Qual o papel das redes sociais no mundo atual?

Depois de quebrar a oligarquia midiática no poder e aumentar a liberdade de expressão das pessoas, as redes sociais resultam não ser tão transformadora quanto a imprensa escrita 500 anos atrás. Mas para garantir que a tecnologia faça mais bem do que mal, as suas principais funções devem ser separadas umas das outras

Qual o papel das redes sociais no mundo atual
(Crédito: Canva Fotos)

Outrora elogiadas por seu papel central na Primavera Árabe, as plataformas de redes sociais são agora culpadas por qualquer coisa que a grande mídia não goste no mundo atual, desde o referendo do Brexit e a eleição de Donald Trump, até a polarização política em geral.

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Um crescente desencanto com as redes sociais intensificou as demandas por regulamentação. A pressão já é tão grande que o Facebook, temeroso de possíveis controles do Estado, tem tentado assumir a liderança nos esforços regulatórios e divulga enfaticamente o seu apoio a essas políticas.

Mas de que tipo de regulamentação precisamos? Para responder a essa pergunta, é preciso primeiro entender a natureza transformadora das redes sociais, que pode ser comparada à da imprensa na Europa do século XV.

História

Antes da imprensa, os livros eram muito caros e sua produção dependia do subsídio da Igreja Católica, que detinha, portanto, o monopólio do conhecimento. Mas o advento da imprensa tornou os livros accessíveis para a classe dos comerciantes. E como os seus membros geralmente não eram fluentes em latim, aumentou a demanda por Bíblias impressas no idioma vernáculo.

Assim, a imprensa mudou não apenas a linguagem dos livros, mas também o estilo e o teor do debate. Embora as discussões escolásticas da Idade Média fossem intensas, sempre foram educadas e agudas. Mas a imprensa trouxe consigo a Reforma, caracterizada por debates teológicos injuriosos e teatrais. Então, como agora, todos entenderam que um combate intelectual intensamente emocional favorecia as vendas.

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A reação do establishment católico a essa nova era foi multifacetada, mas há três decisões que merecem destaque: a recentralização do poder nas mãos do papa; a criação do Index de livros proibidos; e a intensificação do papel da Inquisição como protetora das almas católicas contra os pregadores do “falso conhecimento”. Ver a pauta de livros proibidos pela Igreja Católica é uma experiência vergonhosa: o Index incluía muitas das obras mais importantes da cultura ocidental, de Maquiavel e René Descartes a Galileo Galilei e Immanuel Kant.

Monopólio e oligopólio

A imprensa desbaratou um monopólio; as redes sociais, por outro lado, invadiram um estreito oligopólio. Antes das redes sociais, qualquer pessoa era livre para se expressar, mas nem todo mundo tinha direito a um megafone. A impressão de textos era relativamente barata, mas sua distribuição não, e transmiti-los no rádio e na televisão, quando permitido, era ainda mais caro.

Daí que o acesso aos megafones tenha sido limitado àqueles que expressaram ideias que os anunciantes consideravam aceitáveis. E para administrar o estreito oligopólio, surgiu uma nova classe jornalística, com o poder de escolher os temas que eram discutidos, os livros que eram lidos e as músicas que se ouviam. E também de pré-selecionar candidatos presidenciais, ajudar a virar eleições e até aconselhar governos. Os jornalistas de elite se transformaram nos padres da nova ordem.

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Quando as redes sociais invadiram esse clã cartelizado, a reação automática do poder estabelecido (a mesma do século XVI) foi tentar retomar o controle da informação. O processo geral é o mesmo: fica proibido falar sobre certos assuntos no Facebook e outras plataformas, excomungam-se certos usuários. Mas a história deveria ter nos ensinado que essa estratégia não funciona. O martírio é a melhor forma de publicidade; ocancelamentopode ser o ponto de partida para triunfos ainda maiores.

Regulação

Para regular efetivamente as redes social, é necessário se concentrar em separar os efeitos da tecnologia (que já são irreversíveis) dos efeitos de um modelo de negócio específico, cuja regulamentação pode mudar. O problema não é que as pessoas possam postar ideias absurdas na Internet; enquanto não houver crime, as pessoas devem ser livres para se expressar. O problema, na verdade, é a combinação das redes sociais com um modelo de negócios que maximiza os lucros promovendo as ideias mais absurdas e incendiárias.

É um modelo facilitado pela imunidade que as plataformas de mídia social têm contra consequências legais ou de reputação. Os jornais costumam ser responsabilizados pelo que imprimem (em termos jurídicos e de reputação). Mas a Seção 230 do Communications Decency Act dos Estados Unidos (1996) permitiu que as empresas de redes sociais se esquivassem de qualquer responsabilidade legal pelo que aparece em suas plataformas. E quando são criticadas por promoverem conteúdo absurdo, sempre culpam os algoritmos (mesmo quando são elas mesmas que os criaram para maximizar o tempo que os usuários passam na plataforma).

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As plataformas de redes sociais têm duas funções: operam redes que conectam bilhões de pessoas e decidem que conteúdo será visto por essas pessoas. Os jornais desempenharam um papel editorial semelhante durante séculos, mas em um ambiente de intensa competição, o que não se pode dizer do ambiente atual das redes sociais. O Facebook detém cerca de 72% do mercado de redes sociais nos Estados Unidos, de forma que na prática é um monopólio, com todas as consequências negativas que isso acarreta.

É aqui que a regulamentação pode ser útil: para separar a “rede” do “social”. Em muitos países, a rede de distribuição de eletricidade (um monopólio natural) é separada da produção de eletricidade. Da mesma forma, a infraestrutura de inter-relação proporcionada pelas redes sociais e a função editorial devem ser separadas. A primeira atividade é um monopólio natural em virtude das externalidades de rede; para a função editorial, por outro lado, a competição é adequada. Em particular, é importante que a empresa que gere a rede virtual seja excluída do negócio editorial, já que de outra forma poderia eliminar qualquer concorrência subsidiando uma atividade com a outra (exatamente o sistema que temos hoje).

Leis

De onde virão os ganhos desses dois âmbitos separadas? O âmbito competitivo oferece muitas opções: as empresas podem anunciar, vender dados ou cobrar os clientes pelo conteúdo ou pelo privilégio de não receber anúncios ou de não ter seus dados disponíveis para venda. A rede virtual (como qualquer monopólio natural) deve cobrar um preço regulado pelo acesso à infraestrutura.

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Para fazer essas mudanças, não temos de recorrer aos tribunais ou à regulamentação tecnocrática, mas sim à legislação. Em uma sociedade democrática, a tomada de decisões políticas fundamentais que afetam o fluxo de informações é tarefa dos representantes eleitos. E não estou otimista de que em breve veremos uma lei dessa natureza nos Estados Unidos: os legisladores que dependem das redes sociais para a reeleição não vão morder a mão que os alimenta. Mas não nos enganemos: não há outra solução. Todo o resto é um paliativo ou, pior, uma forma de fortalecer o monopólio atual.

*Por Luigi Zingales – Professor de Finanças da Universidade de Chicago. Co-apresentador do podcast Capitalisn’t. Copyright Project-Syndicate.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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