* POR Alexandre Gossn

Ensaio sobre a Lucidez: Quando o mestre Saramago previu a decadência dos ideais democráticos nos EUA

Em 2004, José Saramago lança a obra, que muitos críticos e leitores concluíram erroneamente ser apenas uma continuação piorada de Ensaio sobre a Cegueira (1995). Ledo engano

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Quando o mestre Saramago previu a decadência dos ideais democráticos nos EUA – Crédito: Reprodução

Em 2004, José Saramago lança Ensaio sobre a Lucidez que muitos críticos e leitores concluíram erroneamente ser apenas uma continuação piorada de Ensaio sobre a Cegueira (1995). Ledo engano.

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Se o Ensaio sobre a Cegueira olha para trás, esmiuçando as perversidades humanas que nos ferem há milênios, agora potencializadas pelo excesso de informação que cega não através da escuridão, mas sim pela cegueira branca leitosa que ofusca, o Ensaio sobre a Lucidez olha para frente, descortinando as pedras que desviariam dezenas de regimes e milhões de eleitores do apreço por valores humanitários e democráticos.

É preciso ser claro: não é coincidência. A ficção vem do latino fictionem, ou seja, molde ou fôrma. Por isso, na Antiguidade Romana, os escultores eram chamados de fictor. Assim, aquele que elabora ficções nada mais é que um escultor que dá forma ao que vê. E a imaginação e a fantasia, como estuda atualmente a Academia de Ciências Sociais, estão alicerçadas em raízes profundas, sendo nutridas diretamente pela própria realidade.

Eis a trama simples e premonitória do então considerado pessimista Saramago: ocorrem eleições presidenciais em um país fictício e praticamente ninguém comparece para votar, sendo que a maioria dos eleitores que vai às urnas, vota em branco. Pensando ter sido um engano, o governo repete o pleito semanas depois e o resultado é até pior. Como o partido vencedor tem mais votos, porém é o mais do mínimo, perde legitimidade e os rivais passam a contestar o resultado. Setores da sociedade temem o vácuo de poder e a possível anarquia. A partir daí, parte da sociedade se volta para o que considera a salvação: confiar em “homens fortes”, que se mantém no poder, elegendo minorias como “espantalhos”. As perseguições se acentuam de forma dramática e paro aqui para não dar spoilers, afinal é um livro lido por poucos.

Mas é brilhante. Em certa medida, antevê Putins, Erdogans, Orbans e Trumps mundo afora. E agora, na antessala das eleições nos EUA em 2024, ainda mais.

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 *Alexandre Gossn é escritor, pesquisador, colaborador da Universidade de Coimbra, doutorando em Estudos Contemporâneos com foco nas Ciências Sociais e Autoritarismos Contemporâneos pelo Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, Mestre em Direito e Advogado. Autor de Chapados de Cloroquina (2021), Fascismo Pandêmico (2020), Cidadelas & Muros (2020), Liberdade, Metamoralidade & Progressofobia (2019) e lançando agora “Santo Adamastor, vol 01 – A concepção” em fevereiro, já em pré-venda, apresentando a obra em dos principais painéis de abertura da edição 2024 do Festival Literário Flipoços em Poços de Caldas/ MG em abril deste ano

 ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Grupo Perfil Brasil

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