dedicação

Após trabalhar como faxineira, pernambucana se torna referência em Marketing na Irlanda para brasileiros

Vinda de um bairro periférico no Recife, Camilla Odilon passou por situações críticas ao se mudar para o país europeu logo no início da pandemia. Hoje, ela oferece ajuda a outros imigrantes que querem tentar a vida no exterior

Pernambucana se torna referência em Marketing na Irlanda para brasileiros após trabalhar como faxineira no país.
Em julho, o projeto intitulado ‘Marketing na Irlanda’ completa dois anos e já conta com aproximadamente 600 membros cadastrados. (Crédito: Arquivo pessoal)

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No final de 2020, a pernambucana Camilla Odilon, 31, assumiu o cargo de assistente de Marketing em uma empresa na Irlanda. No início do mesmo ano, ela seguia diariamente para casas de família, onde trabalhava como faxineira. A brasileira negra, vinda de um bairro periférico do Recife, tornou-se exemplo de perseverança e dedicação – e hoje se esforça para garantir que outros imigrantes tenham o apoio que ela não teve.

Antes de deixar o Brasil, Camilla era gerente de Marketing em uma empresa e dava aulas em cursos de pós-graduação em universidades. Sua formação foi fruto dos esforços dos pais: a mãe vendia produtos na praia para sustentar a casa e a família, enquanto o pai estudava para concurso público e cuidava da filha. Anos depois, quando foi admitido na Guarda Civil Municipal de Recife, o pai de Camilla se formou em História e, empregado, teve condições de pagar seus estudos.

 

Pernambucana se torna referência em Marketing na Irlanda para brasileiros após trabalhar como faxineira no país.
Camilla ao lado da mãe, Tânia Oliveira, e do irmão, Ramon Silva. (Crédito: Arquivo pessoal)

Eu sempre tive muita vontade de morar fora do país, de ter experiências de intercâmbio, então eu alimentava isso dentro de mim desde muito pequena. Meus pais falavam ‘você herdou isso de quem? Nós nunca viajamos em família, nunca fizemos nada parecido, então de onde veio isso?’”, lembra ela.

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Por dois anos, Camilla se organizou financeiramente, poupando dinheiro para sua primeira viagem ao exterior. Ela chegou a mudar até os hábitos de alimentação para não “gastar desnecessariamente”. A decisão de deixar o emprego também não veio com facilidade. “Na época eu estava liderando uma startup no Recife. Estava com a responsabilidade de um projeto que eu gostava muito, e eu trabalhava com pessoas incríveis. Sair do projeto ia encerrá-lo. Mas era agora ou agora, eu tinha que ir”, conta.

Sete casas em um ano

A chegada à Irlanda aconteceu em um momento fatídico, apenas um mês antes do início da pandemia da Covid-19. Quando o lockdown começou a maior parte dos seus colegas de turma no curso de inglês retornaram ao Brasil. Quem ficou, segundo ela, entrou em desespero. Conseguir acomodação, mesmo em espaços coletivos, se tornou um desafio. “Em um ano, eu mudei de casa sete vezes”, revela.

Voltar para a terra-natal, porém, não era uma opção. O que ela podia fazer era se dedicar ao estudo e aprender inglês. “Eu paguei muito caro por isso, então era o que eu ia fazer. Eu literalmente me isolei e fiquei em casa estudando muito. Muito mesmo. Eu não falava nada de inglês. Mas com quatro meses já conseguia me comunicar”.

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Quando o governo da Irlanda passou a flexibilizar as medidas de prevenção ao coronavírus, a pernambucana passou a interagir com mais pessoas. Decidiu, então, morar em uma casa que só tivesse pessoas de outras nacionalidades, para que pudesse praticar o idioma – até então, estava em acomodações compartilhadas apenas com brasileiros.

Decidi começar a trabalhar em um emprego de cinco horas por semana, como faxineira. Meu dinheiro do Brasil já estava se esgotando, porque eu não conseguia nem pagar o aluguel com esse salário, só me alimentava”, diz.

Dos lares ao escritório

Enquanto fazia faxina, Camilla pensava: “como posso tornar isso Marketing?”. Foi assim que começou a montar panfletos informando o tipo de serviço que prestava, bem como suas informações para contato. “Escrevi cartinhas, e dentro delas eu deixava o panfleto. Eu colocava essas cartas em caixas de correio. Aí tirei foto desse panfleto e já salvei como o meu primeiro portfólio de Marketing na Irlanda (risos)”.

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Cerca de dois meses depois, ela deixou de trabalhar nas casas de irlandeses e passou a fazer faxinas em escritórios de empresas. O plano era começar a conversar, fazer amizades e entender onde poderia se encaixar e conseguir um trabalho mais próximo da sua área de formação. “O jeito mais comum de conseguir isso é pelo LinkedIn, mas quando você tem visto de estudante, acabam descartando, então não há oportunidades”, lamenta.

Pessoa certa

No dia que viria a ser decisivo para sua jornada na Irlanda, Camilla estava passando um aspirador de pó pelo chão de uma das salas de uma empresa, quando se deparou com um livro de auditoria de estratégia SEO no Marketing Digital, em cima de uma mesa.

Quando vi isso, pensei ‘esse é o meu momento, tenho que falar com eles agora’. Parei o aspirador e falei: estou vendo aqui esse livro, e queria saber o que vocês acham de Marketing Digital para a empresa? Já estão procurando?”, recorda. A brasileira foi respondida pela gerente de Vendas da empresa, que embora tenha estranhado a pergunta, disse que estavam, de fato, procurando. “Você encontrou a pessoa certa”, replicou Camilla.

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Passei pelo menos um mês ensaiando na frente do espelho, decorando o que falar em inglês. Uma coisa é estudar, e a outra é falar com um nativo, que tem sotaque. Falei para ela que tinha experiência nessa área no Brasil, e que ficaria muito feliz se pudesse mostrar a ela o meu currículo. Assim, eu os ajudaria e eles poderiam me contratar como estagiária, por meio-período, como quisessem ou pudessem.

Pernambucana se torna referência em Marketing na Irlanda para brasileiros após trabalhar como faxineira no país.
O panfleto foi seu “primeiro portfólio de Marketing na Irlanda”. (Crédito: Arquivo pessoal)

Sonho de muitos

Após entregar o currículo e conversar com o dono da empresa, ela foi contratada inicialmente como assistente de Marketing. A jornada de trabalho passou a ser dividida: em dois dias da semana, trabalhava com Marketing, e nos outros três fazia faxina.

Quando percebeu que teria abertura, a pernambucana propôs algumas ideias para o setor. Os superiores gostaram, mas ela ressaltou que precisaria de mais tempo para desenvolver as atividades, e para que ficassem prontas em determinado prazo, ela precisaria da semana toda para trabalhar. Assim, foi contratada integralmente como assistente de Marketing – e indicou outra pessoa para a limpeza.

Depois de um tempo, conversei com eles sobre meu visto de trabalho, que é algo muito importante para todo brasileiro que quer ficar aqui na Irlanda. É o sonho de muitos que às vezes precisam voltar porque não conseguiram o visto. Felizmente, eu consegui. Em breve algumas mudanças profissionais vão acontecer, mas ainda estou na mesma empresa, já há três anos”, comemora.

Projeto ‘Marketing na Irlanda’

Como forma de oferecer a outros imigrantes um suporte que ela mesma não teve, Camilla abriu uma comunidade na Internet de apoio a outros brasileiros que estão na Irlanda e não conseguem trabalho. Em julho, o projeto intitulado ‘Marketing na Irlanda’ completa dois anos e já conta com aproximadamente 600 membros cadastrados.

O intuito é oferecer um espaço seguro e aberto para que todos possam trocar experiências, se ajudarem, terem acesso a um calendário de eventos e workshops online e presenciais. É como uma conferência da área de Marketing para desenvolvimento de carreira na Irlanda, algo que não existia para a comunidade brasileira”, explica a fundadora.

Ao ser questionada sobre a mensagem que gostaria de deixar aos demais brasileiros que planejam tentar a vida na Europa, Camilla enfatiza o preparo psicológico e financeiro, além de reforçar que morar no exterior não se trata de glamour e luxo.

Diz, ainda, que é necessário lançar mão do “sorriso no rosto”. “A nossa energia, a nossa garra e o nosso trabalho duro podem abrir portas. Mesmo que seja difícil, não perca a alegria e o ‘jeito’ brasileiro”, aconselha.

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