Um marciano que fizesse um tour pelo nosso planeta acabaria se perguntando sobre a irracionalidade humana: “Mas o que há de errado com essas pessoas?” É que eu veria uma civilização que atingiu um grau de desenvolvimento científico, tecnológico e produtivo que garantiria moradia, alimentação, saúde, educação e muito mais, a cada um de seus habitantes, mas ao invés disso se aniquila em guerras sem sentido, mata milhões de pessoas com fome e doenças e degrada o meio ambiente a ponto de pôr em risco sua própria existência.
Isso me vem à mente a respeito do ensaio “Por que não há socialismo na América Latina?” de R. Mazzola, sobre o declínio político e a dispersão ideológica das propostas socialistas, também mundialmente.
Esta coluna abordou o assunto de forma breve e repetida, porque é realmente um verdadeiro disparate. Ao contrário de tempos anteriores, desde os primatas até algumas décadas atrás, quando em circunstâncias muito variadas de desenvolvimento produtivo, os humanos eram mortos com paus como presas; às lanças por um território ou aos bombardeios pela dominação da riqueza mundial, hoje nada disso seria necessário. Há, ou haveria, tudo e para todos.
Mas não, nós acompanhamos os bombardeios. Que outra explicação, senão econômica, tem a invasão russa da Ucrânia, país muito rico, ou as das “democracias” da África e da América Latina, além de desculpas nacionalistas ou ideológicas? A economia não é uma lei da natureza: é concebida e praticada por seres humanos e dá origem a uma ideologia. Para não ir mais longe, era feudal, monárquica, capitalista progressista e, hoje, neoliberal em meio mundo republicano; capitalismo de Estado autoritário na outra metade e social-democrata em alguns redutos que ainda resistem com dificuldade, como os países escandinavos. O problema, para todos, é a atual fase do desenvolvimento capitalista, que Marx tão bem antecipou em O Capital e outras obras. Muito brevemente, que “o capitalismo chegará a uma fase de seu próprio desenvolvimento em que suas forças produtivas -o modo como produz- entrarão em uma contradição antagônica, ou seja, insolúvel em sua própria lógica, com suas relações de produção, isto é, dizer a maneira pela qual a mais-valia é distribuída”.
E é aí que estamos hoje: a oferta supera a demanda em quantidade e velocidade de reprodução, afetada pelas máquinas e tecnologias que substituem o trabalho humano e pela queda dos salários dos que ainda têm seus empregos; com as exceções do caso. Com Mario Bunge e outros autores abordamos o assunto em profundidade no livro O Socialismo Tem Futuro? (Eudeba, 2013). Em suma: ou o capitalismo faz mudanças estruturais em sua forma de distribuir a mais-valia – isto é, adota formas socialistas – ou está a caminho de repetir, como já está acontecendo, o nacionalismo e as guerras comerciais, que continuam em guerras regionais e terminam num confronto geral, como aconteceu tantas vezes. A última, de 1929. A grande diferença agora é que uma guerra mundial será radioativo-químico-bacteriológica e deixaria o planeta inabitável; mataria a todos nós. Em outras palavras, não é possível hoje “reordenar o Estado” ou qualquer outra coisa, sem mudanças econômicas estruturais que garantam que esses Estados e suas sociedades possam viver livremente e em paz. Não se trata de “todos serem iguais”, mas “de cada um segundo sua capacidade para cada um segundo sua necessidade”, como propõe Dom Karl. É hora do socialismo democrático. Outra coisa é se a humanidade saberá aproveitá-la.
A “desrazão” é então porque o mundo não é socializado e, ao contrário, torna-se cada vez mais violento? Vá um para saber. Nesta questão crucial, hoje somos neandertais com a Internet. Resta reiterar o de Gramsci: “pessimismo da inteligência; otimismo da vontade”.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.