mas Heliano encontrou um refúgio na sua fé.
“Por mais que 90% da sociedade fale que os LGBTs não herdarão o reino do céu, depois que conheci o Evangelho, eu sei que Jesus me aceita”, disse o pastor em entrevista à jornalista Sarah Alves Moura, do UOL.
A jornada até sua aceitação não foi fácil. Heliano, ao chegar aos 34 anos, nunca havia beijado uma mulher. Dois casamentos depois, a insegurança acerca da sua orientação sexual se tornou insuportável. Para ele, a possibilidade de viver sua verdade se tornou uma necessidade com implicações profundas em sua vida pessoal e social.
Enfrentando seus medos
Com temor de enfrentar julgamentos e preconceitos, Heliano buscou apoio inicialmente em suas amigas. A resposta delas, apesar de surpreendente, foi acolhedora. Elas mencionaram que já notavam indícios de sua verdadeira identidade. Essa aceitação inicial impulsionou Heliano a buscar novas experiências.
Ele se aventurou nos aplicativos, ambientes que possibilitam interações autênticas sem o peso de julgamentos imediatos. Nesses espaços, conheceu mulheres e permitiu-se explorar sua identidade com sinceridade, o que resultou no entendimento de que ele não desejava mais se relacionar com homens.
O papel da família
Falar com a família sobre questões tão íntimas pode ser desafiador. No caso de Heliano, o diálogo com sua mãe revelou uma verdade surpreendente. Sua mãe sempre soube de sua orientação sexual, mas escolhera não comentar. Esse reconhecimento e aceitação por parte de sua mãe teve um impacto significativo, liberando Heliano de anos de autorrecriminação e dúvida.
A reação da mãe de Heliano, longe de ser uma rejeição, foi de compreensão e amor incondicional, algo impensado para ele até aquele momento.“Eu quase ‘catei’ ela. Por que ela não me falou que sabia? A vida inteira me cobrei, me recriminei achando que ela ia me jogar fora se eu ficasse com mulher“, contou.
A transformação e os desafios na vida do pastor
Admitir e viver a própria verdade pode ser libertador, mas também traz desafios contínuos. Para Heliano, o processo de legitimação de seus desejos, reprimidos por tanto tempo, foi um passo ousado em direção à autocompreensão e à felicidade.
Ao seu ver, a escolha que mudou sua vida foi a ida até uma igreja inclusiva após o convite de uma amiga. Ele diz ter conhecido um Evangelho que o acolheu. Um ano depois, conheceu Maiara, sua atual esposa – são sete anos juntos.
Foi ao lado de Maiara que percebeu sua transexualidade: queria ser visto e tratado como um homem. “Falei para minha esposa: quero fazer a transição. Você aceita? [E ela disse:] ‘Se é esse o seu desejo, eu aceito'”. Os filhos também aceitaram sua jornada, rapidamente chamando ele de pai.
Quase três anos depois de começar a terapia hormonal para a transição de gênero, Heliano descobriu um câncer de mama. A doença o impediu de continuar com o tratamento e, depois de 16 sessões de quimioterapia, fez a mastectomia em 2021. “Era horrível olhar no espelho e ver uma mama só. Isso desencadeou um processo de não querer me olhar no espelho, não querer estar com a minha esposa. Chorava bastante e sofri muita disforia”,
Em maio deste ano, o pastor retirou a outra mama por prevenção contra nódulos identificados em exame. “Agora, estou 100% Heliano, vivendo o que sempre quis viver e sem câncer. Estou em remissão há 3 anos, fazendo exames todos os anos, mas graças a Deus sem vestígios de volta do câncer.”
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