A Ucrânia é uma das maiores potências paralímpicas do mundo – e não somente nos Jogos de Verão, como são conhecidos aqueles disputados recentemente em Tóquio (Japão) e Rio de Janeiro. O país do leste europeu ocupa as seis primeiras posições do quadro de medalhas na Paralimpíada de Inverno desde 2006, em Turim (Itália). Na estreia, em 1998, na cidade japonesa de Nagano, atletas ucranianos já frequentavam o topo do pódio.
A presença do país nos Jogos de Pequim (China), que iniciam nesta sexta-feira (4), porém, é uma incógnita, devido à ação militar russa na Ucrânia. Em nota divulgada na última quinta-feira (24), quando os ataques começaram, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) condenou a Rússia por quebrar a “Trégua Olímpica”, definida em consenso pelos 193 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), em assembleia geral realizada em dezembro do ano passado.
No comunicado, o presidente do IPC, o brasileiro Andrew Parsons, disse estar em contato com a delegação ucraniana, mas reconheceu que levar os atletas à capital chinesa será um desafio “gigantesco”. O espaço aéreo do país está fechado, comprometendo não só a ida a Pequim, mas o eventual retorno a Kiev, que não soa seguro neste momento (nações vizinhas como Polônia e Moldávia têm sido a rota de fuga).
Em contato por e-mail com a Agência Brasil, o porta-voz do IPC, Craig Spence, informou nesta segunda-feira (28) que a entidade trabalha “em estreita colaboração com o Comitê Paralímpico Ucraniano para tentar levá-los aos Jogos”. Afirmou, ainda, que uma resposta “mais detalhada” será fornecida “assim que possível”.
Memórias de 2014
Não é a primeira vez que o paradesporto ucraniano se vê nessa encruzilhada. Há oito anos, a Paralimpíada de Inverno na cidade russa de Sochi foi realizada cerca de uma semana após a Rússia invadir a Ucrânia e anexar a península da Crimeia. No último sábado (26), via Facebook, o presidente do Comitê Paralímpico Ucraniano, Valeriy Sushkevich, lembrou que houve pressão para que a delegação boicotasse os Jogos na ocasião.
“Reunimos nossa equipe, olhamo-nos nos olhos e decidimos lutar pela vitória da Ucrânia, exatamente onde seria mais difícil de alcançá-la. Tivemos nossa vitória. O mundo ficou mais uma vez maravilhado com o resultado esportivo ucraniano, e o mais importante: nosso desejo de paz na Ucrânia e no mundo”, escreveu o dirigente.
Apesar da supremacia russa, com 30 ouros, 28 pratas e 22 bronzes, a Ucrânia se destacou ao terminar os Jogos no quarto lugar geral, com 25 pódios ao todo (menos apenas que os anfitriões). Alguns dos ucranianos que foram ao pódio optaram por cobrir a medalha em protesto. Outra manifestação foi a decisão de somente um dos 31 atletas do país em Sochi (o esquiador Mykailo Tkachenko) participar da cerimônia de abertura. Ele foi aplaudido de pé.
“O que podemos fazer, hoje, como seleção paralímpica nacional? Como Comitê Paralímpico Ucraniano? Trabalhar, preparar, fazer o possível e o impossível para unirmos o mundo pelo que é a Ucrânia, que está poderosamente a lutar pela paz. Nós sabemos onde está nosso campo de batalha”, concluiu Sushkevich, na publicação de sábado.A Ucrânia tem 20 atletas classificados para Pequim. Alguns com tudo para serem protagonistas. Casos de Vitaliy Lukyanenko, dono de seis ouros paralímpicos no esqui cross-country entre esportistas com baixa visão, ou de Liudmyla Liashenko, que iniciou 2022 sendo campeã mundial da modalidade em Lillehammer (Noruega) nas disputas para esquiadores com deficiências físico-motoras e que competem em pé.
E a Rússia?
Há pressão para que russos (e os aliados bielorrussos) sejam suspensos e não compitam na China (o que ainda pode acontecer). Spence, do IPC, confirmou à Agência Brasil que a entidade “recebeu comunicados de vários NPCs [sigla em inglês para Comitês Paralímpicos Nacionais]” e disse que o assunto será o principal da reunião do Conselho Administrativo, nesta terça-feira (2).
No sábado, o Comitê Paralímpico Ucraniano compartilhou, no Facebook, um documento assinado por presidentes das entidades paradesportivas de Polônia, Estônia, Letônia e Lituânia, direcionado ao IPC. Eles pedem sanções a Rússia e Belarus “por tempo indeterminado” e solicitam “apoio humanitário e financeiro aos atletas paralímpicos da Ucrânia, imediatamente”.
A Global Athletes também se pronunciou. Formada por esportistas de todo mundo, a entidade divulgou uma carta aberta no último domingo (27) direcionada ao IPC e também ao Comitê Olímpico Internacional (COI), em nome dos atletas ucranianos.
“Atletas, compatriotas, familiares e amigos estão em grave perigo como resultado desse ataque agressivo de Rússia e Belarus em nosso país. Pedimos que se unam à comunidade internacional para sancioná-los. […] Se o COI e o IPC se recusarem a tomarem medidas, estarão claramente encorajando as violações de leis internacionais cometidas por Rússia e Belarus e enviando uma mensagem ao mundo de que colocaram os interesses deles à frente dos atletas. Seu legado será definido por suas ações”, diz a carta.
Nesta segunda, o Conselho Executivo do COI recomendou que a participação de atletas e equipes russas e bielorrussas em competições esportivas não fosse liberada. Também manifestou que, nos casos em que isso seja inviável, as federações internacionais não permitissem a exibição de bandeiras ou tocassem os hinos dos países.
Atualmente, os russos já cumprem uma punição, devido a escândalos de doping, na qual estão impedidos de competir sob a bandeira ou de ouvir o hino do país no pódio, representando somente o Comitê Paralímpico local (RPC, na sigla em inglês). Foi assim, por exemplo, na Paralimpíada de Tóquio. Na última edição dos Jogos de Inverno, em Pyeongchang (Coreia do Sul), há quatro anos, eles disputaram como “atletas neutros”.
(Agência Brasil)