intolerância religiosa

Tranca Ruas: o que se sabe sobre entidade citada em show de Ludmilla?

“Tiraram do contexto”, disse a cantora após um babalaô e um deputado estadual entrarem com ações contra a artista por causa da mensagem exposta em show nos EUA

Ludmilla
Ludmilla foi acusada de intolerância religiosa por frase projetada em show – Crédito: Reprodução

Durante a sua participação no festival Coachella, nos Estados Unidos, a cantora Ludmilla foi acusada de intolerância religiosa após projetar a frase “Só Jesus expulsa o Tranca Ruas das pessoas” em seu show. Um babalaô e um deputado estadual entraram com ações contra a artista por causa da mensagem.

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Antes de cantar a música “Rainha da favela”, Ludmilla mostrou um clipe com diferentes imagens do cotidiano em comunidades do Rio, e a frase apareceu. Tranca Ruas é um dos exus, entidades da umbanda. Ele é considerado uma entidade que abre os caminhos de seus devotos.

O pesquisador e babalaô Ivanir dos Santos entrou com uma representação pública por entender que a frase, “exibida em palco internacional, é preconceituosa”Além disso, pede que Ludmilla se retrate. Já o deputado estadual Átila Nunes (PSD) fez uma publicação nas redes sociais dizendo que também protocolou uma denúncia junto ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) pedindo a retirada do trecho, alegando ser “um preconceito contra as religiões de matriz africana”.

A cantora se pronunciou nas redes sociais no dia seguinte do show que aconteceu no último domingo (21). “Quando eu disse que vocês teriam que se esforçar pra falar mal de mim, eu não achei que iriam tão longe. Hoje tiraram do contexto uma das imagens do vídeo do telão do show em Rainha da Favela, que traz diversos registros de espaços e realidades a qual eu cresci e vivi por muitos anos, querendo reescrever o significado dele, e me colocando em uma posição que é completamente contrária a minha”, começou.

No final ela ainda ressaltou que respeita as pessoas como elas são “independente de qualquer fé, raça, gênero, sexualidade ou qualquer particularidade de que façam elas únicas.”

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Afinal, quem é Tranca Ruas, mencionado por Ludmilla?

Tranca Ruas é uma entidade da umbanda e candomblé e considerada um dos Exus mais importantes e poderosos. Ele é frequentemente invocado para questões relacionadas à proteção, abertura de caminhos, negócios e questões materiais.

A frase exposta por Ludmilla foi considerada preconceituosa porque as religiões neopetencostais acreditam serem demoníacas as entidades cultuadas pelas crenças afro-brasileiras e defendem que apenas Jesus tem poder para expulsá-las. Porém, seu significado nada tem a ver com o diabo, como explica David Dias, sacerdote de umbanda no Terreiro Aruanda, em São Paulo, e mestre em ciências da religião pela PUC-SP, em entrevista ao UOL.

“Trata-se da corporificação ancestral de muito daquilo que é marginalizado em nossa sociedade. Uma entidade que cura pessoas por meio de memórias ancestrais. Tranca Rua é um dos ancestrais que retoma a conexão com a memória negra das comunidades de terreiro”, explica. A imagem da entidade geralmente é atrelada a um homem elegante e astuto, geralmente vestindo roupas finas e carrega uma bengala.

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“É impossível passar por um terreiro de umbanda, cruzar com o Tranca Ruas e seguir descrente da possibilidade de cura”, diz o sacerdote. O Tranca Rua tem muito poder e sabedoria, segundo a crença, por isso praticantes do candomblé e principalmente da umbanda têm muita fé nessa entidade.

Homenagem na Sapucaí

A Acadêmicos do Grande Rio, em seu desfile campeão de 2022, trouxe Tranca Ruas e outros espíritos da falange dos exus, que servem a diferentes propósitos e têm várias formas. Na sinopse do enredo “Fala, Majeté! As 7 chaves de Exu”, os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora explicam muito bem a fala de David Dias.

“A associação de Exu com as ideias de ‘mal’, ‘atraso’, ‘perigo’ e ‘pecado’ (…) remonta, no Brasil, aos tempos coloniais e à escravização negra (…). A imposição de um Deus único, na sociedade cristã ocidental, gerou um grande questionamento a ser resolvido em termos práticos: se, afinal, só pode haver um Deus, o que fazer com os demais deuses louvados no restante da face da Terra?”, escreveram. Ao longo do enredo, falam sobre a demonização dos deuses e do preconceito daqueles que acreditam que a sua fé é a verdade absoluta.

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O ator Demerson D’Alvaro, o Exu da comissão de frente da Grande Rio – Crédito: Reprodução/TV Globo

O número de violações motivadas pela intolerância religiosa cresceu 80% entre 2022 e 2023, segundo dados divulgados em janeiro de 2024, pelo Ministério dos Direitos Humanos. As religiões de matrizes africanas são as mais atacadas.

*texto sob supervisão de Tomaz Belluomini

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