Em sua primeira decisão no processo de genocídio movido pela África do Sul contra Israel, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) evitou determinar que o governo israelense cesse sua campanha militar na Faixa de Gaza, só ordenando que adote “todas as medidas em seu poder” para não cometer “atos de genocídio” contra palestinos e deixe entrar mais ajuda no território.
As medidas cautelares foram emitidas duas semanas depois de as autoridades israelenses e sul-africanas apresentarem seus argumentos perante o tribunal.
Como representação judicial máxima das Nações Unidas, as ordens da CIJ são vinculantes, ou seja, devem ser cumpridas pelos países membros. No entanto, o único órgão da instituição que poderia impor quaiquer de suas decisões por meio do uso da força é o Conselho de Segurança, onde Israel conta com apoio dos EUA — um dos cinco membros permanentes (além de China, Rússia, Reino Unido e França) com poder de veto.
“É um peso muito mais político [da CIJ] do que prático”, avalia Erika Kubik, professora de Direito Internacional no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (Inest-UFF). “A gente fica refém do Conselho de Segurança e dessa arquitetura que imobiliza qualquer possibilidade de ação”, disse.
No petição por genocídio, a CIJ precisa investigar se há responsabilidade de Israel, o que é especialmente difícil de provar devido às especificidades do crime, em que a intenção de dizimar um grupo precisa ser evidente.
A decisão desta sexta-feira é a primeira de um processo que deve se arrastar por anos. No petição por genocídio, a CIJ precisa investigar se há responsabilidade de Israel, o que é especialmente difícil de provar devido às especificidades do crime, em que a intenção de dizimar um grupo precisa ser evidente.
“Aquilo que no começo do conflito a gente já dizia que se tratava de crimes de guerra, agora o que se alega é que esses crimes de guerra têm um objetivo genocida”, explicou ao GLOBO Sylvia Steiner, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional (TPI), também em Haia, e única brasileira a já ter integrado a corte.
“Existem desafios de diferente natureza para provar o genocídio em uma corte internacional. No TPI, o mais difícil é determinar a responsabilidade penal individual, como o dolo e o nexo de causalidade entre as ações e o resultado. Por outro lado, determinar a responsabilidade do Estado, como a África do Sul está fazendo, é mais fácil pelo número de provas que podem ser coletadas”, esclarece.
Em média, 250 pessoas são mortas por dia em Gaza, tornando o conflito o mais letal do século, segundo relatório da instituição britânica Oxfam deste mês. De acordo com o ranking da organização, a média de baixas por dia no enclave palestino supera a dos principais conflitos armados da História recente: Síria (96 mortos por dia), Sudão (51), Iraque (50), Ucrânia (43), Afeganistão (23) e Iêmen (15).
Não há um número mínimo de vítimas nem um período mínimo de ocorrência para que a prática de genocídio seja reconhecida. Enquanto o genocídio em Ruanda, em 1994, matou mais de 1 milhão de pessoas ao longo de um ano, o Massacre de Srebrenica, na Bósnia, durou dois dias, nos quais mais de 8 mil pessoas foram assassinadas.
READ HERE: summary of the #ICJ Order indicating provisional measures in the case concerning Application of the Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide in the Gaza Strip (#SouthAfrica v. #Israel) https://t.co/1NW9Kp5YJG pic.twitter.com/fSa3HH8SoH
— CIJ_ICJ (@CIJ_ICJ) January 26, 2024