Três presidentes presos

Pedro Castillo inviabilizou qualquer movimento progressista no Peru?

*Por Carlos Santander – Professor e pesquisador associado da Universidade Federal de Goiás (Brasil). Pós-doutorado pela Universidade de San Marcos (Peru). Especialista em estudos comparativos sobre a América Latina; e Latinoamérica21.

Pedro Castillo inviabilizou qualquer movimento progressista no Peru
Pedro Castillo (Crédito: Leonardo Fernandez/Getty Images)

O Peru já teve três presidentes presos (Alberto Fujimori, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski) nas últimas duas décadas. O ex-presidente Alan García cometeu suicídio sob pressão para ser acusado de corrupção, e Alejandro Toledo está em processo de extradição dos Estados Unidos. Pedro Castillo será em breve o quarto presidente do Peru a ser preso e obrigado a responder à justiça, já que foi afastado por sedição por ter decretado inconstitucionalmente o fechamento do Congresso.

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Durante seu governo, o ex-presidente buscou ampliar o apoio e tentou formar um governo de coalizão, o que não lhe custou nenhum partido político, já que o Peru Libre, partido de esquerda marxista que o catapultou ao poder, decidiu abandoná-lo. As razões foram a rejeição dos desejos do partido de governar como minoria e de impor funcionários sem idoneidade para o exercício de cargos públicos.

Castillo, isolado, também não possuía capital social para construir pontes com outros atores políticos e, portanto, constituir um governo mais amplo. Sem maioria no Parlamento, mal conseguiu juntar alguns aliados circunstanciais para evitar sua demissão no Congresso.

O agora ex-presidente Castillo, sem capacidade para impor uma agenda de governo ou dar uma direção política adequada, acabou se afogando em supostas acusações de corrupção, as mesmas que, amplificadas pela mídia, o levaram a improvisar. Seu círculo pessoal mais próximo agiu injustamente e optou por denunciá-lo na medida em que ele não obteve favores pessoais.

Castillo obteve uma vitória significativa quando o Tribunal Constitucional rejeitou a acusação de traição por declarações nas quais ofereceu à Bolívia uma saída para o mar. No entanto, essa vitória foi superestimada pelo ex-presidente, que ingenuamente acreditou que o fechamento do Congresso levaria a opinião pública a se manifestar a seu favor nas ruas.

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Apesar de no dia em que o Congresso discutiria sua destituição pela terceira vez, a oposição não tivesse os 87 votos parlamentares para consegui-la, a decisão do ex-presidente não teve respaldo político. Mesmo assim, decidiu apressadamente decretar o fechamento do Congresso.

Diante desse movimento, a câmara imediatamente se reuniu para declarar a incapacidade moral do presidente e, poucas horas depois de sua decisão imprudente, ele foi preso e colocado à disposição do Ministério Público. Em poucas horas, Dina Boluarte foi reconhecida pelo Congresso da República como sua sucessora. Boluarte, que vem das fileiras do Peru Libre, foi finalmente expulsa de seu partido por declarar que não abraçava sua ideologia.

O certo é que a ascensão de Boluarte à Presidência é a sexta em seis anos. Boluarte não tem apoio formal no Congresso e por isso tentará formar um gabinete plural. Se ela não conseguir, as chances de ela ser demitida são muito altas.

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Esse perigo reside em particular na extrema-direita, que tem diferentes bancadas e tem um papel de destaque. Essas formações estão dispostas a desgastar o aparato institucional peruano enquanto não houver harmonia ideológica com o governo. Partindo do fato de que Dina Boluarte é uma mulher de esquerda, qualquer agenda diferente seria motivo suficiente para substituí-la.

Há evidências de que a oposição (especialmente a de extrema-direita) agiu de forma injusta e com fundamentos inconstitucionais para destituir o ex-presidente Castillo. E é que as prerrogativas de controle político dão visibilidade aos seus parlamentares, pouco comprometidos com as demandas urgentes do país.

Não há dúvida de que esse histórico de instabilidade do sistema político no Peru se baseia no próprio desenho institucional, que dá lugar ao confronto, ao invés da cooperação. De fato, o exercício do poder no país se reduz à presença de um presidente com muitos recursos políticos diante de parlamentares que, para se tornarem opções alternadas, não podem apelar para outra estratégia que não seja a do confronto, mesmo que sejam desleais ao regime democrático, se necessário.

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Se Castillo tivesse aceitado a vaga, talvez politicamente tivesse saído mais forte. O desenho institucional peruano fez com que Castillo optasse por sair equivocadamente da atual constitucionalidade. E isso foi um erro grave.

Com seu decreto, ele esperava convocar novas eleições parlamentares. Porém, nada garantia que um novo Congresso lhe fosse favorável, já que não tinha partido nem representava uma proposta ideológica específica. Ou seja, se trataria do exercício do poder sem finalidade clara e sem proposta específica para o segmento do eleitorado que o levou ao poder e que tanto demanda mudanças sociais.

O que Pedro Castillo realmente conseguiu foi unir todos contra ele e com isso inviabilizar qualquer movimento progressista no Peru.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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