20 de novembro

Dia da Consciência Negra: o racismo no futebol

O Dia da Consciência Negra foi idealizado para celebrar a memória de Zumbi dos Palmares, que morreu nesta data

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(Crédito: GettyImages) 

Nesta segunda-feira, 20 de novembro, é celebrado no Brasil o Dia da Consciência Negra. A data representa a importância de valorizar a memória, o povo negro e a cultura africana, em um país ainda muito marcado pelo racismo, levantando questões de discriminação com o intuito de melhorar a inclusão na sociedade.

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O Dia da Consciência Negra foi idealizado para celebrar a memória de Zumbi dos Palmares, que morreu nesta data. Zumbi, que comandou o Quilombo dos Palmares por 15 anos, foi morto em 20 de novembro de 1695, num território que hoje pertence a Alagoas. Ele liderou um dos maiores redutos de resistência à escravidão no período colonial.

Em parceria especial, as marcas SportBuzz e Aventuras na História ouviram os idealizadores dos projetos “Observatório Racial no Futebol” e “Gondwana FC”, além do ex-goleiro Mario Aranha, que comentaram sobre a importante data e o papel do negro no futebol. Ouça na íntegra o episódio do podcast clicando aqui.

Dentro do futebol nacional, por exemplo, a data ainda não é amplamente debatida, além de ações pontuais de alguns grandes clubes. Em 2018, por exemplo, a Seleção Brasileira enfrentou Camarões no dia 20 de novembro, para um amistoso, mas não houve manifestação sobre a data pelo lado brasileiro.

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Hoje, o debate para levantar as questões raciais dentro do esporte mudou e, gradativamente, vem sendo presente. Além de projetos como o “Observatório da Discriminação Racial no Futebol”, idealizada por Marcelo Carvalho, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) lançou neste ano a primeira edição do Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol.

Em conversa com o SportBuzz, Marcelo Carvalho explicou alguns pontos sobre as campanhas dentro do futebol brasileiro e destacou que raramente elas são efetivas. Ele alertou que, em muitos casos, as ações não são bem aceitas por torcedores. Marcelo também destacou que não há tanto posicionamento de atletas por conta do apagamento histórico.

“O que a gente acompanha são ações pontuais tanto dos clubes, como das federações, como dos campeonatos. Nunca teve uma campanha efetiva com mensagens, visuais e um debate acontecendo. Nunca teve isso no futebol brasileiro, mas a gente está tendo um aumento muito grande da participação dos clubes nessas ações, porque antes eram isoladas de um clube ou de outro”, começou.

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Mario Aranha, ex-goleiro do Santos, em duelo contra o Grêmio
Mario Aranha, ex-goleiro do Santos, em duelo contra o Grêmio (Crédito: GettyImages) 

“Hoje, a gente tem muito mais clubes fazendo ações, mesmo que muitas vezes sejam ações midiáticas ou ações voltadas à questão financeira que seria uma venda de camisetas. Quando um clube participa disso, a gente acaba tendo um maior debate entre os torcedores, porque nem todos concordam com as ações; então, gera um debate”, acrescentou.

O Observatório é um projeto que monitora, acompanha e notícia casos de racismo no esporte e usa sua ferramenta para debater, alertar e conscientizar sobre estes episódios no futebol brasileiro. O projeto lança anualmente o Relatório da Discriminação Racial.

“Outro ponto importante é que o Observatório vem monitorando o aumento de diretorias ou de grupos de diversidade dentro dos clubes de futebol. Fora deles, existe um aumento muito grande de coletivos de mulheres, LGBTs e negros que estão tentando levar essa pauta para dentro do clube. São coletivos do lado de fora dos clubes, mas o que a gente está percebendo são diretorias ou núcleos de diversidade sendo montados nos times e isso vai ter um reflexo lá na frente”, disse Marcelo.

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“Continuam presos às ações publicitárias e de marketing, mas eu creio que, elaborando esses grupos e pautando mais esse debate, a gente vai sair dessas ações de marketing e entrar de fato nessas iniciativas que vão ter resultado. Iniciativas de pensar diversidade, pensar inclusão. Acho que isso é um caminho que estamos trilhando”, completou.

O podcast ainda ouviu o ex-goleiro Mario Aranha, vítima de um dos casos de racismo de maior repercussão dos últimos anos. No jogo entre Grêmio e Santos, pela Copa do Brasil de 2014, ele – que atuava pelo Peixe – foi alvo de parte da torcida gaúcha ao ser chamado diversas vezes de “macaco”.

Como punição, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu pela exclusão do Grêmio da competição nacional; decisão inédita no cenário competitivo brasileiro. O clube também foi multado em R$ 50 mil.

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“Pela agilidade da época, pelo clube que eu passava, o momento que eu passava, já como jogador experiente. Encaminhando-me para um final de carreira. Eu acho que tiveram alguns imprevistos, mas poucos. Olhando para o lado positivo, ele me deu a oportunidade de expor um trabalho que eu fazia desde a minha adolescência e que eu já fazia enquanto jogador, porém não tinha espaço de expor isso na mídia”, disse Aranha.

“Dizem que os jogadores sempre falam as mesmas coisas, dão as mesmas respostas, mas é porque as perguntas são sempre as mesmas. Principalmente, porque são direcionadas ao jogo. E a partir daquele momento, o microfone e atenção da mídia veio para mim para falar sobre outras questões. E aí eu acho que a população brasileira começou a perceber que existe algo mais em um jogador de futebol, existe um ser humano por trás daquele personagem”, relembrou o ex-goleiro, que hoje é escritor e ativista.

Mônica Saraiva, jornalista, fotógrafa e co-fundadora de Gondwana Futebol & Cultura ao lado de Sébastian Acevedo, empreendedor social e facilitador esportivo, comentou o papel do futebol no resgate da memória cultural e histórica brasileira.

“Falando de memória cultural, que eu acho que se relaciona muito com a história também. Os dois estão vinculados. Eu acho que temos pessoas incríveis lutando pela memória cultural e histórica brasileira. E aí eu posso falar pelos museus de São Paulo. Que surgiram… E alguns nem faz tantos anos. Se a gente for pensar, o Museu do Futebol tem 14/ 15 anos, se a gente for pensar, não faz muito tempo”, disse.

“Eu vejo que ainda é um largo caminho que precisa ser feito se a gente for pensar na Constituição, que é de 1989. Se a gente for pensar que as mulheres foram proibidas por lei de jogarem futebol no Brasil durante 40 anos… A gente tem tudo meio recente. Então, eu acho que a gente precisa se unir para que essa memória cultural não se acabe, ainda mais nos tempos que a gente vive, onde querem tirar nossa cultura, nossa história e tudo que fizemos. Que a gente retroceda o que conquistamos. E eu vejo que essa memória cultural, eu acho que a chave disso tudo pode ser a educação”, completou Mônica durante a conversa.

Goleiro Aranha, ex-jogador do Santos
Goleiro Aranha, ex-jogador do Santos (Crédito: GettyImages)

Por fim, Mario Aranha também explicou o motivo de celebrarmos o Dia da Consciência Negra no Brasil. Segundo ele, o Brasil fez um “photshop” (em outras palavras, uma maquiagem) em sua própria história.

“O Brasil é um país que se negou a falar de racismo e a gente tem o absurdo de muitas pessoas ainda hoje dizerem que o racismo não existe, então era um tema que ninguém abordava tanto as pessoas negras, que viam como um tema constrangedor, quanto as pessoas que não eram negras. Não existe ou pelo menos não conheço uma maneira de resolver um problema sem falar sobre ele, sem debater ele. E qual era forma que tinha para chamar atenção para esse assunto, a gente não poderia ficar esperando alguém morrer, como o caso (de George) Floyd para chamar atenção da mídia debater uma semana e acabou”, começou explicando.

“Então é tanto que a Consciência Negra, o 20 de novembro vem antes disso. Vem antes da morte do Floyd, porque a gente precisava cravar uma data que não era de comemoração, nunca foi, mas precisávamos ter uma data no calendário que chamasse a atenção das pessoas para essa pauta para que a gente pudesse conversar, debater este assunto. Só o fato da pessoa debater se ela é importante ou não, se é necessário ter esse feriado ou não, já se alcança seu objetivo por si só. Já trouxe o debate à tona e a oportunidade de falar, explicar e mostrar para as pessoas que ainda dizem ou conhecem de alguém que não estão atentos a isso e que dizem que não existe racismo, que não é bem assim, então você consegue de alguma forma entrar neste debate e tentar resolver este problema no Brasil”, completou.

Confira a conversa na íntegra com Mario Aranha:

*Texto originalmente publicado no dia 20 de novembro de 2022 em Sportbuzz.


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