Antônio Maria, 100 anos: amor e saudade em versos e crônicas

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“Ô ô ô saudade/ Saudade tão grande/ Saudade que eu sinto/ Do Clube das Pás, dos Vassouras/ Passistas traçando tesouras/nas ruas repletas de lá”. Os versos do Frevo nº 1 do Recife (1951) anunciam o sentimento de um multiartista que vivia, segundo pesquisadores de sua obra, de forma intensa. 

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O pernambucano Antônio Maria ficou tão conhecido por clássicos da música brasileira, entre frevos, inspirações de amor, amarguras e samba-canção (repletas também de dor, inclusive), como por sua habilidade em prosa em crônicas diferenciadas. O Frevo nº 2 do Recife (1953) também é dele, tanto letra quanto música: “Mas tem que ser depressa/Tem que ser pra já/Eu quero sem demora/O que ficou por lá”. Antônio Maria viveu intensamente e queria mesmo era falar de amor, como explica o biógrafo Joaquim Ferreira dos Santos, autor de Um homem chamado Maria, em entrevista à Agência Brasil.

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Antônio Maria na redação da revista Manchete, década de 1960.
Antônio Maria na redação da revista Manchete, década de 1960.

Antônio Maria na redação da revista Manchete (um dos locais em que trabalhou), na década de 1960. – Foto: Coleção José Ramos Tinhorão/ IMS

Ouça abaixo os dois frevos compostos por Antônio Maria, veiculados em programa especial da Rádio Batuta (programa especial realizado pelo Instituto Moreira Salles), que tem apresentação de Joaquim Ferreira dos Santos:

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Outro pesquisador da obra de Antônio Maria, o escritor Guilherme Tauil, que promete uma antologia composta por 200 crônicas neste ano do centenário de Maria, concorda que a temática que envolvia as obras do pernambucano eram aquelas do coração. “O que ele perseguia era falar sobre amor”. Antônio Maria nasceu em 17 de março de 1921, em Pernambuco, e começou a carreira em 1938, como locutor na Rádio Clube. Trabalhou e morou em Salvador e Fortaleza. Outras marcas importantes de sua história são a derrocada financeira da família fazendeira e a busca de nova vida no Rio de Janeiro, quando ocorrem as maiores mudanças de sua jornada.

“Ele começou pelo mundo do rádio, da palavra falada e depois transitou para literatura”, afirma Guilherme Tauil.

Diferente de outros autores “puro-sangue” do mundo literário, Maria carregava outras experiências. O primeiro assunto dele é a rádio, onde tratava de assuntos como o futebol, ao lado de Ary Barroso. Foi na Cidade Maravilhosa que se encontrou como cronista e compositor, de forma intensa, trabalhando demais e dormindo de menos, como assinalam pesquisadores. Ele morreu em 1964, aos 43 anos, vítima de um infarto fulminante.

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Tradutor do Brasil

Para o biógrafo Joaquim Ferreira dos Santos, que publicou pela primeira vez um livro-perfil (Noites de Copacabana) sobre Antônio Maria no ano de 1996, o artista centenário foi um dos grandes tradutores do Brasil em meados do século 20. Ferreira dos Santos recorda-se dos primeiros contatos com a obra de Antônio Maria, quando ouvia suas canções pela Rádio Nacional, interpretadas por cantoras como Elizeth Cardoso e Nora Ney. A primeira obra escrita por Ferreira dos Santos abriu espaço para o artista pernambucano passar a ser cultuado ao lado de outros autores consagrados da literatura e da música.

Em redações, Antônio Maria experimentou as máquinas de escrever de revistas como O Cruzeiro e Manchete, e jornais como Última Hora, O Globo, Diário Carioca e O Jornal, seu último local de trabalho. 

Ouça abaixo trechos da entrevista de Joaquim Ferreira dos Santos para a Agência Brasil:

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“A vida de Antônio Maria é o centro de sua obra”, analisa Joaquim Ferreira dos Santos, que enxerga o autor e compositor como um homem que “sofria as consequências do abandono e das questões do jogo amoroso”: “Parecia que ele sarava estas dores escrevendo. Era uma terapia, a maneira que ele botava esse coração para a fora”. Ouça:

Nascido no Nordeste e consagrado no Sudeste, Antônio Maria junta realidades diferentes em sua trajetória: “Ele é um dos tradutores do Brasil”, diz Ferreira dos Santos. Ouça:

 

“Ele tinha como grande tema em suas músicas a questão sentimental. Ele tratava da dor amorosa de uma forma muito expositiva e elegante. Não entendia como algo machista. Ele se inspirava muito no sofrimento amoroso, mas tinha uma alma solitária”, afirma Ferreira dos Santos. O autor avalia que o artista se sentia sozinho e à parte do mundo, o que o inspirava a escrever os textos. Para o biógrafo, tanto os versos como as prosas das crônicas eram feitas de forma sofisticada. “Nada a ver com as músicas de sofrência de hoje. Antônio Maria era muito elegante no trato do texto”.

No Rio de Janeiro, tornou-se amigo de poetas como Vinícius de Moraes e cronistas como Rubem Braga, que logo viram que havia ali um texto diferente e multifacetado. “Ele vivia para amar e para escrever”, afirma o biógrafo. O escritor afirma que as crônicas tratavam, como nas músicas, da nostalgia da infância e um permanente tom melancólico. Vivia a boemia no Rio de Janeiro, percorria as dores do coração e também não se esquecia do passado.

“É um homem muito marcado pela infância no Recife. Fez frevos belíssimos”. São composições de Antônio Maria obras de sucesso popular como Ninguém me ama, Manhã de carnaval, Menino grande e Valsa de uma cidade, gravadas e regravadas mesmo décadas depois de sua morte precoce.

Nas crônicas, o biógrafo entende que Antônio Maria fazia parecer fácil a “difícil arte de escrever com simplicidade”. Um campo que surpreendeu até os pesquisadores de sua obra é que, além de tantos talentos da escrita, Antônio Maria fazia caricaturas e outras ilustrações que acompanhavam as temáticas dos textos que publicava. “Antônio Maria queria falar dos sentimentos. E ele foi um craque”.

 

Antônio Maria, Dircinha Batista e Carlos Frias, 1944. Fortaleza.
Antônio Maria, Dircinha Batista e Carlos Frias, 1944. Fortaleza.

Antônio Maria (centro), Dircinha Batista e Carlos Frias, em Fortaleza, no ano de 1944. – Foto: Coleção José Ramos Tinhorão/ IMS

 

Vento vadio

O pesquisador Guilherme Tauil, que desenvolveu dissertação de mestrado sobre a obra de Antônio Maria, está envolto na garimpagem de 200 crônicas para uma antologia a ser publicada até o final do ano de 2021. O livro tem título: Vento vadio (a ser publicado pela editora Todavia), que era como Antônio Maria pretendia batizar seu primeiro livro, o que nunca foi concluído. “O que a gente está planejando é uma antologia definitiva. E estou com um problema bom, já que selecionei mais de 300 obras para chegar a 200”.

Saiba mais dessa história em trecho da entrevista abaixo:

O pesquisador, assim como Ferreira dos Santos, entende que Antônio Maria é um escritor memorialista e essa vertente ficou menos explícita ao longo do tempo. “É um tema fortíssimo. Ele tem sensação de deslocamento no Rio de Janeiro. Apesar do grande êxito profissional, ele se sente o tempo inteiro deslocado. Ele volta ao Recife em suas crônicas com frequência e chegou a relatar ter sido vítima de preconceito por causa do sotaque pernambucano”. Maria identificava-se como negro e se entendia “gordo”, e essas marcas, segundo o pesquisador, estão na obra do artista.

Em O Evangelho Segundo Antônio (ouça trecho abaixo), o cronista sintetiza: “Cá estou eu a escrever tolices. Com imensa facilidade – convenhamos. Vivemos dias em que é preciso escrever tolices. Há uma dor preponderante em cada coração”. Os pesquisadores entendem que a obra de Antônio Maria é atemporal, e pode ser inspiração de leitura no contexto atual. 

 “Trata-se, realmente, de um bálsamo na arte brasileira. Nasceu no Nordeste e juntou realidades tão diferentes. Cabe um Brasil inteiro na obra dele, de elegância e sensibilidade artística. Em momentos como os que estamos vivendo, é importante que tenhamos contato com boas leituras, como as crônicas, que são textos do cotidiano e encantam”, afirma Joaquim Ferreira dos Santos. Aliás, novos leitores podem se inspirar pelo trecho final da crônica mencionada: “Com vocês, por mais incrível que pareça, Antônio Maria, brasileiro, cansado, 43 anos, cardisplicente (isto é, o homem que desdenha do próprio coração). Profissão: esperança”.

Confira a gravação da crônica O Evangelho Segundo Antônio, narrada por Sidney Ferreira para interprograma da Rádio MEC:

 

(Agência Brasil)

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