Não somos todas afegãs

O “todas somos afegãs” acaba sendo um discurso homogeneizador nas redes sociais e, além disso, não, não somos todas afegãs

Não somos todas afegãs
(Crédito: Paula Bronstein/Getty Images)

A situação das mulheres no Afeganistão não pode ser analisada fora da atual situação caótica e imprevisível do país. Após a suspensão dos voos de evacuação, milhares de mulheres e seus filhos empreendem viagens perigosas para escapar através das fronteiras terrestres. O importante é fugir, não importa como ou para onde.

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Com a ascensão do Talibã, as mulheres correm o risco de perder todos os seus direitos, de serem forçadas a usar a burca, de serem proibidas de estudar e de serem violadas de todas as formas possíveis, como quando estavam no poder nos anos 1990. Lembremos que, entre outras coisas, as mulheres precisavam da figura indispensável do protetor masculino, eram apedrejadas por adultério, e as meninas eram abusadas e obrigadas a se casarem. A questão é o que acontecerá agora com as mulheres e meninas com o retorno do Talibã ao poder. Muitos especialistas falam da possibilidade de uma crise humanitária sem precedentes, onde haverá muitas vítimas, principalmente mulheres. Apesar dos discursos do novo governo sobre a inclusão e o respeito pelas mulheres, existem muitos temores bem fundados sobre o futuro. O desespero da população civil para fugir do país é uma demonstração disso.

Os feminismos do mundo devem manter um estado de alerta solidário sem reproduzir a lógica colonial do Ocidente. É dizer, devem exigir que os direitos das mulheres sejam respeitados para que elas possam decidir por si mesmas. O “todas somos afegãs” acaba sendo um discurso homogeneizador nas redes sociais e, além disso, não, não somos todas afegãs. Os feminismos exigem condições para que as mulheres possam decidir. Colocamo-nos no lugar do outro, que é a base da universalidade dos direitos humanos.

“É muito importante que falemos por nós mesmas e que deixemos de ser faladas pelos outros. Não apenas homens, mas também outras feministas, mulheres não muçulmanas. Que possamos ter uma voz, esse é o caminho”, diz Melina Sánchez Blanco, pesquisadora feminista muçulmana que trabalha no Programa de Estudos do Oriente Médio da Universidade Nacional de Córdoba. E, nesse sentido, lembra o que aconteceu há alguns anos na Europa com o debate sobre o véu usado pelas mulheres muçulmanas, que foi até proibido em alguns países com o objetivo de “libertar” as mulheres.

Qualquer autoridade afegã precisará de ajuda externa para sobreviver e manter a unidade do país, e será então que poderão ser exigidos em troca o respeito pelos direitos das mulheres e pelos direitos humanos.

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Depois de vinte anos, os Estados Unidos se retiram do Afeganistão de uma forma muito mais escandalosa do que foi sua chegada.

O jornalista e escritor espanhol Arturo Pérez Reverte, que também é correspondente de guerra, informou que os militares dos Estados Unidos abandonaram seus cães de serviço em gaiolas no aeroporto; ele postou a imagem em sua conta no Twitter e escreveu “eles deixaram seus cães, que enlouquecem de fome e sede”. O Pentágono negou em suas redes. Mas, independentemente de quem escolhamos acreditar, é uma imagem que explica o fracasso da intervenção e a desorganização da retirada.

É indiscutível que houve muitos avanços importantes nos direitos das mulheres nesse período: elas puderam ser vistas, começar a falar e expressar suas opiniões, se expressar, estudar e ocupar cargos e posições antes reservadas apenas aos homens.

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“Hoje, há 3,3 milhões de meninas recebendo educação e, segundo a Organização Mundial da Saúde, 87% da população teve acesso a centros de saúde.”

Também é verdade que a luta pelos direitos das mulheres afegãs foi uma das faces da ocupação, a mesma ocupação que hoje se retira sem sequer assinar um acordo que garanta os seus direitos mais fundamentais.

Agora, a comunidade internacional deve agir para prevenir que tragédias maiores sejam sofridas por toda a população, mas principalmente por meninas e mulheres.

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*Por Cintia Rodil – Escritora e jornalista.

*Produção – Silvina Márquez.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

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*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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