A Câmara dos Vereadores de São Paulo aprovou, em primeira discussão [primeiro turno], a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade. A votação foi acompanhada por movimentos de moradia, que protestaram contra a aprovação do plano. Por causa da chuva que atingiu a capital paulista durante todo o dia, a manifestação não ocorreu na rua, como estava agendada, mas na galeria da Câmara.
A revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) foi protocolada em março deste ano na Câmara Municipal. Desde então, a revisão tem gerado intenso debate. Sob vaias, a revisão do plano foi aprovada pelos vereadores em primeiro turno, com 42 votos favoráveis e 12 contrários, sem nenhuma abstenção.
O debate sobre a revisão é tão intenso que a Promotoria de Justiça e de Habitação e Urbanismo de São Paulo informou, nesta semana, ter entrado com ação civil pública solicitando que a Câmara apresente estudos técnicos para embasar as mudanças feitas no Plano Diretor, antes que ele seja aprovado.
Após as críticas e protestos da sociedade civil e esse anúncio da Promotoria sobre a instauração de ação civil pública, os vereadores disseram que vão promover mais oito audiências públicas antes que o PDE seja votado definitivamente. Ou seja, entre a primeira e a segunda votações serão realizadas oito novas audiências públicas para ouvir representantes do setor urbanístico de engenharia, além da população em geral. O anúncio foi feito pelo presidente da Câmara dos Vereadores, Milton Leite (União), acompanhado pelos vereadores Rubinho Nunes (União) e Rodrigo Goulart (PSD), presidente e relator do PDE na Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente. Ainda não foi definida data para a realização da segunda votação.
O Plano Diretor é uma lei municipal que orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade. Apresentado pela Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal de São Paulo, o texto que altera o plano atual permite construções acima dos limites vigentes na legislação de uso e ocupação do solo em áreas mais próximas do transporte público. Com isso, a possibilidade de construção de mais prédios aumenta na cidade. O novo texto foi finalizado no dia 23 de maio pelo relator da revisão, vereador Rodrigo Goulart (PSD).
Para a oposição, o texto substitutivo, que foi apresentado pela prefeitura e votado em primeiro turno, atende apenas o mercado imobiliário, tendo incorporado 70% das demandas da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), com “alguns trechos copiados na íntegra”, denunciou a bancada feminista do PSOL.
Em entrevista à Agência Brasil, Silvia Ferraro (foto), covereadora do mandato coletivo Bancada Feminista do PSOL e integrante da Comissão de Política Urbana da Câmara, fez críticas ao novo plano diretor e disse que o partido deve ingressar, na próxima semana, com novo substitutivo. “Esse substitutivo não está valorizando as contribuições populares, da maioria da população. Nós, da oposição, vamos apresentar outro. Vamos ter um popular para se contrapor ao substitutivo da maioria da Câmara e do governo [do prefeito] Ricardo Nunes”, afirmou.
Segundo ela, o Plano Diretor Estratégico, como está estabelecido hoje, apresenta vários problemas, três deles os principais. O primeiro tem relação com o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). “O Fundurb foi esvaziado de sua finalidade principal que é a moradia popular. Hoje são reservados 30% do fundo para moradia popular. Com essa nova proposta, serão 40%, mas englobando outras coisas como urbanização e regularização fundiária. Ou seja, não são mais 30% só para moradia. mas 40%, englobando moradia, regularização e urbanização, ou seja, menos dinheiro para moradia”, disse.
Os outros problemas, disse Silvia Ferraro, têm relação com a ampliação dos eixos de estruturação urbana e as chamadas zonas de concessão. “Querem ampliar o adensamento construtivo em áreas que já estão superadensadas [próximas ao transporte público], entrando construções altas, prédios com gabaritos altos, para dentro de miolos de bairros, fazendo com que essas regiões fiquem caóticas. A outra questão é a das zonas de concessão. Onde há concessão, como o Parque Ibirapuera, o Pacaembu e o Anhembi [que foram concedidos à iniciativa privada], as concessionárias poderão fazer o que quiser de intervenção urbanística nessas áreas. Elas vão poder mudar sem dar qualquer tipo de satisfação para a sociedade”, acrescentou.
Para a vereadora, o Plano Diretor Estratégico, da forma como está hoje, vai beneficiar nitidamente as grandes construtoras, os grandes empreendimentos imobiliários e as grandes incorporadoras.
“Inclusive, o PDE, do jeito como está, absorveu 70% das propostas do Secovi, da Abrainc e de grandes associações imobiliárias”. A prejudicada, na sua opinião, é a população. “Prejudica a maioria da população, principalmente da periferia, porque o plano vai priorizar o adensamento construtivo em áreas nobres. Com isso, prejudicará também a classe média, que já está morando nesses lugares e que vai ter sua vida modificada com os novos empreendimentos, pois esses bairros vão ficar ainda mais valorizados e isso vai fazer com que haja uma gentrificação, principalmente do centro e do centro expandido. Quem vai morar nesses lugares são as pessoas com maior renda”, disse Silvia.
Em resposta, o relator da proposta, vereador Rodrigo Goulart (PSD), lembrou que, entre a primeira e a segunda votação, há possibilidade de modificações no texto. “Entre a primeira e a segunda votação, qualquer tipo de alteração poderá ser bem-vinda, tanto uma exclusão quanto a inclusão de outros temas. Não há nada definido e, por isso, temos as duas votações e, no mínimo, oito audiências públicas”, disse em entrevista antes da votação ter sido encerrada.
Sobre as críticas de que o plano atendeu à maioria das propostas feitas pelo setor imobiliário, o vereador e relator respondeu que isso decorre do fato de que esse é o setor que executa as pautas urbanísticas da cidade. “Estamos tratando de uma pauta urbanística. E quem executa a pauta urbanística da cidade? Só tem um setor, que é o imobiliário ou produtivo, que é o setor que constrói para altíssima renda e para baixa renda também. Se é só um setor que produz, é ele que, com certeza, mais ativamente vai participar do debate e apresentar seus pontos. Fala-se muito do setor de incorporação, mas outros, como a Associação Comercial de São Paulo, também estabeleceram suas demandas, que são quase as mesmas do setor imobiliário”.
Em nota conjunta, a Abrainc e o SecoviSP, sindicato patronal da habitação de São Paulo, disseram que a revisão fortalece as diretrizes do Plano Diretor Estratégico. “Diferentemente do que afirmam alguns críticos, a proposta de revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo [de 2014] amplia o que deu certo na sua concepção e permite maior inclusão de pessoas em áreas dotadas de infraestrutura urbana”, alegam as entidades.
“Hoje, o PDE está em processo de revisão na Câmara Municipal de São Paulo (foto) e, entre vários pontos importantes para a população, faz a adequação necessária aos parâmetros que determinaram o adensamento ao longo dos eixos de transporte, permitindo adaptar a lei às demandas e às necessidades das pessoas”, acrescentaram as entidades do setor imobiliário.
A Campanha SP Não Está à Venda, criada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Rede Nossa São Paulo, o Instituto Pólis, Perifa Sustentável, a Associação pela Mobilidade a Pé de São Paulo, Minha Sampa, Instituto de Arquitetos do Brasil, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade, ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, soltaram nota com críticas à revisão.
“Essa proposta foi construída sem a devida participação da população e, se aprovada, prejudicará a moradia popular, o transporte público e as áreas de lazer, favorecendo um modelo de verticalização excludente que prioriza prédios de alto padrão para poucos, em detrimento da maioria da população”, diz nota da campanha. Segundo o grupo, o projeto foi votado nessa quarta-feira sem ser amplamente debatido com a população e sem estudos técnicos de viabilidade.