liberdade é um conceito relacional

Somos realmente mais livres graças à tecnologia?

*Por Joan Cwaik – Autor e promotor. Especialista em tecnologias emergentes.

Somos realmente mais livres graças a tecnologia
(Crédito: Canva Fotos)

Para alguns pensadores, a tecnologia nos torna mais livres e poderosos. Mas outros pensam exatamente o oposto. Como disse o poeta chileno Nicanor Parra, quem nos livrará de nossos libertadores?

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Para Byung Chul Han, os seres humanos do século XXI estão submetidos a um sistema de dominação e semi-escravidão dos mais eficientes: já que na maioria das vezes estamos convencidos de que exercemos nossa liberdade da maneira mais plena. Para Chul Han, poucos humanos realmente sabem o que é liberdade. Ou como eu diria – salvando as distâncias – Calamaro, quem a perdeu a conhece, quem a viu ir muito longe de perto.

Ao contrário da percepção que costumamos ter, o alto nível de individualismo que o ser humano vive no século XXI não nos torna mais livres, pelo contrário. A liberdade é, em seu sentido etimológico, um conceito relacional. Isso significa que alguém não pode ser livre sozinho.

Seguindo o pensamento de Chul Han, se os homens não são livres, também não podemos ser fortalecidos. Na verdade, para esse pensador, acreditamos que temos mais poder e liberdade, mas, ao contrário, estamos cada vez mais escravizados e fracos. O verdadeiro poder reside então naqueles que “nos fazem acreditar” que podemos ser nossos próprios patrões e trabalhar até que nossos cérebros esfriem. Nesse sentido, a tecnologia desempenha um papel fundamental nesse esquema que Chul Han descreve em profundidade em seu ensaio Psychopolitics.

Vamos pensar assim: quando temos um aplicativo para streaming de conteúdo de entretenimento, supostamente somos muito mais livres do que quando tínhamos a oferta limitada de provedores de televisão por satélite ou cabo. Ou quando tínhamos empréstimos limitados da Blockbuster. Quem não é centenário lembra-se perfeitamente de ter passado domingos inteiros assistindo filmes antigos, e que já tinha visto vezes sem conta, traduzidos para o espanhol latino. No entanto, hoje, podemos escolher praticamente qualquer coisa por uma quantia irrisória de dinheiro em comparação com o que costumamos pagar pela televisão por satélite. Além disso, podemos fazer uma pausa se quisermos ir ao banheiro, reiniciar o filme se adormecermos ou assistir várias vezes se quisermos. A conclusão precipitada seria então que somos muito mais livres usando o Netflix do que assistindo TV. Aliás, essa é a mesma lógica com que se vende o entretenimento on demand: o cidadão-consumidor empoderado. No entanto, se olharmos com um pouco mais de atenção, quando usamos aplicativos de streaming de conteúdo, estamos cedendo voluntariamente uma grande quantidade de informações, que posteriormente se traduzirão em recomendações personalizadas. Essas recomendações selecionam um universo bastante limitado de temas e conteúdos, ao invés de nos dar a prometida liberdade absoluta. Esses esquemas também geram vários tipos de “vício”, que tornam extremamente difícil voltar a um estado anterior quando não tínhamos redes sociais ou aplicativos de conteúdo sob demanda. Então, somos realmente mais livres graças à tecnologia?

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Muito da experiência que essas aceleradas mudanças tecnológicas geram nos seres humanos tem muito a ver com o que nos acontece quando estamos em uma montanha russa. Quando estamos em uma montanha-russa ou algum jogo similar, a primeira coisa que experimentamos tem a ver com a perda total de controle sobre o que está acontecendo ao nosso redor. Na maioria dos casos, por mais que queiramos, não podemos baixar ou parar o jogo até que ele termine, e também não sabemos o que vai acontecer no próximo milésimo de segundo.

Essa vertigem, que nos causa adrenalina, também gera medo e, em alguns casos, até desespero, perda da liberdade e, consequentemente, do poder.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Perfil Brasil.

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*Texto publicado originalmente no site Perfil Argentina.

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