
Quando as mulheres chegam ao poder, surgem expectativas de que a política mude e se torne mais amigável e conciliadora, que as sociedades se tornem mais igualitárias e pacíficas. Essas expectativas refletem estereótipos de gênero, associando as mulheres a certas qualidades: ainda hoje acredita-se que elas são mais conciliadoras, amáveis, dispostas a ouvir e levar em conta diferentes pontos de vista, que sabem cuidar melhor de si mesmas do que os homens. Assim, espera-se que as políticas sejam responsáveis por reparar nossas sociedades e resolver os problemas de exclusão, desigualdade e pouca representatividade.
Alguns estudos mostraram que, de fato, as mulheres tendem a lidar mais do que os homens com questões ou expressar posições “igualitárias”. Por exemplo, elas apoiam com mais frequência a legislação em favor de mudanças nos papéis de gênero, passam mais tempo servindo a comunidade e mais frequentemente levam em consideração as opiniões dos cidadãos e se preocupam em estabelecer vínculos com seus eleitores. Da mesma forma, demonstrou-se que seu estilo de governo enfatiza a busca por coincidências e cooperação, características geralmente associadas a um exercício de poder “feminino”.
Então, as mulheres são capazes de mudar o mundo? Sua presença na política a torna melhor?
A ciência política acreditava que era necessário atingir uma “massa crítica” da presença feminina para aumentar sua influência nas políticas públicas e permitir que influenciem o conteúdo das decisões. Com isso, parlamentos com maior presença feminina devem aprovar mais leis com perspectiva de gênero e gerar condições favoráveis para a inclusão de mais mulheres nos partidos e na administração pública. Isso, por sua vez, seria um empurrão para promover a igualdade social.
No entanto, a realidade dos países em que a presença das mulheres nos espaços de poder aumentou significativamente é muito mais complexa. Em alguns casos, observou-se que as mulheres nos níveis mais altos do exercício do poder possuem formações, experiências, atuação e projetos políticos indistinguíveis dos homens. Frequentemente, as mulheres aderem à agenda do partido em primeiro lugar, dedicando seus maiores esforços para alcançar objetivos comuns, deslocando a agenda de gênero e igualdade. Inclusive, foram identificados casos em que o aumento significativo da representação feminina gerou retrocessos nas políticas públicas de igualdade.
Isso se deve às diferenças que existem entre as mulheres e ao fato de nem todas aderirem à agenda de gênero, uma vez que suas preferências ideológicas ou vínculos partidários são determinantes para suas posições políticas. O fato de ser mulher não acarreta nem uma experiência de vida única nem a mesma preferência por políticas públicas. As mulheres que chegam ao poder não necessariamente defendem questões feministas, mas muitas vezes se adaptam às regras existentes no mundo da política “androcêntrica” (e às vezes essas regras são tão fortes que não têm escolha). Finalmente, esperar que as mulheres que venham a ocupar cargos de decisão se dediquem exclusivamente às questões “femininas” e tenham a responsabilidade exclusiva de reparar nossas sociedades torna-se um novo mecanismo de discriminação.
Apesar de tudo isso, a presença das mulheres nos espaços de poder tem um valor em si. É importante, simplesmente porque numa democracia não se pode aceitar a exclusão de metade da população do exercício do poder. É valioso, porque melhora a representatividade das instituições políticas, promove a pluralidade e diversidade de interesses, opiniões e posições. É necessário, porque uma democracia sem mulheres não é uma democracia.
A presença igualitária das mulheres no poder é necessária não porque elas devam mudar o mundo, mas para ter as mesmas oportunidades de fazê-lo.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.
*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.