Colômbia: dois meses de protestos e de repressão violenta

As manifestações contra a política do governo do presidente Iván Duque não arrefecem. A OEA enviou uma missão para investigar denúncias de violações de direitos humanos

Colômbia dois meses de protestos e de repressão violenta
(Crédito: Guillermo Legaria/Getty Images)

A poucos dias da marca de dois meses desde o início dos protestos na Colômbia, o presidente Iván Duque recebeu uma visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para monitorar as denúncias de violações de direitos humanos sofridas por aqueles que saíram para protestar contra o máximo dirigente colombiano e seu gabinete. A chegada desta comissão de avaliação não foi recebida com grande hospitalidade pelo governo nacional, pois em 24 de maio a vice-presidente e chanceler Marta Lucía Ramírez respondeu negativamente aos pedidos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da CIDH para o envio de comissões que poderiam fiscalizar os diferentes atos arbitrários que estavam sendo cometidos tanto pelos Esquadrões Móveis Anti-Distúrbios (ESMAD) quanto pela polícia e outras forças de segurança.

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Pressões

Tanta foi a repercussão mundial da recusa da vice-presidente, que poucos dias depois o governo estendeu um convite a María Claudia Pulido, Secretária Executiva Interina da CIDH, para que a comissão da órgão pudesse pisar em solo colombiano.

“Sem dúvida houve muita pressão e depois de dizer às organizações que não deviam vir, tiveram que recuar. O que se vê é que há muita improvisação e falta de tato por parte do governo nacional”, afirma o sociólogo Fabián Sanabria, para quem “a chegada da CIDH impediu que o presidente Duque declarasse o estado de comoção interna, que era o que o governo queria fazer para que o Executivo tivesse o poder de fazer o que bem entender”.

Os números das várias violações dos direitos humanos no quadro da greve nacional são alarmantes. De acordo com a ONG Indepaz, desde 28 de abril, dia do início da greve, são 70 mortos, 73 manifestantes com ferimentos nos olhos e 539 desaparecidos, em menos de 60 dias de protestos.

“Perto do estádio metropolitano de Barranquilla fui detido junto com outro grupo de jovens, a polícia nos revistou e começaram a nos espancar. Roubaram alguns dos meus pertences e depois que me opus ao roubo começaram a me espancar, me bateram no joelho esquerdo e borrifaram uma garrafa de álcool nos meus olhos para me neutralizar”, disse Moisés Uribe, estudante de Direito, sobre as arbitrariedades que sofreram ele e um grupo de companheiros a mãos das forças de segurança. Apesar da repercussão mundial sobre a repressão e o grande número de mortes no âmbito da greve nacional, os massacres não pararam e ao final do primeiro mês de protestos, 13 pessoas foram assassinadas pelas forças do Estado em Cali, epicentro das demonstrações contra o governo.

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Números

A visita da Comissão da CIDH à Colômbia durou quatro dias, durante os quais se reuniram não apenas com o governo, mas também com várias ONGs e setores afetados pela repressão do Estado. Segundo relatório do Ministério da Defesa da Colômbia, houve quase 12.500 mobilizações em 862 municípios de todo o país. No entanto, os números oficiais de mortes contrastam fortemente com os apresentados por várias ONGs.

“Segundo o governo, houve 19 mortos, número distante daquele exposto por organizações nacionais e internacionais.”

“Há um fato objetivo e indiscutível: a atuação das forças públicas em relação à greve esteve fora da constituição e da lei. O governo tenta justificar os excessos das forças de segurança dizendo que como houve cidadãos que violaram a lei, então o Estado tem o direito de fazer a mesma coisa”, afirma o senador Jorge Robledo sobre as recorrentes violações de direitos humanos ocorridas durante os protestos. Para o legislador, o relatório da CIDH pode gerar “repercussões tanto nacionais quanto internacionais”.

A greve nacional ocorre em um momento crítico para o Centro Democrático, partido do presidente Duque e liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, pois em 2022 haverá eleições presidenciais. Atualmente, a imagem do presidente alcançou 76% de desaprovação, quase 20 pontos a mais que em fevereiro, segundo a empresa Invamer. Segundo levantamento do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (CELAG), 74% dos entrevistados concordam com a greve nacional e se as eleições fossem hoje o senador e líder da oposição Gustavo Petro lideraria a intenção de voto com mais de 30%.

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“As eleições de 2022 devem resultar na derrota do Centro Democrático, porque sofreu um grande desgaste, antes da greve havia descontento por causa do desemprego, a pobreza, a corrupção e abusos de toda espécie. O que a greve faz é refletir essas realidades de um governo que tem lidado com as reivindicações dos cidadãos de forma antidemocrática”, diz o senador Robledo.

Por sua parte, o filósofo Luis Marín assegura que “a grande novidade atual é que o uribismo está reduzido à sua expressão mínima em relação aos últimos 20 anos e não apenas nas áreas urbanas, mas com a novidade de que sua imagem também foi afetada no meio rural”.

Futebol

Uma das consequências da greve nacional e da repressão exercida pelo Estado foi a perda da sede da Copa América que a Colômbia iria realizar junto com a Argentina, e que finalmente está sendo disputada no Brasil. Duque insistiu até o último minuto que a Colômbia tinha condições de sediar o torneio até que finalmente alguns patrocinadores retiraram o apoio ao país e a Conmebol decidiu retirar as partidas que estavam programadas.

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“A única narrativa que o governo nacional tinha era a de oferecer aos colombianos a Copa América, e tiraram dele”, afirma o sociólogo Sanabria sobre a importância que esse evento representava para o governo nacional, pelo apelo ao espírito esportivo da população e pela perspectiva da união sob o manto da bandeira nacional.

Após pressões nacionais e internacionais, Iván Duque, juntamente com o Ministro da Defesa, Diego Molano, e o Diretor da Polícia Nacional, Jorge Luis Vargas, anunciaram uma reforma das forças de segurança.

“Dei instruções claras ao Ministro Molano para modernizar a estrutura do Ministério da Defesa a custo zero, onde daremos à segurança cidadã uma ênfase indiscutível, e, dentro dessa ênfase, o trabalho com a nossa Polícia Nacional, onde haja essa proximidade com o cidadão e com a estrutura da fiscalização cidadã do seu trabalho”, disse o presidente.

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A reforma, que será apresentada no Congresso no dia 20 de julho, prevê reformar os estatutos disciplinares, criar uma Diretoria de Direitos Humanos e uma comissão para a transformação integral, entre outros pontos estabelecidos no documento apresentado pelo governo nacional.

“Talvez aprendam a fazer as coisas de forma mais escondida, mas não creio que mudem as situações ocorridas a nível nacional em termos de repressão do Estado. Duvido muito que mudem as ações repressivas, criminosas e violentas das forças repressivas”, refletiu o jovem Moisés Uribe, que, junto com os demais manifestantes em Barranquilla, conseguiu fazer a greve transcender ao nível internacional graças, principalmente, às manifestações que ocorreram na Copa Libertadores, quando o River Plate enfrentou o Junior de Barranquilla e os protestos fora do estádio caribenho assumiram tanta ou até maior importância do que a própria partida.

“Não podemos abstrair o que está acontecendo. Não é normal jogar numa situação tão instável como a que vive o povo colombiano, não foi normal nem na prévia, nem no jogo”, afirmou o técnico Marcelo Gallardo na coletiva pós-jogo, enquanto diversos meios de comunicação da Argentina e região ecoavam as explosões, o gás lacrimogêneo e vários ruídos que foram ouvidos durante a transmissão do jogo.

Futuro

Embora não se saiba ainda o que pode acontecer com a greve nacional e com o governo de Iván Duque, a realidade é que o máximo dirigente da Colômbia não está dando sinais claros aos milhares de manifestantes que seguem ativos, especialmente no departamento de Valle del Cauca , cuja capital é Cali, principal foco dos protestos na atualidade. A política indica que o Centro Democrático, liderado pelo presidente, deverá dar uma mudança de rumo se pretende chegar com chances às eleições do próximo ano.

“O governo tem uma visão que não é democrática, para eles as coisas estão bem, eles acreditam que essa deveria ser a forma de agir do governo colombiano, justificando-se com o fato de que tem tido revoltas durante muitos, ações de guerrilha inclusive, e relacionando essa premissa procuram justificar a violação da constituição”, explica o senador Robledo. Essa naturalização da repressão do Estado por parte do governo já encontrou um limite muito forte na vontade de muitos colombianos, que estão dispostos a continuar lutando para que sejam respeitados os direitos democráticos a que fazem jus.

*Por Julian Rouvier – De Bogotá.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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