
No último dia 25 de junho, foi divulgado o relatório elaborado pelo Escritório do Diretor de Inteligência Nacional dos Estados Unidos sobre fenômenos aéreos não identificados (UAP, por sua sigla em inglês). O mesmo era aguardado com grande expectativa pela opinião pública. Como costuma acontecer com anúncios bombásticos, na minha opinião, a informação fornecida pelo relatório foi escasso considerando as expectativas criadas. A situação poderia ser descrita tomando emprestadas as palavras do título da comédia de William Shakespeare, “Much Ado About Nothing”, traduzida para o português como “Muito Barulho por Nada”. Depois de algumas semanas, quando o barulho parar, tentarei ver se podemos encontrar qualquer coisa.
Desde o início eu queria descartar a atitude “Eu quero acreditar” do pôster que estava no escritório do agente do FBI Fox Mulder no episódio piloto de “Arquivo X”. A busca por vida extraterrestre inteligente não é uma questão de fé; há décadas é objeto de estudo da astrobiologia e de outras disciplinas, entre as quais a antropologia, a filosofia e até mesmo a teologia. Essa pesquisa ocupou e ainda ocupa um lugar de destaque no meio acadêmico. Eu mesmo dirijo o Projeto OTHER do qual participam pesquisadores de diferentes disciplinas acadêmicas. Portanto, essa busca exige o rigor do método científico, que se baseia em evidências.
Eu fiz o esforço de ler as nove páginas do relatório desclassificado pelo governo dos Estados Unidos, embora eu não tenha o preparo acadêmico ou tecnológico para poder fazer um julgamento bem fundamentado sobre ele. Menciono três pontos que me chamaram a atenção.
1. A motivação é a segurança nacional. Afinal, quem o publicou foi o Escritório do Diretor de Inteligência Nacional.
2. O relatório tenta fornecer uma explicação provável para os UAPs e lista cinco categorias:
- desordem no ar (pássaros, balões, destroços, etc.);
- fenômenos atmosféricos naturais;
- programas em desenvolvimento pelo governo ou a indústria dos Estados Unidos;
- sistemas desenvolvidos pela China, Rússia ou outra nação e,
- Outros, categoria que requer conhecimento científico adicional para a compreensão do fenômeno.
3. O relatório não usa as palavras “extraterrestre” ou “alienígena”.
Antes de que o relatório se tornasse público, fui entrevistado por um jornalista de um meio de comunicação católico americano para que desse a minha perspectiva sobre o assunto. Eu resumo minhas ideias. É importante que seja investigado em um contexto acadêmico multidisciplinar, utilizando o método científico que é adquirido ao longo de uma carreira universitária. Resumindo, o PhD é a carteira de motorista que a comunidade acadêmica te concede para que você possa ser independente e crível nas suas pesquisas. Além disso, é a comunidade científica que deve reconhecer os resultados de sua pesquisa, por meio de publicações revisadas por pares. O resto cai na categoria das conversas de bar teorias da conspiração. Sei que o mundo acadêmico não é perfeito, mas é o melhor que temos e funciona bem há séculos.
Levando em consideração as características do universo e da vida na Terra, acho que é provável que exista vida inteligente em nossa galáxia, embora não seja comum.
No final da entrevista, já em off, perguntei ao jornalista a sua opinião sobre o assunto e ele estava bastante convencido de que os alienígenas já nos haviam visitado. Expressei meu pensamento a ele: se algum dia fizermos contato, não acho que será com o ET ou o Sr. Spock em carne e osso, mas com inteligência artificial, quer dizer, artefatos como as sondas Voyager ou os rovers que estão em Marte. Sua resposta foi: “Então… que chato!”
É preciso muita paciência para pesquisar ciência e mais paciência ainda para procurar sinais tecnológicos de civilizações extraterrestres.
*Por José G. Funes, S.J. – Jesuíta, doutor em Astronomia, pesquisador do Conicet-Universidad Católica de Córdoba, ex-diretor do Observatório do Vaticano.
Produção jornalística: Silvina L. Márquez.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.