Mãe e filhote de onça-pintada são vistos da Serra do Mar paranaense

Uma cena rara chamou a atenção de pesquisadores do Paraná. É o registro de uma onça pintada e seu filhote na região da Serra do Mar paranaense. As imagens, que foram gravadas em janeiro, mas divulgados esta semana, indicam que o habitat desse animal está recuperando as condições para sobrevivência e reprodução da espécie, dizem os pesquisadores.

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O registro, feito por meio de uma armadilha fotográfica, é resultado de um monitoramento em 17 mil quilômetros quadrados (km²) de Mata Atlântica entre os estados de São Paulo e Paraná. A área, 11 vezes o tamanho da cidade de São Paulo, integra a Grande Reserva Mata Atlântica, o maior remanescente contínuo do bioma no Brasil.

O trabalho faz parte do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, que tem o apoio da Fundação Grupo Boticário. O programa, lançado oficialmente em novembro do ano passado, tem o objetivo de gerar dados para subsidiar planos de conservação da anta (Tapirus terrestris), da queixada (Tayassu pecari), além da onça-pintada (Panthera onca).

“A gente tem uma rede de apoio de monitoramento, com atores que vivem na região. O registro foi de um dos nosso atores que monitora a unidade de conservação. Dentro desse monitoramento apareceu essa fêmea com o filhote, o que mostra que a região é adequada para a ocorrência da onça. Também é um sinal de que o bicho está se reproduzindo na região e isso é um bom indicativo para a conservação da espécie”, disse à Agência Brasil o biólogo Roberto Fusco.

Fusco é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e também responsável técnico do programa. Segundo o especialista, o monitoramento de espécies ameaçadas gera informações para planejamento de conservação e ajuda a criar estratégias mais efetivas para proteção e recuperação das populações desses animais.
O biólogo também destaca que esse tipo de atividade é importante para apoiar tomadores de decisão nas ações de proteção e manejo a nível territorial em um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica do país.

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Onça-pintada

Pesando entre 60 e 160 quilos, a onça-pintada é uma das espécies-símbolo do Brasil, ilustrando, inclusive, a cédula de 50 reais. Apesar disso, a espécie, que é o maior felino das Américas e o terceiro do mundo, corre sério risco de desaparecer na Mata Atlântica, por já ter perdido 85% de seu habitat. Estima-se que atualmente o número seja inferior a 300 indivíduos.

O biólogo lembra que as armadilhas fotográficas colocadas em campo já haviam registrado fêmeas da espécie, mas que até o registro feito no início do ano, os pesquisadores não tinham informações sobre a capacidade de reprodução da espécie na região.

“Até então a gente tinha registrado fêmeas e, com esse registro da mãe e o filhote, a gente confirmou que a espécie está se reproduzindo”, relatou Fusco. Segundo o especialista, o filhote aparenta ser um pouco mais velho. “Em geral, os filhotes ficam dois anos com a mãe e depois desse período de tempo ele já pode se estabelecer um território para se reproduzir”, disse.

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Fusco lembra que para que isso ocorra é necessário a preservação da Mata Atlântica. Mamíferos de grande porte como a onça, o porco-do-mato, a anta, o veado e a capivara, entre outros, sofrem com a perda de habitat e pressão de caça.

“Grandes mamíferos necessitam de áreas extensas para sobreviver, são extremamente vulneráveis à perda de habitat e à pressão da caça, sendo os primeiros a desaparecer”, explicou.

O especialista lembra ainda que a manutenção dessas espécies é fundamental para o equilíbrio ambiental. Mamíferos carnívoros, como a onça-pintada, por estarem no topo da pirâmide alimentar, são essenciais no controle e equilíbrio de populações de outros animais que fazem parte da sua dieta, influenciando diretamente em toda dinâmica do ecossistema.

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“São animais que precisam de um território bem grande. Eles podem se movimentar por quilômetros, a gente já registrou um mesmo indivíduo distante 35 km em linha reta e isso justifica a importância de conservar todo o corredor para ele poder transitar”, observou.

Já mamíferos herbívoros, como a anta e a queixada, são essenciais para a manutenção da floresta, por serem dispersores de sementes. Tais espécies são responsáveis pela dispersão de mais de 100 tipos de sementes, por extensão de cerca de 40 quilômetros, diariamente.

“Teoricamente é uma área que tem uma floresta continua, mas tem problemas com a caça, exploração de palmito e a questão dos imóveis, a especulação imobiliária. A longo prazo, não seria exagero dizer que a viabilidade da floresta corre um grande risco”, alerta o pesquisador.

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Entre as consequências que podem ocorrer sem o equilíbrio e a preservação dos animais estão a perda de diversidade vegetal, introdução de espécies invasoras, perda de atividades econômicas como o turismo, além de outras imprevisíveis.

“A perda dessa biodiversidade de animais vai acarretar um monte de outros problemas até imprevisíveis, como novas doenças, perda de qualidade de água para o abastecimento das populações, entrada de espécies invasoras, perda de atividades como o turismo que gera renda, fora a liberação de carbono com a perda da floresta”, alertou Fusco.

Conflitos

Fusco disse que a próxima etapa do projeto é o mapeamento de locais onde a presença do animal gera conflitos, o que pode resultar na morte de indivíduos, como o que aconteceu com uma onça-pintada encontrada morta na região da Serra de Paranapiacaba, no estado de São Paulo, na última quinta-feira (15). O animal possuía mais de 50 perfurações de chumbo. Uma das hipóteses é que a onça tenha sido morta por ter atacado alguma criação de animais na região.

“Já tem a caça clandestina de animais como a onça pintada; tem gente que tem medo do animal por não conhecer e acaba matando, mas o principal motivo de caçar é por ataque à criação doméstica, por ela matar animais de porte maior, como cachorros, gado, porco”, disse.

Segundo Fusco, uma das possibilidade para este tipo de ataque às criações é a diminuição das presas naturais da espécie, o que leva esses animais a adentrarem em áreas com ocupação humana.

“A gente vai agora passar para a etapa de entender essa situação e fazer esse mapeamento de conflito que existe na região. A gente quer conversar com as pessoas e tentar entender esse conflito para discutir maneiras de reduzir esses ataques, por exemplo. Uma das possibilidades é alterar o manejo da criação para evitar o ataque e isso pode ser feito de diversas formas, como o uso de cercas elétricas para espantar as onças”, ponderou.

Segundo Fusco outro animais, como a anta também acabam sendo mortos por invadir as propriedades rurais.

“A anta também tem conflito com moradores locais. Às vezes ela entra na propriedade para comer o cultivo de frutos e acaba gerando conflito também”, disse.

Fusco ressalta que o bom manejo e conservação de áreas naturais atrai oportunidades de benefício socioeconômico para a região. Entre as possibilidades está o desenvolvimento regional baseado no turismo em áreas naturais e em negócios de impacto positivo ao meio ambiente, com a participação da população local.

“A gente quer promover esse grande remanescente de Mata Atlântica para as pessoas conhecerem. Uma das possibilidades poderia ser o turismo de observação de animais. Existem já algumas iniciativas desse tipo com primatas e a própria anta. A gente que envolver as comunidades locais no processo, seria uma forma de geração de renda fantástica e atrairia as pessoas. Além de gerar emprego e renda, valoriza a vocação local e mantém a floresta em pé”, disse o pesquisador.

Programa

O programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar surgiu da necessidade de uma agenda integrada para monitoramento e conservação de grandes mamíferos. Isso porque o resultado de 15 anos de pesquisa na região indicou que tais espécies estão mais presentes em locais mais elevados e remotos, deixando muitas áreas de floresta demograficamente vazias de grandes mamíferos, inclusive em unidades de conservação.

A iniciativa atua em quatro frentes de ação: monitoramento, com coleta de dados de maneira científica e sistemática; planejamento de conservação, para apoiar os tomadores de decisão nas ações de proteção e manejo; sensibilização, para gerar mais conhecimento e valorização da fauna da Mata Atlântica por toda a sociedade e, por fim, a rede de monitoramento.

O programa é realizado pelo Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC) e Instituto Manacá, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, WWF-Brasil e do banco ABN AMRO, e com a parceria da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Fundação Florestal, do Legado das Águas – Reserva Votorantim, da Fazenda Elguero, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (PPG ECO – UFPR) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

(Agência Brasil)

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